segunda-feira, julho 25, 2022

Livros, músicas, poemas, pinturas, amores... pode haver uma preferência acima de todas as outras?

 


Estou numa fase da minha vida em que leio pouco. O tempo anda-me tão curto que não me reserva espaço para a leitura. Hoje de tarde, mal acabei de almoçar deu-me uma pancada de sono. Deitei-me no sofá e adormeci. Quando acordei, peguei num livro e fui para o jardim. Mas apeteceu-me estar na conversa em vez de estar isolada com o livro.

Contudo, o mundo dos livros continua a ser um mundo que me atrai. O mundo das palavras. Ler o que os outros escrevem. Encontrar a diferença nas palavras dos outros. Não é apenas a história, é também a maneira de cerzir as palavras. Não procuro coisas espectaculares, não procuro palavras desconhecidas, descrições surpreendentes. Não sei explicar bem o que procuro. Talvez a sinceridade, talvez a espontaneidade, a franqueza visceral. Talvez o acto do desnudamento com elegância, talvez a atenção aos pormenores, talvez o olhar inteligente sobre as coisas, sobre os outros. Talvez a forma primitiva e única de olhar para dentro de si próprio e para dentro dos outros e das coisas.

Rejeito em absoluto a banalidade. Não percebo o que leva alguém a escrever banalidades e muito menos percebo quem as consome.

E, no entanto, quantas vezes aqui escrevo eu banalidades...? Tantas, tantas...

Quando aqui escrevo, raramente sei sobre o que vou escrever. Escrevo o que, no momento de começar a escrever me ocorre. Pode ter a ver com o que acabei de ler ou de ouvir ou posso não ter nada para dizer e, por isso, escrevo sobre o que se passou nesse dia ou sobre alguma coisa que me ocorre. Outras vezes tenho vontade de escrever sobre algumas coisas mas prefiro não, deixo-as para mais tarde ou para outro contexto. Espanta-me que tenha sempre tantas visualizações, em média mais de duas mil e quinhentas por dia. Recebo mails de pessoas que se sentem próximas e querem conversar comigo mas, logicamente, desconheço a maioria dos que me leem. Acredito que, por vezes, os desaponto. Talvez, por vezes, pensem que, afinal, não me conhecem. Outras, se calhar, acreditam que me conhecem bem de mais.

E, no entanto, estou convencida que ninguém me conhece completamente. Há coisas que nunca verbalizo e que, estou em crer, fazem tanto parte da minha vida quanto as que exponho. Nem sei se saberia escrever sobre aspectos tão pessoais. E, no entanto, gosto de ler o que as pessoas são por dentro, como pensam, como é o seu passado, como interpretam a vida. Gosto de estar por dentro da sua intimidade. Posso não me sentir cúmplice mas, mesmo com algum distanciamento, gosto de ler as descrições das vivências, das dúvidas, dos desequilíbrios, das vulnerabilidades, das alegrias. Claro que se, por detrás (ou por dentro) das palavras, estiver alguém que tem um percurso cheio de momentos interessantes que possam ser partilhados, ou em estado puro ou reprocessados, tanto melhor.

Como já referi algumas vezes, alimento a secreta esperança de ainda vir a ter tempo, espaço e vontade de escrever mais a sério. Gosto muito de escrever. Mas gostava de ter tempo para reler, para burilar a escrita, para encontrar as ligações musicais que tornam a escrita mais próxima das emoções, ou para descer mais fundo na procura da verdade intrínseca. Gostava de ser capaz de escrever bem, pausadamente, pensadamente, não apenas à pressa, descuidadamente, superficialmente. Gostava de ser capaz de bordar com palavras e que o avesso ficasse tão perfeito quanto o direito. Gostava de conseguir encontrar o gume sobre o qual a escrita se equilibraria.

Talvez um dia. Talvez. 

Quando penso nos livros que mais me marcaram hesito. Um livro é lido diferentemente por quem o lê e nós próprios vamos mudando ao longo da nossa existência. O livro e a sua circunstância. 

Quando li A Selva fiquei fascinada. Teria talvez dezoito anos e o meu namorado da altura ofereceu-mo. Mas já antes tinha ficado fascinada com Liza, a pecadora. Aí teria uns quinze e trouxe-o da biblioteca do liceu. Ou com As sete partidas do mundo. Teria uns catorze e trouxe-o de uma amiga e vizinha cujo marido era médico e, na altura, estava em África. Ou, depois disso, com A Bastarda. Ou com A virgem e o cigano. Ou com Por quem os sinos dobram. Ou com O Arco do Triunfo. Ou com A montanha mágica. Ou com A insustentável leveza do ser. Ou com o Amor nos tempos de Cólera. Ou com o Ensaio sobre a Cegueira. Ou com Carne de cão. Ou com o Stoner. Ou com As oito montanhas

Com tantos fiquei fascinada, tantos, tantos. 

Se os relesse agora sentiria o mesmo? Ou o que na altura me pareceu novo, único, agora saber-me-ia a déjà-vu? Não sei, não arrisco a desilusão, prefiro mantê-los intocáveis na minha memória. Não os releio. 

E sou incapaz de dizer qual prefiro. Não coloco livros num pódio. Tal como com todos os amores. Aquilo que amamos e respeitamos não é sujeito a comparações.

Mas há quem tenha feito uma lista dos livros preferidos em todo o mundo. Não sei se resulta de uma pesquisa rigorosa mas, ainda assim, estive a espreitar.

Deixo o link, caso queiram verificar: Os Livros Favoritos do Mundo — lista completa em português


Supostamente em Portugal é o Memorial do Convento. 

Também não sei se o livro preferido de um país é sinónimo de o melhor livro publicado nesse país ou se o melhor livro escrito na língua desse país. Seja o que for. Nestas coisas, as estatísticas são o que são: uma abstração.

Ao lembrar-me de livros, reparo agora que falei apenas de livros em prosa. E, no entanto, sou também muito sensível a livros de poesia. Eugénio de Andrade, Sophia de Mello Breyner, Teresa Horta, Herberto Hélder, António Ramos Rosa, Pedro Támen. E tantos, tantos outros. E só estou a falar nos portugueses de Portugal.

E, no entanto, ao pensar em colocar aqui um poema lido é, uma vez mais, num poema que não é português e que nem sei dizer porque gosto tanto dele. Mas gosto. Já aqui o partilhei muitas vezes e frequentemente ando com ele a bailar-me na mente. Não sei porquê. Tal como ao escolher uma música para aqui se identificar comigo de uma forma muito próxima escolho uma vez mais a mesma que já aqui tantas vezes esteve. Ou ao escolher um pintor escolho aquele cuja obra é o mais despretensiosa possível, a simplicidade mais extrema, e que, apesar disso (ou talvez por isso), me toca quase comoventemente. 

É assim. São coisas que não se explicam. 




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Desejo-vos uma boa semana a começar já nesta segunda-feira
Saúde. Amor. Paz.

2 comentários:

  1. Italiano: Cesare Pavese: A lua e as Fogueiras, A Praia.
    .,
    PortuguÊs:A Cidade e as Serras, quando os lobos uivam de Aquilino Ribeiro.

    Madame Bovary de Flaubert

    A.Gama Vieira

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  2. Pois é... Tantos que não referi. E Alberto Moravia. E o Eça, claro! Mas também José Rodrigues Miguéis. Aquilino, claro, aquela escrita telúrica e intensa. E Agustina, de outro mundo. Flaubert, claro. E Tolstoi. E Dostoiévski. Não se pode fazer uma selecção pois acabamos por deixar de fora nomes que são presenças imprescindíveis na nossa vida.

    Obrigada!

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