sexta-feira, agosto 25, 2023

Dilemas de uma candidata a escritora

 

Creio que como todas as crianças, cheguei à entrada da adolescência com um grupo de amigas, colegas de turma e de partilha de confidências, companhia para passeios, idas a festas de anos, à praia e ao cinema.

Éramos umas cinco, sempre juntas. Dessas cinco, identificava-me mais com duas. 

Uma era divertidíssima, atrevida, brincalhona. Tínhamos ataques de riso que eram uma fonte de prazer. Não extraordinariamente bonita mas nunca reparei nisso pois ela era, sobretudo, a confidente, a companheira de todos os momentos, aquela com quem podia sempre falar de tudo, a voz da razão, a voz da paródia. Um mix perfeito.

A outra era muito bonita. Eu achava que ela era a mais bonita de todas. Era um pouco tímida. Enquanto eu e a outra chorávamos a rir, ela não. Ria mas não era exuberante nas suas manifestações. Eu tinha sempre meninos apaixonados por mim e brincava com isso e tenho ideia que ela também os tinha mas eram, mutuamente, menos intensos, muito menos exuberantes. Embora os levasse mais a sério que eu, que me lembre, nenhum foi tão maluco por ela como os que eram malucos por mim o eram (nem ela era tão maluca e intensa quanto eu o era).

Enquanto eu tinha quase que namoros a sério, ela não, eram mais coisas a atirar para o platónico e remoto. Uma vez perguntei àquele com quem eu, miúda, namoriscava apaixonadamente qual, na opinião dele, a razão para os rapazes não se apaixonarem muito por ela, sendo ela tão bonita.

Ele disse que era porque ela era assim... e imitou-a a andar. Não percebi. Ele disse que ela andava de cabeça baixa e sem mexer os braços. Que parecia que lhe faltava vida, disse. Achei uma parvoíce. Que razões mais absurdas. Ela uma querida, tão linda, e diz ele aquilo. Nem nunca eu tinha reparado em tal coisa.

Até que um dia, no último ano de liceu, ela se modificou radicalmente. Parecia querer entregar-se aos rapazes. As más línguas diriam que se tornou oferecida. Muito oferecida. Mas eu achava que era qualquer coisa de estranho que estava a passar-se, qualquer coisa que eu não conseguia perceber. Parecia ávida de emoções, parecia que queria sentir-se amada, parecia que havia nela uma urgência e uma imprevidência que me assustavam, uma carência descompensada. E, naquele estado, começou a andar com uns muito impróprios para consumo, em especial um deles.

Todos a avisávamos mas ela estava cega e surda, não ouvia ninguém. Parecia que, de repente, tinha perdido a timidez e a insegurança e um atrevimento e uma malícia que ninguém lhe conhecia tinham tomado conta dela.

Viveu com esse e, claro, não correu bem.

Depois entrou, creio, numa espiral. 

Uma tremenda sede de amor, uma atracção por situações que, a olho nu, se viam que só podiam correr mal. Isto dito por ela.

Ao fim de todos estes anos continua carente. Ingénua, amorosa, bonita, uma simpatia. E solitária e carente.

Tenho muita vontade de escrever sobre ela pois gostava de perceber o que se passou no seu íntimo para se ter modificado tanto e para, com tanto que tem tentado e tanto que o deseja, continuar à espera de um amor. Creio que idealiza de mais, que espera de mais, creio que mostra de mais o quão vulnerável é. Mas não sei.

Falei-lhe nisto, de escrever sobre ela. Entusiasmou-se. Como sempre, dá-se toda. Contar-me-á tudo. Eu é que hesito. E se falho? E se sou crua de mais? E se ela, depois, não gostar de ser ver retratada? 

No fundo, no fundo, a verdade é que gostava mesmo de poder ajudá-la, gostava que a minha amiga fosse feliz, se sentisse realizada. 

E temo que, pôr-me a escrever sobre ela -- ainda por cima um livro que pode nem chegar a ver a luz do dia -- não ajude, pelo contrário, possa desajudar.

Hesito, pois. Ganho tempo. Talvez queira ganhar distanciamento. Talvez precise de me mover para um plano de abstração em que não seja sobre ela que falo mas, sim, sobre alguém inventado a partir da amizade que sinto por ela.

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Desejo-vos um bom dia

Saúde. Afecto. Paz.

2 comentários:

  1. o tempo da dúvida, é o tempo da espera.
    desligue a "mente". a "luz" virá.

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  2. Cara Lena,

    Sábias palavras. Iluminaram-me. A sério.

    Muito obrigada.

    Dias felizes.

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