sexta-feira, janeiro 19, 2024

Coisas e loisas

 

O meu marido de vez em quando vinha dizer-me que, na cave, ainda há sacos com coisas que vieram da outra casa e que ficaram para arrumar quando eu tivesse tempo. Era aquele tipo de coisas que, na altura, não sabia bem onde pôr talvez porque eram de utilização dúbia.

E o tempo foi passando e a vontade para abrir os sacos, ver o que lá está dentro, decidir o que fazer, não apareceu.

Primeiro era porque estava a trabalhar, tinha mais que fazer. Depois deixei de trabalhar e ainda tive menos tempo livre.

E o meu marido sempre a picar. Para ele parecia-lhe inconcebível que havendo aquilo por fazer eu não me importasse e fosse deixando estar. 

Então, resolveu ele deitar mãos à obra. Só que descobre coisas que ou não sabe o que são ou não sabe o que lhes fazer nem onde guardar. 

Eu sei o que são mas também não sei o que lhes fazer. 

Por exemplo, termos. Um para líquidos, outro para sólidos. Ou uma caixa tabuleiro em madeira com uma grelha também de madeira que acho que é para cortar o pão, se calhar para as migalhas caírem para o tabuleiro. Ou um rechaud. Coisas assim. Coisas que na altura devem ter tido uma justificação mas que depois caíram em desuso. Por acaso o rechaud até teria dado jeito no outro dia. Puxei pela cabeça para tentar perceber onde estaria até que deduzi que lhe tinha perdido o rumo. Afinal apareceu. 

Poderia guardar na cozinha se os armários não estivessem cheios ou se a despensa não estivesse identicamente repleta. E pior que isso. Nesta cozinha, num dos lados, o armário de cima vai até ao tecto. Mesmo que me ponha em cima daquele banquinho desdobrável do ikea, não chego lá. Ou seja, não faço ideia de que é que o meu marido para lá encafuou. 

Trouxe as coisas para cima e depois deixei de vê-las. Devem ter ido fazer companhia às coisas lá de cima.

Veio também dizer que havia uma coisa que não sabia o que era e que estava toda cheia de bolor. Fui ver. Uma toalha de mesa de renda, grande, rectangular, feita por mim. Não com bolor mas com ferrugem. O tempo que levei a fazer aquela toalha... Rosetas e rosetas de crochet em linha branca. E nunca mais a usei e nunca mais de tal me tinha lembrado. E o espaço que aquilo ocupa. As gavetas já estão cheias. Agora, ainda por cima, tenho que ver como se tiram as manchas de ferrugem. Ainda mais essa.

Quando lá fui ver a toalha vi uns jogos turcos de toalhas de casa de banho, ainda na embalagem. Houve uma altura em que a minha avó materna me levava turcos e mais turcos, coisas para o enxoval. Também não sei onde pôr. Mas custa-me desfazer deles tendo sido presente da minha avó.

Outra coisa que lá estavam eram lençóis bordados, outros com grandes rendas. O trabalho que deram. A minha avó materna e a minha mãe faziam rendas enormes, numa linha finíssima. Depois contratavam uma senhora que fazia bordados e que pregava as rendas. Obras de arte. Nunca usadas. Onde é que eu ia pôr lençóis daqueles na cama? Não dariam jeito nenhum. Nem podem ser usados sem ser passados a ferro. Os que uso são muito maiores do que aqueles, as camas agora são bem maiores, e não precisam de ser passados a ferro. Portanto, onde é que os ponho aquelas peças de arte? 

Tralha, tralha, tralha. Na prática é o que tudo aquilo é.

E já sei que mesmo que queira impingi-los aos meus filhos, não vão nessa. Têm as coisas deles, não querem coisas que nada têm a ver com o seu gosto e com o seu estilo de vida. E também não têm espaço. Compreendo-os. Fazem bem.

É um assunto que me incomoda: a quantidade de coisas que tenho cá em casa. Quando via alguns programas de reabilitação de casas nos Estados Unidos ficava admirada ao ver que as pessoas compram as casas mobiladas e, quando vendem as casas em que viviam, vendem-nas mobiladas. É mais fácil do que andar com a tralha atrás.

Nestas alturas lembro-me do meu amigo que morava num andar em que ele e a mulher tinham comprado o direito e o esquerdo e feito obras para unir. Ficou um mega-mega-apartamento. Segundo ele dizia, carregado de toda a espécie de tralha. Não conheci essa casa, só a casa que tinham no campo. Aí, era uma moradia grande. Ela era o cúmulo da vitalidade, de entusiasmo, e isso abarcava também a sua actividade de decoradora. Andava por antiquários e lojas de velharias e arranjava peças fantásticas. Carradas de coisas fantásticas. Carradas. Em Lisboa devia ser a mesma coisa. E por cima do giga-apartamento deles, de um dos lados, morava a sogra. Quando a sogra morreu, a casa ficou para eles. A senhora tinha um belo apartamento requintadamente mobilado. Ele estava doido com tanta tralha. Dizia que só tinha vontade de comprar um apartamento minúsculo no Chiado e mudar-se para lá, deixando tudo para trás, tudo.

Eu também acho que uma bela coisa poderia ser mudar-me para a casa quase vazia, a casa dos sonhos do meu marido. E esta ficava como casa-museu. Quando os meus netos, bisnetos e trinetos quisessem descobrir raridades do passado, vinham até cá.


Mas, enfim, também não é caso para lágrimas. 

Caso para lágrimas é ver como jovens estudantes, gente supostamente não totalmente burra, adere ao Ventura. Não consigo perceber se é mérito do Ventura, que é capaz de ser perigosamente inteligente, ou se é demérito da malta que se deixou enredar nas conversas muito elaboradas do aparelhismo partidário e se mostra demasiado instalada, afastando a malta que é jovem e rebelde, ou se é uma idiossincrasia desta juventude que parece alienada e não aprendeu a dar valor à democracia e à liberdade. Uma tristeza e uma preocupação.

Mas é o que é. Face a isso, saibamos agir com inteligência. E bola para a frente.


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Um dia bom

Saúde. Boa sorte. Paz.

1 comentário:

  1. Olá UJM. Espero encontrá-la mais animada com as contingências da vida.
    Quanto às tralhas que vamos acumulando em casa (quanto maior for a casa mais tralha acumulamos), antes de me reformar estava convencido que quando me reformasse iria finalmente ter tempo para "arrumar" a tralha toda que existia em casa. Comecei por constatar que afinal o tempo, a seguir à saúde, é o bem mais precioso que temos e que não é elástico. Andei um ano a selecionar, separar, dar, destruir, etc. Não consegui "arrumar" quase nada porque coisas havia de que me custava desfazer - recordações... sentimentos..., então ia "reclassificando" e o progresso era pequeno ou nenhum. Até que um dia alguém me bichanou ao ouvido "se não usares/utilizares uma coisa durante 3 meses, provavelmente não deves precisar mais dela, se for durante um ano nunca vais mesmo precisar". E assim fiquei com a casa mais leve, e livre de antiguidades inúteis.
    Um abraço e pensamento positivo.

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