Eram sete e picos da manhã acordei com a fera a ladrar desenfreadamente. Estava naquele ponto de ebulição em que se mistura o ladrar com saltos e ataques de fúria. Percebemos que havia coisa. Estávamos a tentar acordar e discernir o que se passava quando começámos a ouvir vozes que nos pareciam ser junto à porta da sala.
Para quem trabalha, sete e picos serão horas de estar a pé. Para nós, idosos e pensionistas, são horas de ainda estar na cama. Claro que, muitas vezes, a esta hora já o meu marido está acordado. Mas anda cansado, desta vez estava ainda a dormir. Eu, excepto se tiver alguma obrigação, às sete, claro, costumo estar a dormir.
Levantámo-nos para ver o que se passava mas percebemos logo que só poderiam ser os artistas que têm andado a desbastar árvores e a cortar mato. Nos outros dias, costumavam começar às oito e pouco, o meu marido saía da cama, ia passear com a fera (à trela) e deixava-me a dormir um pouco mais
Fomos saber o que se passava para estarem a começar tão cedo. É gente com pouco apetência pela expressão verbal e um deles já estava lá em cima, encarrapitado na copa do pinheiro que está em frente da sala e o outro estava a segurar a escada. Um outro andava lá por baixo com uma máquina a picar lenha e mato. Lá percebi que esperavam que se pusesse calor e tinham resolvido antecipar-se. Percebi que esperavam acabar o trabalho à hora de almoço, antes que a tarde estivesse quente. Não antevi como, dado o volume de trabalho ainda em curso. Mas não se consegue conversar com eles, muito menos planear alguma coisa.
(Como se sabe, o tempo não aqueceu. Como estava previsto, a temperatura desceu).
Com eles, este trabalho foi quase uma aventura: combina-se uma coisa com um mas, depois, quem aparece para fazer o que se combinou é outro, que desconhece a combinação. Isto ao longo dos vários dias.
Uma outra característica: em caso de dúvida, fazem como lhes parece, sem perguntarem.
Como resultado, hoje um cedro gigante apareceu descaracterizado, parecendo agora um gigantesco peru careca. O chefe diz que disse a um deles que fosse lá acima e cortasse o ramo que estava a prender o cabo de telefone que passa ali, no ar, entre postes. Com a péssima dicção de todos e o desalinhamento mental que também me pareceu generalizada, o outro foi lá a cima e, percebendo que a ordem era do ramo que prendia o cabo para baixo, desbastou o cedro até chegar cá ao chão. O chefe, quando viu o resultado final, ia-o esfolando vivo. Não apenas tinha estragado irremediavelmente um cedro majestoso (não se terá expressado assim, presumo) como tinha arranjado trabalho para mais uma data de tempo pois, com aquilo, tinha depositado aos pés da árvore ultrajada uma massa imensa de ramagens que havia que retirar e triturar. O outro, levando tal desanda, ficou ofendido, revoltado, vigantivo.
Eu, pela parte que me toca, ao ver aquele lindo serviço, ia-me dando uma coisa. Podem imaginar, não é? Nem consegui perceber o que tinha acontecido ou qual a justificação para tamanho atentado. O autor da proeza não disse nada, estava roxo de raiva, furibundo, talvez envergonhado, não sei, limitou-se a dizer para eu falar com o chefe, que ele, pelos vistos, não sabia nada. O chefe, por sua vez, disse que estava enervado com o burro que tinha feito aquilo e que já quase nem conseguia falar.
A seguir a este episódio, o clima entre eles ficou de cortar à faca e já nenhum queria fazer nada, certamente cada um culpando o outro pelo sucedido.
Só saíram depois das seis e faltou limparem parte do lixo feito ao cortarem ramos mas não apenas eles, entre eles, estavam em ponto de rebuçado como nós já só desejávamos vê-los pelas costas.
Quando se foram embora, fomos nós dois de ancinho, vassouras e pás limpar o possível aqui mais perto de casa.
Se quisermos limpar tudo (e parte não era coisa que eles devessem ter feito), teremos trabalho para não sei quanto tempo e, para dizer a verdade, é um trabalho infindável pois mal acabarmos um lugar já outro estará cheio de caruma e folhas secas. Mas, enfim, pelo menos a maior deve sempre ser limpo e a ver se não descuramos como antes fizemos.
De qualquer maneira, os dois pinheiros e os dois cedros que estavam secos, já não existem. As copas de todos os pinheiros estão lá em cima comme il fault. O mato foi todo à vida (leia-se alecrim, tojo, silvas, rosmaninho, etc. -- tudo). Mas estava tudo tão ressequido, tão infeliz, que não fazia sentido estar a querer conservar. Pode ser que, em chovendo, rebente tudo com vigor. E, portanto, as diferenças entre o antes e o depois são significativas e, vendo os caminhos todos, as pedras em volta das árvores, gosto. Não está o meu belo bosque selvagem mas dá para passear sob a copa das árvores e não se corre o risco de ficar com as pernas arranhadas.
Só espero é que venha mesmo a chuva pois a natureza não foi feita para viver sem água. Estou, eu própria, sequiosa de um cheirinho a outono, de odor a terra molhada. Tomara que comecem a aparecer os audaciosos cogumelos e que da terra comecem a brotar os musgos, as ervinhas, a vida.
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Tirando isso, o que posso dizer é que estou nisto, alienada dos grandes temas do mundo, sejam eles os irreverentes genitais do Rubiales ou o ladino Marques Mendes (e isto não desfazendo, pois sei bem que há outros grandes problemas), enquanto o tempo acelera a favor do desenvolvimento da Inteligência Artificial. O ritmo da progressão e o sentido que as coisas levam são altamente preocupantes. Não quero ser alarmista pois ainda tenho esperança que, colectivamente, saibamos encontrar maneira de sobreviver à dinâmica de 'seres' muitas vezes mais inteligentes que nós (aceleradamente cada mais inteligentes que nós).
De qualquer maneira, por via das dúvidas, arredo-me de preocupações e opto por varrer a caruma (ou, vá, escrever).
Sugiro que vejam os vídeos aqui abaixo e que ajuízem.
Sky News Australia interviews 'free-thinking' artificial intelligence
Sky News Investigations Reporter Jonathan Lea sits down to talk with a “free-thinking” and “opinionated” artificial intelligence, Ameca Desktop.
“Ameca is driven by the same artificial intelligence behind Chat-GPT,” Mr Lea said.
‘We messed up badly’: Former Google X boss warns of AI threat
The era of humans being the most intelligent species on the planet is over, according to the former boss of Google's advanced innovation team.Mo Gawdat says AI is serving our obsession with greed, consumerism, and weapons of war, which is creating what he calls a prisoner's dilemma.
Sonho com um pais que abra as portas à emigração, que os registe, lhes dê formação e depois os deixe escolher trabalhos onde se sintam felizes por produzirem e fazerem a sua propria riqueza. Sejam livres. Que bom seria.
ResponderEliminarNão vejo governantes, ou aqueles que o pretendem ser, preocupados com a mão de obra no país.
Acabaram as escolas que formavam torneiros, mecanicos, marceneiros etc. A mao de obra na contrução está entregue a pessoas que, não falando portugues ou ingles não percebem as indicações que recebem. E é um faz e desmancha constante e no final fica uma obra sem qualidade. O mesmo se passa nos outros sectores.
Quando se contacta uma empresa aparece alguem que compreende o nosso objectivo. Quando a empreitada arranca, acontece o que lhe aconteceu com as suas arvores. Felizmente a Natureza irá aos poucos corrigindo.
Quem te manda sapateiro tocar rabecão? Dizia a minha avó.
Um Beijinho e Um bom fim de semana