É o caminho inexorável da vida.
Estava doente. Foi encontrada morta em casa.
Mas a sua voz, os duetos com o bad boy Serge Gainsbourg, sobreviver-lhe-ão.
No grupo dos meus antigos colegas de liceu está a fotografia de grande parte de nós, o que éramos na altura e o que somos agora, quase um pouco como a fotografia de Jane, antes e depois. A muitos eu não reconheceria se não visse a fotografia da altura e, muitos, só mesmo com o nome, pois a minha memória tinha apagado alguns rostos.
Quando vejo estas fotografias emociono-me sempre. Fazem-me lembrar aqueles filmes sobre pessoas de verdade em que, no fim, aparecem as fotografias reais das pessoas, dizendo que idade têm agora e o que fazem ou onde vivem.
Fez-me também muita impressão saber que alguns dessa altura já morreram. Fico sempre um bocado sem acção quando o sei. Tenho vontade de saber de que foi que morreram, como se isso adiantasse alguma coisa. Contenho-me, não pergunto. Mas fico com essa dúvida a roer-me, como se não pudesse aceitar o facto sem conhecer as razões da morte.
Uma das que morreu foi uma que, creio, namorou o meu marido. Ele nunca se confessou, não sei porquê. Aliás, recusa-se, ainda hoje, a falar dos namoros ou affairs que teve. Desta sei pois ela contava-me, falava-me dele. Lembro-me de estar a falar comigo e depois despedir-se à pressa porque tinha combinado ir com ele à Feira do Livro. Lembro-me de a ver com um saco com compras, coisas de comida, porque ia fazer jantar, ele ia jantar lá a casa. Vivia sozinha num apartamento. Lembro-me do que ela, enlevada, me dizia dele, que era assim, assado e cozido. E eu, dizendo-me ela que ele era um gato, uma brasa, um borracho e mais não sei o quê, logo conclui que devia ser aquele que eu achava o máximo. E era mesmo.
Não me incomodava nada saber que ele tinha um caso com ela até porque eu também namorava com outro. Tinha, com muita clareza, a certeza de que o nosso tempo, o meu e o dele, haveria de chegar. E chegou.
Quando comecei a namorar com ele, falei-lhe nela. Mostrei-me admirada. Via-o sempre rodeado de raparigas, lembro-me de o ver de braço ao peito e umas sentadas ao colo dele e outras a escreverem-lhe dedicatórias no gesso, e, no entanto, pelos vistos, tinha namorado com aquela minha colega de liceu que eu achava muito simpática mas pouco bonita e que, ainda por cima, tinha as mãos sempre frias. Ele não ligou nada a isso, limitou-se a dizer que ela tinha um corpo fantástico. Nunca eu lhe tinha reparado no corpo.
Fez-me muita impressão quando soube que morreu. Lembrei-me logo das mãos frias.
No outro dia, vi uma fotografia em que estava um grupo dos mais boémios. Eram giraços, cabelos meio compridos, ar de bon vivants, volta e meia faltavam às aulas, fumavam, iam jogar snooker, eram uns bad boys. Agora são uns homens grisalhos, outros sem cabelo. Mantêm-se bonitos mas eu, se os visse, jamais pensaria que eram eles. E fiquei a saber que um que era dos mais terríveis, um que, numa das fotografias, aparece com um cigarro ao canto da boca, sorriso malicioso, sentado com as pernas completamente abertas, uma rosa numa das mãos, já morreu. Fiquei bloqueada. Parece que não pode ser. Não bate certo.
Agora soube que um desse grupo, um dos mal comportados, para mim o pior dos piores, um por quem a minha melhor amiga da altura incompreensivelmente se apaixonou perdidamente e com quem se casou, num casamento que foi sol de pouca dura, também morreu. Fiquei a lembrar-me dele todo gingão, todo gozão, todo convencido e mal comportado. Tinha a vida toda nas suas mãos. E afinal já morreu.
Outro, já aqui o referi, lembrei-me dele numa história que escrevi, tornei-o personagem, e sem saber porquê, escrevi que ele tinha morrido. E, afinal, morreu mesmo. Fiquei muito incomodada e o meu marido também.
Claro que a larga maioria está viva, bolas, mas, na minha cabeça, seria natural que, sendo meus colegas, gente da minha idade, ainda estivessem todos vivos.
Enfim. É o que é. É a vida. Uns morrem, outros envelhecem.
Mas o curioso é que a 'malta' mantém o espírito folgazão e até adolescente de então.
Quando entrei para a faculdade senti muito a falta dos meus amigos divertidos, descontraídos, tudo gente que gostava de passear, ir à praia, ir ao cinema, dançar. Na faculdade era tudo gente ensimesmada. Custou até que conseguisse descortinar outros que gostassem de alinhar numa vida agradável. Curiosamente, uma dessas que me salvou daquele cinzentismo tinha sido minha colega de liceu, embora de outra turma. Mas trazia aquela leveza e gosto pelo bom humor que me são fundamentais. E continua assim, tal e qual, brincalhona.
Mas, pronto, já chega de conversa. Hoje estou completamente pedrada de sono e, pelos vistos, isso está a dar-me para o sentimento.
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O seu texto acaba de despertar aquela nostalgia amarga e doce que nos assalta sobre a duração da vida, e o que vivemos bem ou mal uns e outros.
ResponderEliminarGostaria de ler o seu livro.
A. Gama Vieira
UJM
ResponderEliminarReviravolta em Espanha. O PSOE que tem estado abaixo nas sondagens, nesta sondagem de ultima hora está com vantagem de 1,5% sobre o PP. Lembram-se o que aconteceu nas ultimas eleições em Portugal quando toda a gente dava vitoria á direita e o PS ganhou maioria absoluta?
Há em Espanha um grande medo de coligação entre o PP e extrema -direita. Por cá, aconteceu o mesmo.
UJM
ResponderEliminarA imprensa toda cá do burgo, disse que o líder do PSOE levou banho do líder do PP. Afinal, o PSOE subiu nas intenções de voto nesta ultima sondagem feita depois do debate. A direita bem tenta, mas os figos amargam a boca.
Ora aqui está um belo exemplo para demonstrar por que motivo ccastanho, a lapa, é uma lapa: porque se cola ao blogue como uma lapa a um rochedo. O que têm tais comentários que ver com o assunto do post? Rigorosamente nada. Ora, se os comentários nada têm que ver o assunto do post, é como se dissessem: "Nada do que a senhora está a dizer é interessante, logo vou comentar outra coisa qualquer." ccastanho, a lapa, é, fica assim demonstrado, uma lapa. Uma lapa que escreve com erros ortográficos, de sintaxe e de pontuação. Ademais, o vocabulário é paupérrimo. Sendo ccastanho, a lapa, o mais irrelevante dos comentadores que aqui pousam, não deixa de ser admirável a paciência com que UJM, estimável autora, o atura sem o pontapear daqui para fora. QED.
ResponderEliminarCaro A. Vieira,
ResponderEliminarMuito obrigada.
(Não sei se, caso um dia consiga publicar algum livro, terei coragem para o publicitar aqui... Sou mais desinibida a comprar do que a vender...)
Mas agradeço o incentivo.
Abraço.
Caro Ccastanho,
ResponderEliminarTenho andado um bocado a leste. Praticamente não tenho visto televisão e, das notícias, ando, de raspão, a ver se o mundo ainda está onde o deixei no dia anterior...
Seria bom que os Foxes desta vida e o outro senhor, que, segundo parece, ou se engana muito ou é muito mentiroso, não levem a melhor.
Espero que as suas costelas já estejam praticamente bem!
Olá Anónim@,
ResponderEliminarNão seja implicante...
Agora que até vem aí o Papa porque é que não tenta exercitar um pouco a sua tolerância?
Peace and love.
E tenha um dia feliz.
UJM.
ResponderEliminarMuito obrigado.
Bom trabalho no romance.