quinta-feira, junho 22, 2023

O Titan.
E as embarcações sem nome.

 

Hesitei. 

Hesitei até em falar aqui em casa. O meu marido disse-me que também já o tinha pensado mas que não falou pois temia que o seu pensamento fosse populista.

Também eu. Penso e quase me censuro por pensar.

Mas penso.

E, por isso, com vossa licença, vou dizer.

Mas, primeiro, quero que se saiba que gostava que as cinco pessoas que estão no Titan sobrevivessem. Claro que sim. Que não subsista dúvida sobre isso.

Mas espanta-me a desproporção de atenção, de esforço, de meios postos à disposição (de investimento, em suma) que o tema está a merecer.

As nossas televisões, então, andam desvairadas. Não deve haver comandante e marinheiro de submarino que não tenha sido convidado para dar palpite. Quantas horas de oxigénio? Já piraram os cinco? Já estão mortos? Os entrevistadores salivando perante o cheiro a desgraça.

Contudo, repare-se: parece que o mini-submarino não estava certificado, que tinha diversos problemas técnicos (para além de desconfortável) e que o método de descida não foi devidamente monitorizado. Li também que cada pessoa pagou cerca de duzentos e cinquenta mil euros. Ou seja, segundo me parece, é daquelas excentricidades ao alcance de quem não sabe o que fazer ao dinheiro e resolve fazer coisas malucas.

Em contrapartida, não vejo reportagens próximas, não vejo comentadores, não vejo investimentos de alta monta e proporcional para salvar as centenas de pobres desgraçados que correm riscos enormes para, em embarcações precárias, atravessarem os mares -- não por excentricidade mas por sobrevivência, tentando chegar onde possam viver sem guerra, sem pobreza extrema, com casa, com água, com trabalho.

O fundo de alguns mares está pejado de cadáveres de gente miserável, de crianças, de gente que empenhou rendimentos futuros, que suporta a fome, a sede, o desconforto total, o medo, o risco de morte, o risco de ser recambiado para o local de onde vieram. 

Alguém vai ao fundo do mar para ver isso? Alguém acompanha aquela gente e vê como morrem pelo caminho e como reagem os que continuam vivos? Alguém acompanha os que chegam a terra, esfomeados, sedentos, e fogem e se escondem e tentam sobreviver num território estranho de que não conhecem a língua? Alguém acompanha os que, tendo passado por tudo o que passaram, são mandados de volta para a miséria e para a guerra da qual tinham tentado fugir?





E não digo mais pois isto perturba-me muito.

[Além disso, é um tema tão complexo que não pode ser visto sob a lente da emoção]

11 comentários:

  1. Quantos pobres sao precisos para fazer um rico?

    Cumprimentos

    Joao

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  2. Querida UJM, A procura por novas emoções torna o homem irracional não medindo as consequências dos seus actos e há sempre quem explora essas fraquezas. Desconhecem a sensação de ajudar o outro e a paz e a alegria que isso lhes daria. Enfim...

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  3. Coitada da Senhora UJM, tão pesarosa que ela está hoje! E que tal fretar um barquito e juntar-se à Metsola e aos anti Putin e ir ao parlamento, sito sobre as águas do Mediterrâneo, e dizer àquela gente que foge dos seus países para o Eldorado ocidental (dos celebérrimos valores ocidentais) que a culpa do seu desgraçado infortúnio é da Rússia, do facínora Vladimir (valha-nos ser o único) e do PCP, esse miserável partido que não quer armas para Ucrânia, tal como o Papa e muita outra gente assisada, e que por isso impedem a contraofensiva e a vitória sobre a maior potência nuclear ora existente? Depois, passem os Dardanelos, metam pelo Mar Negro e vão ao Kremlin degolar o horrendo e proclamar a democracia na Rússia. Cuidado com os fantasmas de Rasputine e de Alexandra Feodorovna. Desejo-lhe muito boa sorte, Senhora UJM.

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  4. Como ando afastada de casa ando a segui-la por tlm e os meus comentários saíram como anónimo
    Sou Pôr do sol e fico incrédula com alguns comentários feitos . Só posso lamentar que haja mentalidades assim e aprecio as suas respostas.

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  5. No Titan seguiam dois paquistaneses. Ao contrário de milhares deles que morreram no mar fugindo à pobreza, estes dois morreram fugindo da sua riqueza.

    O mundo está deveras diferente, Ainda há poucos anos havia partidos a digladiarem-se para os outros verem quem melhor defendia os trabalhadores. Agora ignoram esses trabalhadores. Só manifestam apoio a partir de um certo nível social. És professor? O partido está contigo, amigo. Andas nos bivalves ou na apanha da fruta, és explorado e mal pago? Azar, não te podemos ajudar.

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  6. Olá UJM.
    Um grande aplauso para este seu texto. É isso mesmo que também penso.
    Tive hoje preparado um texto, bastante mais pequeno e de menor qualidade, mas com o mesmo sentido, que não publiquei porque entretanto soube-se o desfecho da "aventura".
    Mas nem por isso deixa de fazer muito sentido tudo o que escreveu.
    Abraço e BFS

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  7. João,

    Na mouche.

    Usei essa referência no post que agora acabei de escrever.

    Obrigada.

    Uma boa sexta-feira!

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  8. Olá Querida Pôr do Sol,

    Muito obrigada pelo seu comentário. é verdade. Há uma certa loucura na procura de emoções extremas e, ao mesmo tempo, no alheamento da miséria dos muito desgraçados.

    E, perante a desgraça, infelizmente, há sempre quem aproveite para dizer disparates e para mostrar a sua maldade. Não sei bem qual o futuro do planeta e dos homens com gente com mentalidade tão distorcida.

    Dias felizes, querida Sol Nascente.

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  9. Caro Segismundo,

    O seu comentário não merece resposta.

    Passe bem.

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  10. Caro Anónim@

    O seu comentário merece todo o meu apoio e é um assunto que merece séria reflexão.

    É tema que deve ser desenvolvido pois é mesmo isso que disse.

    Muito obrigada.

    Uma boa sexta-feira.

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  11. Olá Corvo Negro,

    Muito obrigada.

    É um tema complicado e, tanto mais, quanto, como bem diz, agora sabemos como acabou.

    Um abraço.

    E uma boa sexta-feira!

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