segunda-feira, dezembro 18, 2023

Fernando Alvim e o défice de atenção
[LABIRINTO - CONVERSAS SOBRE SAÚDE MENTAL]

 

Creio que já falei aqui de uma colaboradora que tive que era deveras obesa. Chegou a fazer cirurgias para reduzir o peito e para reduzir o estômago. Mas se, mais ou menos, víamos o efeito logo a seguir, a verdade é que um ou dois anos depois já não víamos diferença nenhuma, continuava obesa.

Quando vi os filhos fiquei um pouco chocada pois as crianças eram também obesas. Dizia-me ela que os miúdos só queriam comer pão de forma daquele muito branco e sem côdea, só queriam beber coca cola, comer gomas. Eu dizia-lhe que não desse isso aos filhos, que isso as engordava, que tivesse cuidado. Ela ria-se e dizia que eles saíam a ela, eram uns gulosos, e se recusavam a comer outro tipo de comida.

Entretanto, o rapazinho era muito problemático. Dizia ela que o menino era hiperactivo e tinha défice de atenção e que tinha que tomar ritalina. Pensei -- mas não disse -- que se calhar a quantidade de calorias que a criança ingeria tinha alguma coisa a ver com isso. Contudo, se andava a ser clinicamente seguido, certamente a obesidade tinha sido tida em atenção e, se calhar, o défice de atenção tem causas distintas, ou seja, não tem a ver com terem energia a mais, fruto do excesso de calorias.

Naqueles dias em que as crianças estão de férias mas os pais não, ela pedia se podia ter lá os miúdos com ela. Claro que sim. Ela levava os tablets para os miúdos estarem entretidos. Eu ia lá vê-los e falar com eles e tentava que fizessem desenhos, escrevessem histórias, mas os miúdos não estavam nem aí. Mas até aí eu ainda compreendia. Mas ficava era muito estupefacta com os pacotes de bolachas, daquelas altamente amanteigadas ou com chocolates e recheios, bebidas completamente desaconselháveis e toda a espécie de farnel hipercalórico que a mãe lhes punha em cima das mesas. Com o máximo de diplomacia, eu perguntava à mãe se não podia evitar aqueles alimentos em tal quantidade e ela, com o ar mais natural, dizia que tinha que ser para ver se estavam sossegados e sem levantarem ondas, senão não conseguiria aguentá-los quietos durante tanto tempo. Eu ficava estarrecida.

Com os meus filhos fui fundamentalista e eles ainda hoje se queixam disso. Não havia internet para me informar mas tinha livros de medicina infantil que não largava e seguia à risca todas as recomendações. Não havia produtos com aditivos suspeitos na alimentação deles. Só lhes dava comida tida por saudável. Por mais que se sentissem infelizes por eu não lhes dar o que eles viam os amigos comer, eu não abria mão com medo que um cagajésimo de miligrama de algum produto menos saudável viesse a fazer-lhes um mal terrível para o resto da vida. Em contrapartida, queria que comessem todos os dias os alimentos tidos por recomendáveis. Quando eram bebés ou pouco mais que isso, para onde eu ia, ia com caixinhas de comida feita em casa pois era a única maneira de ter a certeza que as vitaminas, os sais minerais, as proteínas, os hidratos, etc, estavam todos na dose certa e que tinham sido cozinhados como mandavam as boas regras. Os meus pais e o meu marido e o resto da família achavam que se poderia abrir uma ou outra excepção e eu, por vezes, com pena das crianças, violentava a minha consciência e lá deixava que acontecesse uma extravagância, dizendo a mim própria, que era uma vez sem excepção. 

Por exemplo, os meus cunhados eram o oposto. Iam com os filhos, ainda bebés, sem levarem nada a não ser cerelac. Não me esqueço de um dia em que resolvemos ir fazer um grande picnic perto da praia. Outros tempos. Fomos antes ao mercado comprar peixe e o resto da comida e fomos fazer uma sardinhada. Era um grupo enorme. Um dos meus sobrinhos teria um sete ou oito meses, nem sei, talvez menos. Éramos talvez tantos miúdos quantos graúdos. Entre irmãos e primos era um grupo grande de miudagem. Pois bem, o bebé foi entregue ao cuidado dos diversos primos. Os rapazinhos talvez jogassem à bola ou trepassem às árvores e as miúdas ocuparam-se do bebé. Era literalmente um boneco na mão das primas, todas pequenas. Pois deram-lhe à boca sardinhas assadas, pão com molho de sardinha, batatas, deram-lhe melão. E ele tudo comeu. Ao lanche já não me lembro o que comeu mas qualquer coisa foi, certamente o mesmo que os outros, e, como ficámos até tarde, mais para a noite, fizeram-lhe uma papa cérelac. Comeu tudo que se regalou, sem protestar. E este regime liberal mal não lhe fez pois, que se saiba, é um adulto saudável. 

De todos, comparando-o com a irmã e com os vários primos, o mais irrequieto de todos sempre foi o meu filho. Muitas vezes eu pensava que ele era hiperactivo. Muitos vezes penso que ainda é. A quantidade de actividades que ele faz, parecendo ter sempre necessidade de fazer coisas para se cansar sempre me deixou espantada.  Mesmo quando estava na minha barriga, deixava-me até incomodada com a violência das cambalhotas que cá dava dentro. E quando estava já enorme, mais para o fim da gravidez, a violência dos esticões que dava fazia-me sentir que me ia pontapear o estômago para fora da boca. E, quando nasceu e ficou a dormir no porta bebés, virava-se de tal maneira que punha uma perna quase de fora, parecendo, por diversas vezes, que ia virar o porta bebés ou cair de lá. Eu não conseguia perceber a força que ele tinha para, tão pequeno, fazer aqueles movimentos. Por isso, apesar de ainda tão bebé, tive que pô-lo logo na cama de grades que era da irmã e tivemos que comprar à pressa uma cama grande para a minha filha. E depois, quando tinha dez meses, começou a fazer birras diabólicas durante a noite, puxava os vómitos e vomitava-se, levantava-se e recusava-se a deitar-se e uma vez, não sei como, trepou e atirou-se da cama, pregando-nos um susto do caraças ao darmos com ele caído no chão. Exausta, sem conseguir dormir, sem sabermos já o que fazer (ainda por cima, sempre se recusou a usar chucha), resolvemos fazer uma experiência: pô-lo a dormir na cama grande da irmã. E ela, coitada, foi dormir para o sofá cama. Pois foi remédio santo. Passou a dormir que foi uma maravilha. Eu punha almofadas no chão não fosse ele, irrequieto como era, cair da cama. Mas caía e levantava-se. Nunca mais deu noites desgraçadas, nunca, nunca mais. E, claro, tivemos outra vez que encomendar à pressa uma cama para a minha filha. 

Mas se era hiperactivo, défice de atenção não tinha, nem tem. Focava-se totalmente, concentrado no que lhe agradava. Por isso, nunca considerei que fosse caso para preocupação. 

Mas ocorreu-me isto, certamente a despropósito, ao ver a entrevista do Fernando Alvim no âmbito da rubrica Labirinto, as interessantes entrevistas do Observador sobre temas de saúde mental. 

Quando trabalhava, se o horário coincidia, vinha na companhia do Alvim na sua Prova Oral. Quando dava na televisão também não perdia. Ainda agora, se calha virmos no carro àquela hora, é certo e sabido que nos colocamos na Antena 3 para virmos de gosto na companhia do grande Alvim. É ímpar. É genuíno. Muito bom. E o seu testemunho é importantíssimo para sensibilizar as pessoas para a necessidade de identificar e tratar as perturbações de comportamento que têm origem em alterações a nível da saúde mental.

Fernando Alvim e o défice de atenção. "É muito difícil estar concentrado numa coisa"

Cresceu como um miúdo agitado, sempre a fazer muitas coisas, mas só em adulto, há muito pouco tempo, o apresentador foi diagnosticado. Um acaso que, diz, lhe mudou a vida. 

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Agradeço os comentários e os mails. Têm sido muito importantes para mim.

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Desejo-vos uma boa semana

Saúde. Coragem. Força. Paz.

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