O que esta casa se suja, apesar de estar fechada, não dá para explicar. Tudo fechado, tudo, tudo bem fechadinho. Antes de sairmos, tudo limpinho. E chego lá, e não sei como, vejo teias de aranha nuns cantinhos, afasto os sofás e vejo pó ou, quando enfio a vassoura por debaixo dos móveis, constato que saem rolos de cotão. Posso fechar os olhos, fazer de conta que não vejo. Se estou cansada demais ou com pressa é isso que faço. Fica para a próxima, digo. Mas nunca saio sem limpar, pelo menos, a maior.
Hoje tinha tempo, foi a preceito, tapetes não apenas bem varridos mas bastamente sacudidos, sem esquecer de afastar tudo o que havia para afastar, tudo, tudo. Se há coisa de que gosto de fazer é isso. Parece que o ar depois fica mais limpo. Ou, então, é psicológico. Mas, seja o que for, é bom na mesma.
E, no entanto, há menos de quinze dias tinha deixado a casa limpa.
Não sei se é por haver um cão em casa, se é por trazer paus que se entretém a roer como se fossem ossos, se é por trazer tojo seco agarrado ao pelo. Não sei. Creio que não pois quando saio a casa fica limpa.
E, se eu estive dedicada aos interiores, o meu marido andou de volta das árvores. Depois de anos e anos a lutar por cada pé de árvore, agora estou outra. Percebi que quando há ajuntamento de pés, nenhuma árvore se desenvolve muito e há pés que ficam infelizes e esquálidos. Era minha ideia que a natureza era sagrada e que isso tinha que ser levado à letra. Mudei. Agora acho que devemos ajudá-la, fazendo a misericórdia de eliminar o que não está fadado a vingar. Leio-me ao escrever e sinto-me cruel. Mas não estou a falar do reino animal, apenas do vegetal.
Por isso, alguns aglomerados de pés de aroeiras e de azinheiras, justamente os que estão em frente das janelas da sala da televisão e da sala do lado, foram hoje aligeirados. Ele teve uma trabalheira a serrar aquilo tudo, a cortar aos bocados, a transportar ramagens e troncos.
Mas fica muito melhor, mais desafogado, uma visão mais ampla. Gosto muito mais. Quando me ouve a louvar a nova vista, o meu marido limita-se a dizer: 'Há anos... há anos que ando a querer fazer isto...'
Tenho constatado que, neste tipo de coisas, sou lenta, custo a perceber.
Deixo para fim uma mágoa, uma mágoa gigante. Estou quase certa que os esquilos debandaram. Aquela semana de máquinas a serrar ramos pelas árvores acima e de outras a desbastar mato devem tê-los assustado e muito. E, de facto, como não...? Eu tinha era esperança que, susto passado, regressassem. Mas, pelos vistos não.
O que fizemos tinha que ser feito e reconheço que há agora uma maior segurança (contra incêndios, por exemplo) e, apesar de tudo, não menos beleza. Mas afugentarmos os esquilos é daquelas que para sempre me ficará como uma grande pena. Voltei a deixar a banheira de quando os meninos eram bebés com água e à sombra. Mas não sei se, onde estão, os esquilos vão adivinhar que ali pus a água.
Tomara, tomara que sim. Vê-los, ou simplesmente sabê-los, nas árvores enchia-me de felicidade.
___________________
Entretanto, de tarde, casa cheia.
A alegria, o bom apetite de todos... e o que as crianças estão a crescer... Estão naquela idade em que espigam como feijões mágicos.
O mais crescido já quase um homem, com a sua personalidade cada vez mais definida, já sem a mesma apetência pelas brincadeiras dos demais. Não tarda será ela. Também já mais esguia, coquette, meiga, toda ela decidida nos seus objectivos. Seguem-se os dois que estão ainda a espreitar de longe a adolescência, um com onze e outro com doze, brincalhões, amigos, com os mesmos interesses. E, depois, o mais novo, seis anos cheios de filosofia. Para um projecto na escola sugeriu como tema: 'Porque é que há seres humanos'. A professora chutou para canto, claro. Numa sala de 1º ano, como trabalhariam o tema durante todo um ano lectivo? Ele ficou decepcionado, bem entendido. Menino mais fofo (e mais terrivelzinho...)
Enfim, um encanto muito grande, um calorzinho bom no coração.
__________________________________
Termino com um vídeo com uma pessoa de quem gosto bastante, Joan Baez. Não apenas fala da sua vida como faz uma revelação terrível. O que me espanta é como quem sofre abusos sexuais em criança consegue arrumar isso num canto da sua mente e fazer uma vida normal. Dir-se-ia que as vítimas ficariam com traumas tão avassaladores que não conseguiriam livrar-se dessa devastação. Mas conseguem. E, até por isso, temos que estar todos bem atentos a todos os mais ínfimos e subtis sinais pois, como se sabe, quer os abusadores quer as vítimas ocultam tudo bem ocultado.
Mas, para além disso, há a voz e a forma maviosa como Joan Baez interpreta o que canta.
Joan Baez, revealing secrets
In a new documentary, "Joan Baez I Am a Noise," which features the singer-activist's personal archive of home movies, letters and drawings, the Rock & Roll Hall of Famer opens up about her 60-year career and her life on the front lines of social change. Baez talks with correspondent Tracy Smith about the film and the surprising secrets she revealed; how Bob Dylan broke her heart; and how she expresses her less serious side.
UJM
ResponderEliminarEsta questão que levanto vai completamente ao lado do seu artigo. Apesar de nos ser de certo modo familiar, nestes últimos tempos de visitas a hospitais.
Há umas semanas, iniciei consultas no privado para preparar cirurgia o que, felizmente com excelente resultado, aconteceu.
Acontece que me intrigou o porquê, quando conheci a clinica onde o cirurgião me iria consultar para depois me operar noutra clinica ou melhor, no hospital que por acaso também, tal como a clinica, se situam em centros comerciais. Lembro-me de ter questionado a minha mulher o porquê de ser em centros comerciais, mas a coisa, com a preocupação que me consumia de saúde, passou-me ao lado a causa de tal localização.
Hoje, lendo a Visão online, sem querer, tenho a resposta: -"o negócio da saúde está a apostar em clinicas nos centros comerciais, porque, enquanto o doente vai à consulta, os familiares, gastam dinheiro em compras no tempo de espera ". Pois é, somos comidos de cabidela sem dar por isso.
Já agora, no dia da operação assim que entrei a porta do piso zero, paguei imediatamente os custos da cirurgia, e só depois, apareceu a enfermeira a chamar para subir para preparação do que já tinha pago integralmente. É verdade que pelo SNS estava seguramente anos de espera, no particular em três semanas resolvi a questão, e quem não tem possibilidade económica para o particular? Morre exausto de dor sem cuidados médicos por deficiências do SNS. Não é justo uma democracia parir uma desigualdade gritante neste caso na saúde, entre outras situações.