terça-feira, fevereiro 21, 2023

Alô, alô António Costa!
Ainda sobre o tema da habitação aceite, por favor, algumas sugestões

 

Continuo intrigada com o que foi anunciado para resolver o problema da Habitação. Ouço falar em soluções mas, tirando generalidades, ainda não ouvi ou li uma cabal caracterização do problema.

Talvez por deformação académica e profissional, antes de resolver qualquer coisa ou de apreciar uma solução que me seja apresentada, sempre precisei de conhecer o problema.

Para mim, conhecer o problema é ter um enunciado muito objectivo. 

E, antes de ter o enunciado, preciso de conhecer a definição de conceitos.

Por exemplo, o que se entende por casa devoluta? Não é certamente sinónimo de casa vazia, conforme definição da inexperiente ministra,

E aqui exponho numa dúvida. Uma casa que esteja arrendada 'clandestinamente', isto é, sem contrato declarado nas Finanças, em que o senhorio não paga impostos sobre as rendas, é classificada como? Não estará como devoluta? Provavelmente, quando foi o Censos, o senhorio declarou-a como não habitada.

Seja como for, uma ideia que tenho a partir de inúmeros casos de que ouço falar é que grande parte dos arrendamentos são feitos pela porta do cavalo. Ora, enquanto isto acontecer não é possível ter nem uma pálida ideia do que é o mercado do arrendamento em Portugal. E, se não é possível conhecê-lo, então de que é que estamos a falar?

Em meu entender, esta deveria ser uma das frentes de combate: conseguir que todos os arrendamentos sejam regulados por contratos legais, declarados nas Finanças. Defende os inquilinos, defende os senhorios, permite uma visão correcta dos factos e, parecendo que não, potencia a receita fiscal.

Para isso, parece-me que um medida muito inteligente e eficiente seria passar a taxar todos os contratos com duração maior ou igual a 1 ano com uma taxa máxima de IRS de 10%. 

Não vale a pena complicar e arranjar vários escalões para os quais se arranjará sempre subterfúgios nem vale a pena querer taxas que são uma tentação para que se fuja delas. 

Taxas de 28% (25% que sejam), ou 20% ou mesmo 15% são um convite a que  troca se faça em contado, de mão em mão, toma lá, dá cá... e taxa de IRS bola, zero, népias. 

Quanto muito, para contratos com duração efectiva superior a 10 anos, que se baixe para 5%.  Tirando isso, 10% para todos os outros e não se fala mais nisso.

Penso que com uma taxa simples e acessível os senhorios sentir-se-iam tentados a entrar na legalidade.

Ao mesmo tempo, deveria haver uma campanha junto dos inquilinos no sentido de exigirem contratos 'legais', passando a não abdicar de recibo oficial. Claro que muitos desses senhorios dirão que, se for com recibo, será mais caro. Mas se a taxa de IRS que pagassem não fosse superior a 10% e se os inquilinos, ao declararem as rendas, também tivessem algum benefício fiscal, certamente que a estatística de casas arrendadas subiria em flecha e o saldo fiscal seria favorável ao Estado.

E isto, esta limpeza, deveria ser uma das primeiras medidas. É estrutural e independente de tudo o resto.

Passo, então, ao que penso que deveria ser a caracterização do problema da Habitação.

Qualquer coisa como isto, por exemplo: 

  • Em cada concelho (ou distrito, caso não seja possível dispor de dados por concelho), de quantas casas há falta e de que tipologia. 
  • Qual o intervalo de valores que os que precisam podem pagar.
  • Quantas casas, nessa região (concelho ou distrito) há devolutas
  • Qual seria o valor de mercado razoável para arrendamento dessas casas

Claro que não é possível obter números exactos para estas questões. Mas pelo menos deve ser possível dispor-se de números aproximados.

Estou em crer que em grande parte dos nossos concelhos ou não há problema ou é marginal. Não vale a pena estar a lançar a confusão em locais em que se vive na paz dos deuses. 

Em contrapartida, nos grandes centros urbanos em que provavelmente existe uma forte procura de casas de tipo T1 (a ser verdade que o problema maior se prende com os jovens), pode acontecer que não existam assim tantas desse tipo vazias. Ou se o máximo que uma parte das pessoas que precisa de casa consegue pagar for 300 ou 400€ ou mesmo 500€ por mês, então a solução para esses casos não pode passar por querer que os senhorios (directamente ou através do Estado) percam dinheiro pois certamente se vendessem essas casas e pusessem o dinheiro em Certificados de Aforro teriam um rendimento anual superior. 

As soluções têm que ser encontradas para problemas concretos e calibradas dentro do que é justo, equilibrado e socialmente aceite. Generalidades e abstrações só servem para alimentar falatório, não servem para resolver coisa alguma.

Se calhar, o Governo inabilmente provocou todo este burburinho quando o assunto ainda precisa de ser melhor estudado, sobretudo estudado com os pés na terra.

O caso dos imigrantes que, pelo menos nos seus primeiros tempos, não têm de certeza dinheiro para pagar habitação a preço de mercado é outro caso complicado. A solução que eles próprios encontram é a de se amontoarem em quartos clandestinos. Tudo ali é clandestino. Ora, a bem da segurança, da decência e da dignidade, há que ter mão dura para quem se aproveita da desgraça dos outros.

Aqui o tema é outro: é o das medidas à integração. O País precisa de imigrantes e acolhê-los e fixá-los deve ser uma prioridade nacional (até como medida a favor de uma saudável demografia). 

Deve haver quem tenha estudado estes temas. Eu não. 

Mas sei que, também aqui, o problema não se resolve pelo confisco de utilização a proprietários. Apartamentos nas Avenidas Novas, por exemplo, não resolvem a falta de habitação para as centenas de imigrantes que vivem ao monte em quartos insalubres na zona de Anjos ou Arroios. Aí provavelmente terão que ser mosteiros, quartéis, antigos edifícios fabris ou de escritórios ou outras instalações do género transformadas pelo Estado em Residenciais condignas. 

E, para já, é isto. Há muito a fazer. Mas, Caro António Costa, é mesmo preciso começar pelos alicerces, pelas bases.

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[Imagens da Tate Baby House]

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Desejo-vos um bom dia

Saúde. Cabeça no lugar e pés na terra. Paz.

5 comentários:

  1. Cara UJM

    Uma coisa sabemos todos. Habitação nas grandes cidades, é um bem inacessível, para jovens, famílias monoparentais, famílias que por esta ou aquela razão, o salario reduziu ou por mudança de emprego, ou desemprego, ou tantas outras razões, todas esta pessoas. que viviam em Lisboa ou Porto uma vez saídas para a periferia, nunca mais na sua vida, voltam para a capital ou outra cidade grande.

    Viver em Lisboa hoje, só com ordenados líquidos de 2000 € cada elemento do cônjuge, abaixo destes valores, mais cedo que tarde, têm passagem garantida para a outra margem, ou periferias a 100 e tal kms do emprego com todos os problemas de custos acrescidos de transportes, custos escolares para filhos etc. etc. etc.

    Habitação hoje em lisboa só para classe média alta, ou quem tenha muito dinheiro para alugar apartamento. Portanto, a tarefa do governo é enorme em municiar habitação para o primeiro emprego e famílias de classe média e média baixa. Em tempo de guerra não se limpam armas, e só perde quem tem, isto é: quem tenha património capaz de contratualizar sem perdas de lucro evidentemente, e assim contribuir para questão habitacional.

    Agora, como se faz tudo isto, o bom censo vai naturalmente acontecer não para resolver a totalidade, mas, para diminuir o drama que se vive.





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  2. Olá Ccastanho.

    Penso que quem tem conhecimentos ou ideias ou sugestões deve partilhar e o Governo, com humildade, deve ouvir.

    Os preços em Lisboa estão impossíveis, escandalosos. Comprar ou arrendar casa mesmo em Lisboa não está, como muito bem diz, ao alcance dos jovens em início de carreira ou de quem não tenha bons ordenados. Também não sei se há tanta classe média alta que consiga comprar apartamentos da ordem das muitas centenas de milhares de euros quando não passando o milhão. Por vezes não percebo. Estrangeiros? Tantos a comprar casa em Lisboa...? Não sei. Não sei se não há uma bolha especulativa que um dia destes rebenta. Com as taxas de juro como estão, é tudo malta com todo esse dinheiro disponível?

    Enfim. Há que dimensionar, caracterizar e depois equacionar e pôr em prática. E é preciso bom senso, claro, tem toda a razão.

    Uma boa quarta-feira!

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  3. UJM,

    Para algumas coisas que refere existem dados e levantamentos: sobretudo para as populações mais vulneráveis (pesquisar 1o direito e estratégias locais de habilitação). O problema é que nem para isso há dinheiro... Ou o que há perde-se na burocracia.

    Mas antes dessa realidade dos arrendamentos ilegais (que já foi muito pior e tem vindo a diminuir) até é fácil... Basta meios de investigação criminal. As casas devolutas não são só identificadas nos censos. Os consumos de água e electricidade permitem fazer o mesmo (tanto que os municípios e a autoridade tributária o faz para efeitos de IMI).
    Agora, o que ninguém fala é na transparência do mercado. Já reparou como com tanta tecnologia é extremamente difícil ter dados das transações? Preço, características e localização das casas? Porque será? Porque não é está informação totalmente pública e de acesso livre? Afinal o pressuposto da eficiência do mercado não é a informação perfeita sobre os produtos a transacionar? Será que o facto de várias pessoas e empresas terem nas assimetrias de informação o seu maná dos deuses para roubar o "consumidor" legalmente? Nisso nem o fogo de artifício de medidas aborda...
    Entretanto a malta fica entretida e indignada com uma suposta ideia de "arrendamento forçado" que, ainda que legítima, é óbvio que foi lançada só para entreter.

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  4. Olá

    De acordo. Há meios para lá chegar mas é sempre passível de engano. Às tantas pode criar-se um Estado inquisidor, intrusivo, que anda a ver quanto cada um consome ou não consome, ou então fomentando vizinhanças delatoras.

    Preferiria uma abordagem mais pela positiva. Penso que numa sociedade civilizada as pessoas tenderão a ser naturalmente cumpridoras. Mas para isso têm que acreditar que o Estado é 'gente' de bem -- que dá bom uso aos seus próprios edifícios, que não dá emprego a amigos dos amigos dos correligionários, que não 'rouba' através de impostos que são tão altos que, sendo fácil fugir, são um convite à fuga.

    Por vezes, penso que a nossa democracia ainda é recente pois parece que grande parte da sociedade (alguns governantes incluídos) ainda compactua com o incumprimento.

    Obrigada pela sua reflexão.

    Uma boa semana!

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