Nas entrevistas de emprego há ainda quem tenha o costume de fazer uma pergunta muito parva: 'qual é o seu maior defeito?'
Claro que a malta que se prepara ou que já está batida nestes números já tem a resposta engatilhada e sai-se com um defeito que, vendo bem as coisas, até pode ser uma virtude. Um muito usual é o da teimosia em que as pessoas tendiam a descrevê-lo como se fosse sinónimo de determinação.
Felizmente tenho ideia que nunca ninguém se lembrou de me perguntar tal coisa. Tenho tantos defeitos que não saberia eleger o pior. Claro que responderia de forma honesta e não trabalhada. Mas, a sério, não saberia mesmo o que dizer. Só se fosse, talvez, padecer de uma grande e indisfarçável impaciência perante gente burra. Este reconheço como um grande defeito pois, volta e meia, traz-me alguns constrangimentos, especialmente, porque é um defeito pouco discreto.
No entanto, a propósito do tal defeito que toda a gente não se importa de confessar, tenho que reconhecer que também sou teimosa. Mas é uma teimosia que não sei se é teimosia ou se é mesmo determinação. Por isso, não acho que a minha teimosia seja defeito. Mas não o digo com absoluta convicção.
Vou dar um exemplo para explicar.
Já aqui contei que o computador que usava foi à vida. Por isso, tenho andado a tentar recuperar o que posso mas, ao mesmo tempo, aproveitando para limpar inutilidades. E também já contei aquilo das disquettes e dos ficheiros em formatos ilegíveis. Mas agora vou falar num caso concreto.
Há mil anos já eu me punha, noite adentro, a escrever. Eram os meus filhos pequenos quando me deu para escrever um livro. Mas essa era uma altura em que, entre ocupar-me deles e trabalhar, pouco tempo me sobrava. Portanto, deixei que acabasse o programa de escrita que usava e deixei que acabassem as disquettes. E, ao longo de todos os anos, sempre dei o trabalho por perdido.
Mas nada que me tenha assustado. Ao longo de dias, horas a fio, revi o texto, puxei pela cabeça, resolvi as charadas. Até que, tendo conseguido perceber o que ali estava, cheguei à conclusão que aquilo era apenas meio livro. Fiquei passada. Tanto trabalho para afinal ser apenas metade...? Fiquei mesmo desconsolada.
Então, uma noite, a meio da noite, lembrei-me de uma coisa (não sei como me lembrei mas lembrei-me). Naquela longínqua altura, imprimi o texto para melhor o rever e corrigir. E, ao longo de toda a vida em que mudei de empresa e de instalações, transportei meia dúzia de tarecos, nada mais que meia dúzia de tarecos desimportantes, entre os quais o dossier com essas folhas, um dossier azul berrante. E, pelo meio, mudei de casa e, por fim, deixei de trabalhar. Portanto, ao acordar a meio da noite, ocorreu-me que, se encontrasse esse dossier, talvez conseguisse melhor recuperar o desgraçado do 'livro'. Puxei e puxei pela cabeça e não me lembrava. Temi que tivesse ido para o lixo, que lhe tivesse perdido o rumo, ou, na melhor das hipóteses, que estivesse nalgum dos caixotes que ainda está na garagem à espera de melhores dias.
Portanto, enchi-me de esperança. A partir dali daria para reconstituir. Só seria preciso 'dactilografar' as páginas que faltam no ficheiro janado que já emendei.
Olhei e pensei que nunca mais. Lembrei-me então de pedir ajuda ao meu marido. Eu dactilografo umas e ele outras, eu muito mais que ele pois sou muito mais rápida que ele.
Podem imaginar... protestou, protestou, protestou. Mas quando me viu, sozinha, atirada a tão ingrata tarefa resolveu fazer essa caridade. Agradecida, dei-lhe uma dúzia de folhas.
Pois bem. Ao fim de um bocado disse-me que é um trabalho estúpido porque aquilo não vale nada. Uma história banal, muito palavroso. Uma xaropada.
Fiquei um bocado desmoralizada. Tanta trabalheira para recuperar... uma porcaria...?
Mas não desisto. É como se fosse uma prova de respeito por aquela que fui escrevendo até de madrugada, depois de tratar dos meus filhos, de pô-los a adormecer, e antes de me levantar cedo para ir trabalhar para outro dia repleto de canseiras.
E penso que, depois de ter o texto inteiro, poderei revê-lo, eliminar adjectivações desnecessárias, limpá-lo de advérbios de modo sem os quais as ideias possam passar bem, dar um jeito.
Portanto, não sei se é teimosia, se é determinação ou se é, simplesmente, maluquice mas, caraças, hei-de voltar a ter o meu 'livro' de volta. Depois logo vejo o que fazer com ele.
Entretanto, ando a coser as pontas, os rasgões, a aplicar remendos, num trabalho de paciência e teimosia que não sei onde vai desaguar mas que, até lá, me ocupa os dias e os neurónios.
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As pinturas são da autoria de Mimi Parent, pintora surrealista e acompanham Batzorig Vaanchig que canta os guturais cantares mongóis com a sua filha
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Desejo-vos um bom sábado
Saúde. Paciência. Paz.
Que maravilha!
ResponderEliminarAdorei que tivesse encontrado o seu livro. Seja ele mau ou bom, depende do ponto de vista de quem analisa, é trabalho seu feito com determinação.
Os meus dizem que o meu maior defeito é a teimosia. Chamo-lhe persistência, e nunca me arrependo quer de tentar encontrar algo, ou fazer alguma coisa por muito dificil que seja. Tambem pode ser uma virtude, a minha avó dizia que quem procura acha, assim como quem pendura tem. Estes e outros ensinamentos vieram fazendo caminho.
Um beijinho, bom fim de semana e força para continuar.
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ResponderEliminarOlá UJM
ResponderEliminarCreio que teve uma "trabalhera" desnecessária. Veja texto abaixo.
Abraço e um bfs
Para começar, você precisa de um scanner para transformar sua nota manuscrita em um documento PDF. Em seguida, adicione o PDF digitalizado ao Google Drive, selecione o arquivo e clique em Abrir com > Google Docs. Isso transformará a caligrafia em texto editável.
Olá Querida Pôr do Sol,
ResponderEliminarUma canseira mesmo. E eu, ao 'dactilografar' também acho que hoje já não escreveria assim. O meu marido diz que eu reescreva logo directamente. Mas isso não consigo pois para escrever, criativamente falando, tenho que estar mergulhada no clima. Ora quando estou a transcrever as páginas estou numa tarefa mais administrativa, digamos assim.
Mas por teimosia (ou persistência, lá está), vou continuando neste labor. Tenho esperança que esta história ainda veja a luz do dia.
Gostei desses ditados populares, tão cheios de sabedoria.
Beijinho, Sol Nascente. Um bom domingo!
Olá Corvo e Anónimo,
ResponderEliminarJá experimentei mas sai tão desformatado, com tantas omissões que penso que ainda teria mais trabalho, ou, pelo menos, seria mais cansativo, do que reescrever as folhas. Como algumas estão coladas, a tinta passou. Outras folhas têm rasuras, riscos, palavras novas (a lápis).
E ditar, então, penso que me cansaria mais.
De qualquer forma já faltou mais. Creio que mais uns dois dias e sou capaz de ter tudo transcrito. Depois começa o trabalho de edição...
A vitória é difícil mas é nossa (nossa não sei de quem mas, enfim, cá estarei para festejar!).
Obrigada de qualquer maneira.
Um abraço.
E um bom domingo.