No outro dia, ao vermos fotografias do nosso casamento, o meu marido disse: 'O chato disto é que metade da malta já cá não está'. Pois é. Eu, ao ver-nos nas fotografias de grupo, também tinha pensado exactamente isso. Não sei se é metade, se é um terço. Sei que são muitos. Avós, quase todos os meus tios, todos os do meu marido, sogros, o meu pai.
Deve ser o que acontece em todas as famílias ao fim de um período longo. É a tal lei da vida. A malta chega ao fim da passadeira rolante.
No entanto, é também certo que tantos dos que hoje habitam o nosso coração ainda não existiam nessa altura. E isso é uma alegria. De certa forma, a passadeira está sempre cheia. Saem uns, entram outros.
Não têm sido nada fáceis estes tempos para mim.
Em todos os casos anteriores, quem saía da passadeira estava doente, sabia-se o que se passava.
No caso que agora me é muito próximo, não se sabe o que se passa. Supostamente, há uma condição física que estará controlada.
Contudo, antes, o receio exacerbado dos medicamentos sempre a tinha levado a evitá-los (não dizendo a ninguém que o fazia). Sempre zelou em absoluto pela sua independência, estou agora em crer que para garantir que ninguém percebia que não tomava o que devia. E, se se via forçada a tomá-los, imediatamente sentia todos os efeitos secundários que tinha lido na bula. E tão convincente era, tão mal se mostrava, a tantos médicos dizia que ia que, segundo ela, lhe diziam que suspendesse os medicamentos, que não havia como ser eu a questionar o que me era apresentado como decisão dos médicos.
Até que a situação se agravou e passei a acompanhá-la às consultas e a garantir que não falhamos nenhuma e que a medicação é seguida. Contudo, para ela isto foi como uma sentença de morte. É como se estivesse a ser forçada a ser envenenada. Em vez de aceitar que, tratando-se, lhe é garantida uma sobrevida de qualidade, não. Leu todas as bulas e, de imediato, mais uma vez achou que ia morrer dos efeitos secundários.
Tem lutado por todos os meios para trocarem ou retirarem ou reduzirem a medicação. Contudo, para seu desespero, os muitos médicos ouvidos confirmam que a medicação é a correcta e que, sob risco de vida, não pode ser suspensa. Nos últimos dias, um outro médico, mais um, o confirmou. Para ela, foi uma tremenda desilusão. Não sei porquê, pensava que este ia ceder. Ficou para morrer com a indicação dele de que deveria continuar a tomar aqueles medicamentos. A sua condição de saúde parece que se agravou ainda mais ao saber disso.
E, em estado de enorme exaustão, queixa-se de mil sintomas que atribui aos medicamentos e que os médicos juram a pés juntos que não pode ser. Mas a verdade é que está a piorar de dia para dia. Nenhumas análises, nenhuns exames, identificam o que quer que seja. Tudo está normal. Mas o declínio é evidente. De dia para dia, decai mais e mais. Sempre cheia de medo, descontrolada de medo e fatalismo, como se estivesse a morrer e ninguém ligasse, já sem força, exausta, é já uma sombra do que era.
E queixa-se de tantos sintomas, tantos, que, às tantas, agora que tem enfermeiros e médicos a olharem por ela, está a ser medicada para o que não tem. A mim diz que não se queixou daquilo, que eles é que perceberam mal. Mas a eles não tem coragem de dizer que era a fingir, e toma mesmo. Mas já ninguém percebe o que é que tem de verdade, pois tão depressa sente tudo, de uma forma absoluta, com manifestações exuberantes, como, pouco tempo depois já não é aquilo, é outra coisa.
Mas, neste processo, desgasta-se, esgota-se, fica exaurida. E eu vejo que, mesmo que tudo o que ela sente seja uma somatização, a verdade é que está a destruí-la. E aparentemente ninguém consegue resolver isto.
De dia para dia a situação agrava-se. Está rodeada de pessoal clínico e todos continuam a dizer que, de físico, concreto, não se percebe o que possa ser, mas a depauperação do estado geral é gritante. E eu sinto-me impotente, sem saber o que fazer. O meu marido e os meus filhos dizem que obviamente não sou eu que posso resolver o que quer que seja, que só o pessoal clínico é que poderá. Só que eu tinha esperança que, entre enfermeiros e médicos, soubessem lidar com uma situação que me ultrapassava, e estou a ver que não.
Creio que é um caso em que fica muito evidente o que a mente pode fazer ao corpo.
E eu peço-vos desculpa por estar a voltar a este tema. Não queria estar a importunar-vos com o que começa a ser recorrente. Quem por aqui me acompanha sabe que detesto falar dos meus problemas. Tem morrido quem me é próximo, têm estado doentes, eu própria por vezes tenho tido alguns problemas e pouco ou nada falo disso. Não gosto de carpir, não gosto de me lamentar. Só que, desta vez, esta situação está a submergir-me, quase não me permitindo respirar. Bem tenho tentado falar de outros assuntos mais animados ou mais simpáticos mas, lamento, não estou a conseguir.
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PS: Volto a este post para escrever uma nota a posteriori. Quando escrevi o texto que acabaram de ler e que, de vez em quando releio para constatar que aquilo que eu sempre temia -- que um dia houvesse uma situação séria da qual nem eu nem ninguém se apercebesse -- aconteceu. Ao escrever o que acima escrevi jamais poderia supor que dois meses depois a minha mãe estaria morta.
Desejo as melhoras de si e da sua mãe !
ResponderEliminarA.Vieira
ResponderEliminarCumprimentos
https://www.youtube.com/watch?v=909wQior51Q
Realmente a mente tem uma força extraordinária. Decerto também já experimentou psiquiatria, porque só psicologia já não será suficiente. Está num labirinto, mas tome atenção a si própria, porque nos deixamos envolver de tal forma que nos deixamos arrastar.
ResponderEliminarEstamos cá para porque queremos ouvir o que tem a dizer, incluindo os desabafos.
Muita força e as melhoras
Quase médica... só que não.
A. Vieira
ResponderEliminarMuito obrigada.
Abraço.
Ccastanho, olá, boa noite,
ResponderEliminarMuito bons, Os sons do Silêncio. Muito obrigada.
Abraço.
Olá Quase-Médica
ResponderEliminarJá experimentou a psicologia e não funcionou, não aderiu. Aliás, nem falou dos seus medos e dos problemas que a levaram ali. Andou não sei quanto tempo a 'empatar' a psicóloga e, ao mesmo tempo, sempre a dizer que aquilo não prestava para nada... até que desistiu.
Hoje, quando lá estive, a enfermeira disse que o médico está a observar a situação, que não sabe se não há ali uma depressão. Que, como o conhecimento é recente, tem que avaliar.
Mas tem razão: o meu marido e os meus filhos andam a alertar para que eu daqui a pouco, estou apanhada, 'pirada'. O excesso de preocupação por vê-la sempre assim, sempre a empreender nos seus medos, sempre a queixar-se, e, na verdade, cada vez mais fragilizada, e isto sempre, sempre, uma coisa constante e em crescendo, anda a deixar-me transtornada. Reconheço. O meu sono anda alterado, há dias que mal durmo e, quando acordo, parece que estou sempre ansiosa, creio que por temer que o dia seja pior que o anterior.
Sei que tenho que confiar na equipa que está a acompanhá-la e sei que tenho que admitir que talvez isto seja algum processo degenerativo (embora tenha uma memória mil vezes melhor que a minha e um raciocínio rápido, como sempre foi). Mas não me está a ser fácil. Ela sempre foi independente, informada, activa, sociável. E vê-la como está agora e sem perceber porquê, isto é, parecendo que é o sistema nervoso que está a dar cabo dela sem que ela consiga reagir, faz-me mesmo muita impressão.
E lá está... já estou outra vez na mesma lenga-lenga... Peço desculpa. Daqui a nada sou eu que já pareço obcecada com isto...
Olhe, muito obrigada. Gostei de ler o que escreveu.
Um abraço.