Não é por mais nada, é mesmo só por hábito. Da mesma maneira que não me acostumo a tratar por tu a maior parte das pessoas nem me sinto confortável quando pessoas com quem não tenho grande confiança me tratam por tu, também não me dá jeito usar palavrões na minha conversação corrente. Nem sequer me dá jeito usar palavras como gajo. Posso dizer 'aquele fulano' mas não consigo dizer 'aquele gajo'. Não me soa bem dito por mim. O meu marido, sim, vernaculiza a torto e a direito mas, que querem?, não me contagia.
Palavrão posso dizer às vezes, mas em privado. Melhor: em privadíssimo. Mas, ainda assim apenas alguns dos mais banais, commodities por assim dizer. Não consigo introduzir os mais pesados, os mais cabeludos. Por exemplo, há uma palavra que não consigo mesmo dizer. Arranhar-me-ia por dentro. No pun intended. Ou, daí, talvez sim, quem sabe.
No entanto, não fico chocada quando converso com alguém que os diz com a maior descontração.
Ainda me lembro de uma vez, quando a minha cunhada -- lisboeta de gema, das melhores zonas de Lisboa mas com língua de peixeira do Bolhão -- estava a lanchar em casa da minha mãe e se sai com um trepidante 'c---s ma f...m' que deixou a minha mãe de boca aberta e olhos arregalados, aflita não fosse algum miúdo ouvir. Ou não fosse o meu pai ouvir e ficar chocado. É ainda mais célebre o episódio de quando deu à luz o meu primeiro sobrinho, tal como nos meus partos sem epidural e, tal como com os meus, tirado a ferros, em vez de lhe dar para gemer ou para ganir, quiçá até mesmo para gritar, desatou a vociferar, com quanta voz tinha, palavrão do piorio, um atrás do outro, levando a que as enfermeiras do piso lá tenham ido pedir decoro que ninguém mais conseguia suportar tamanho desfiar de obscenidades.
Ou aquela minha colega de faculdade e depois de escola, quando ambas éramos professoras, que, quando íamos no autocarro para dar aulas, falava muito alto, ainda por cima com um divertidíssimo sotaque alentejano cerrado. Toda ela era grande: alta, forte, gargalhada franca e ruidosa, voz altissonante. E era descarada, destravada, divertida. Passava a maior parte dos dias (e das noites) numa residência universitária masculina. A família convencida que ela vivia no apartamento alugado e ela na maior farra com a rapaziada. Divertia-se especialmente quando a mulher de um certo estudante ligava para falar com ele e era ela que atendia, deixando a pobre esposa em pulgas. Uma vez, no autocarro, o autocarro cheio, ia muito indignada com colegas nossas muito beatas, muito virgens, que ficavam muito chocadas quando ela falava de sexo oral. Eu fazia-lhe sinal para ela falar mais baixo pois haveria de dar estrilho duas professoras irem com conversas daquelas. Mas queria lá ela saber disso, falava à vontade onde quer que estivesse. E então sai-se com esta, bem sonora, que acho que já aqui contei (and pardon my french): 'Todas muito santas... Nunca ninguém faz bro..es... Mas a verdade é que eles aparecem feitos.'. O que me ri. E nem olhei em redor para não ver a cara das pessoas. O que vale é que saímos na paragem seguinte.
E se por vezes o humor parece precisar de um palavrão para apimentar a prosa, a verdade é que, se no lugar dele, aparecer uma palavra imprevista ainda mais graça tem.
Ariano Suassuna conta algumas histórias bem divertidas em que parece que vai sair uma e, afinal, sai coisa melhor.
Olá,UJM. Já me ri com as suas histórias, ainda mais porque não consegui decifrar nenhum dos palavrões.
ResponderEliminarPessoalmente, acho mesmo muito feio usar palavras obscenas, não consigo usá-las, mas fui sempre assim. Felizmente aqui por casa é muito raro alguém usar.
Salvo uma empregada doméstica que aqui trabalhou até ao tempo da pandemia.Essa, sim, cada palavra, cada palavrão. Na família eram todos assim... Bom domingo .
Maria
Olá Maria!
ResponderEliminarA sério...? E eu com receio de estar a ser demasiado explícita...
No outro dia estávamos a caminhar por aqui à hora de almoço e passámos por um grupo de miúdos de bicicleta que deviam ter combinado encontrar-se ali. Comecei por ficar espantada, depois chocada, depois divertida: tanta asneira, tanta tanta. Em cada três palavras quatro eram palavrões. Deviam achar-se crescidos ou rebeldes por falarem assim...
Uma boa semana, Maria!
Querida Um Jeito Manso,
ResponderEliminarTambém não gosto nem uso palavrões, mas sempre que se fala de palavrões, lembro-me de uma colega, que nunca usava o saca agravos e que por vezes se picava ou feria mesmo. Ouvia-se logo CaCaCaCravos, rosas, malmequeres porriiiinhas e chiças. E lá ficava um documento "carimbado".
Quando ando pelo norte, ouço-os com pronuncia e tão naturalmente que acho graça.
Que tenha uma boa semana.
Um beijinho.
Olá Pôr do Sol,
ResponderEliminarE com as crianças...? A minha filha devia saber tantos palavrões como o irmão mas portava-se bem. O meu filho, pelo contrário, era um terror. Dizia palavrões. Era uma luta. Eu avisava-o que lhe punha pimenta na língua. E uma vez passei-me e achei que tinha que passar das palavras aos actos. Peguei nele e pus-lhe mesmo. O miúdo ficou numa aflição e eu num arrependimento. Fui a correr com ele pela mão para a casa de banho e lavei-lhe a língua, assustada, arrependida, arrependida.
Nunca mais o ouvi dizer palavrões. Presumo que os diga mas ao pé de mim deixou-se disso... (pudera, com uma mãe maluca...).
Um beijinho Sol Nascente!