sexta-feira, dezembro 29, 2023

Imortais...?

 

Daqui por algum tempo deixará de haver velhos tal como hoje os conhecemos. "É possível voltar atrás no tempo", diz bióloga.

Rostos enrugados, carnes flácidas, peles cansadas, cabelos sem viço... serão coisa do passado. 

Bryan Johnson antes e agora
Poderosos deste mundo, alguns dos quais não apenas almejam a juventude eterna como, também, a vida eterna, financiam investigações que vão de vento em popa. Jeff Bezos é um deles. Bryan Johnson, outro. 

Até que haja produtos testados e aprovados ainda demorará algum tempo. Por enquanto os bilionários vão injectando o sangue fresco dos filhos, fazendo tratamentos experimentais e, certamente, ao olharem-se ao espelho, sentir-se-ão pioneiros ao fazerem recuar o tempo.

Há qualquer coisa de compreensível nesta vontade de fazer parar os efeitos do tempo no nosso corpo. Podendo uma pessoa manter uma pele firme, lisa, iluminada, qual o gozo em deixá-la vergar sob os efeitos da erosão?

Dizem que o caminho da extensão da esperança de vida é para continuar, e claro que é (assim não apareçam vírus ou catástrofes que o interrompam), mas que, com a crescente longevidade, virão novas doenças. É natural.

Jeff Bezos antes e agora
Por muito que gostemos de nos abstrair do lado físico da questão, a verdade é que o corpo é uma máquina e, por muita manutenção preventiva e preditiva que lhe façamos, lá virá o dia em que uma peça, uma pequena peça, um inofensivo órgão, se desgasta e, desgastando-se, desestabiliza o equilíbrio do todo. Também aqui há avanços pois a manutenção reactiva de hoje quase consegue reverter todas as crises mas, por muito que queiramos, milagres, milagres, não os há. Pode haver surpresas, coisas incríveis, mas milagres, travar indefinidamente o tempo, travar o curso da natureza, isso não há.

Vive-se mais e mais e mais anos e isso é bom mas não será isso, ao mesmo tempo, perverso? Não se corre o risco de que, aos poucos, insidiosamente, se vá criando, nas mentes, a ilusão da vida eterna?

Quando um dos meus tios, um que me era particularmente querido e a quem pedi para ser meu padrinho de casamento, irmão mais novo da minha mãe, soube que tinha cancro no pulmão, reagiu com bonomia. Sorrindo, disse que já tinha vivido mais do que muita gente e que tinha tido uma vida boa, que estava tudo bem.

Quando eu soube que havia em Cuba um tratamento muito esperançoso, falei com a embaixada de lá, tratei de saber quais os caminhos para ele lá conseguir ir tratar-se, informei o meu primo, ele falou com o médico, eu transmiti à embaixada as dúvidas processuais. E durante toda essa minha demanda, o meu tio não quis saber, já não estava para se meter em aventuras, em experiências, em viagens, achava que não valia a apena, preferia estar quieto e esperar tranquilamente pela sua hora. E essa hora afinal chegou cedo, bem mais cedo do que se pensaria, pois no dia em que ia a mais uma consulta e em que o meu primo ia tratar com o médico do que eu lhe tinha transmitido, o meu tio, ao sair do carro para ir para o consultório, sentiu-se mal e morreu ali mesmo. Não chegou a sofrer o sofrimento que talvez lhe estivesse guardado nem sentiu as angústias da morte.

Mas para quem está agarrado à vida, com vontade de viver muito mais anos, com o sonho de continuar a ver ainda por mais alguns anos a evolução da família, com vontade de continuar a ter saúde e a mesma vitalidade, destreza e agilidade que teve a vida toda, a perspectiva de que a incontornável parede está a poucos passos e que todos os caminhos conduzem a esse beco sem saída traduz-se num desgosto imenso, numa tristeza intratável. Nesses casos, a vida longa, em ver se ser vista como uma bênção, acaba, na recta final, por ser uma fonte de ansiedade, temor, pavor, angústia mortífera, negação, infelicidade.

Como referido acima, dizem os artigos sobre as investigações em curso que, com a maior duração da vida, virão novas doenças. É natural. Não apenas as células, quando atingido o fim do prazo de validade, entram em descontrolo, algumas multiplicando-se desordenadamente, entrando por onde não devem, como alguns mecanismos, 'preparados' para um determinado funcionamento, entram em disrupção, em falência, não cumprindo a sua missão, produzindo substâncias indevidas ou deixando de filtrar outras que acabam por funcionar como veneno.

É isto que queremos? É para aí que caminhamos?

Tudo muito ilógico, parece-me. 

O que aconteceu nas nossas sociedades para que tantas loucuras aconteçam? Porque nos esquecemos da nossa condição efémera? Porque desaprendemos a arte de viver e apreciar as coisas simples e o 'agora'? Porque passámos a querer tocar a eternidade? Porque só pensamos no futuro e, ao mesmo tempo, deixamos que o medo do que nele possa acontecer passe a infectar as nossas existências?

Eu não sei. Só sei que não me parece saudável nem me parece que nos traga mais felicidade.

2 comentários:

  1. Cara UJM
    Há poucos dias nos habituais votos de boas festas, falei com uma senhora com 90 e tal anos onde me disse que a vida para ela já não fazia sentido porque a casa onde vive não tem nada a ver com a casa da vida dela apesar de bem tratada mas o futuro já não lhe pertence e portanto espera a "dádiva" de Deus como grande católica que efetivamente sempre a conheci.

    Isto para dizer que estas modernices restauracionistas, não me fazem sentido, até porque a vida queiramos ou não, trata de nos guiar á morte pelo caminho natural com mais dificuldades uns, outros, com mais singeleza se é possível dizer assim. Não. Porras de modernices dessas, obrigado.

    Há muito tempo que não metia uma gaitada,

    https://www.youtube.com/watch?v=WcSYIoTzHBU&list=RDWcSYIoTzHBU&start_radio=1&rv=xCBOVw7PErU

    https://www.youtube.com/watch?v=MMRVbhbIkjk&list=RDWcSYIoTzHBU&index=5













































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