sábado, julho 09, 2022

Carecas há muitos...
-- Post de resposta a um comentário da Janita --
[Leitura desaconselhada a homens cabeludos]

 

Muito cedo se percebeu que o jovem e garboso oficial de marinha estava a ver o seu cabelo enfraquecido. Quando tinha entrado ao serviço tinha o seu cabelo muito preto, ondulado, pela nuca. Não me lembro mas, quando foi incorporado, deve tê-lo cortado. Creio que manteve a barba. Podia ir ali ver as fotografias mas não me apetece, tenho quase a certeza que a manteve. 

Quando saía, usava geralmente boné (que lhe ficava a matar). Lá dentro, no quartel, devia usar outra coisa, creio que se chamava bivaque. Atribuíamos o enfraquecimento capilar a isso, a usar sempre qualquer coisa na cabeça, o cabelo não devia respirar bem.

Gostava tanto daquele cabelo que era com uma certa pena que olhava para o que se avizinhava.

Uma vez, num fim de semana, tínhamos lá em casa uns amigos, uma das quais médica. Lembrei-me de lhe perguntar se havia algum tratamento que travasse a queda ou o enfraquecimento capilar. E, então, ela explicou que pode ser genético, pode ser por vários motivos mas que o mais frequente tem a ver com hormonas. Mais concretamente, pode ter a ver com ter bastante testosterona. Explicou cientificamente. E, estudiosa como era, a explicação pareceu-me credível. 

Claro que fiquei contente. Não apenas tinha um homem todo giro como estava comprovado aquilo que eu estava farta de saber: testosterona era coisa de cuja falta não podia queixar-se. Claro está que me marimbei para todas as outras causas e me fixei na mais sexy.

Também já aqui contei que, uma vez, por causa disto cometi uma gaffe que me perseguiu durante anos. 

Era ao fim da tarde, num daqueles momentos em que trocávamos uns dedos de prosa para nos despedirmos dos afazeres do dia. Falava-se de tudo. Éramos amigos, éramos bem dispostos, éramos desinibidos. Eram tempos épicos. Às tantas, no meu gabinete, eles começaram a falar de um shampoo de que lhes tinham falado para fortalecer o cabelo e nitidamente estavam contentes por ainda terem boa cabeleira. E, então, impensadamente, saiu-me a explicação da minha amiga, que a quantidade de cabelo tinha geralmente a ver, na proporção inversa, com a quantidade de testosterona. Lembro-me de um, admirado com o que eu tinha dito, ter balbuciado: 'Testosterona...?'. E eu, sem perceber que o que eles estavam era encabulados, esclareci um bocado a medo, já percebendo que estava a deslizar para terrenos escorregadios: 'A hormona da virilidade...' E eles, embasbacados, sorriso amarelo, meio em silêncio. Devem ter pensado que, afinal, se calhar, pelo menos a meus olhos, não tinham assim tantas razões para se gabarem... Lembro-me que um deles fez de conta que ia bater com a cabeça na parede. Percebi imediatamente a minha gaffe. Ainda tentei disfarçar, falar na boa alimentação, noutras causas. Mas o disparate estava consumado.

Passado algum tempo, um colega contou-me que tinha ouvido a secretária a dizer a outra que a calvície resultava essencialmente de uma testosterona bem servida. A outra estava na dúvida. E a primeira tinha certificado a qualidade da informação, dizendo que tinha sido eu que o tinha dito, como se, portanto, fosse cientificamente inquestionável. O que ele ria ao contar isto. 

Ou seja, a coisa tinha-se espalhado. Hoje dir-se-ia que tinha viralizado.

Outra vez, numa reunião formal, com muita gente, um falou numa pessoa de uma certa empresa. Um outro não estava a ver quem era, pediu-lhe para descrever. O primeiro descreveu e, no meio da descrição, veio que era careca. Ao ouvir isso, um outro, do outro lado da mesa, exclamou: 'Ui... careca...? Aqui a doutora tem uma teoria sobre isso...'. Isto numa mesa cheia de homens. Fiquei passada. Os outros, a olharem para mim, à espera. E eu, entalada, sem ter como explicar aquilo ali, no meio de tanto cabeludo... Só visto. Ainda hoje me lembro dele com ar gozão, os outros todos à espera e eu sem saber como sair daquela.

Durante muito tempo, se eu falava de algum homem dizendo que tinha cabeleira farta, logo alguém fazia um ar malicioso, olhava para mim e dizia ou fazia um gesto com o polegar para baixo, significando que eu acharia que se trataria de alguém de fraca macheza.

E agora estou a escrever isto e a pensar que deveria era estar caladinha. Não sei da poda o suficiente para estar para aqui a botar faladura. Se calhar quem tem a testosterona a bombar terá mesmo uma certa queda para a ausência capilar. Mas se calhar também há casos em que a cabeleira é tão forte e de tão boa qualidade que bem pode a testosterona tentar estrangular os cabelos que eles não caem nem por mais uma. E também pode haver carecas que têm uma testosterona toda aguada, fraquinha, fraquinha, mas que padecem de outra coisa qualquer que lhes dá cabo do cabelo. Portanto, nada de foguetes antes de tempo nem desmoralizações precipitadas.

Mas isto para dizer que, quando digo que o meu marido é careca, não o faço por maldade. Faço-o pois é o que ele é. E eu gosto. 

Gosto mesmo. O pouco cabelo que tem, grisalho, usa-o quase completamente rapado e muitas vezes sou eu que o rapo. Usa barba, agora também grisalha. Tem uma cabeça bonita, bem desenhada, fica bastante bonito. Gosto bastante.

Aliás, não se costuma dizer que é dos carecas que elas gostam...?

Claro que há alguns cabeludos de que também gosto. Mas, se fizer uma estatística mental, tenho ideia de que estão em minoria.

Agora uma coisa tenho aqui que esclarecer: dos carecas eu gosto dos orgulhosamente carecas. Não posso com carecas de capachinho nem carecas de cabelinho repuxado dos lados e colado no topo, se calhar para fazer de conta que nasceu ali em cima. Ná. Isso nem pensar.

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Já agora, o charme de Malkovitch e de Patrick Stewart a dizerem poesia. E que bem que a cabeça lisa lhes vai com o tom de voz.


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Desejo-vos um sábado bom

Ar fresco. Muita água. Saúde e paz.

4 comentários:

  1. Olá UJM, adorei essa conversa dos carecas e dos cabeludos.
    O que eu me ri! Mas garanto-lhe que essa sua teoria da testosterona não é válida... E mais não digo, nem se o meu marido é careca ou não!
    Um bom fim de semana. Maria

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  2. Caríssima UJM.

    Isto de se escrever num blog sobre o nosso dia-a-dia e sobre os nossos entes queridos, mas sem lhes dar visibilidade, lembra-me um pouco os folhetins Radiofónicos em que ouvíamos as personagens e lhes dávamos o aspecto físico que a nossa imaginação recriava. Sim, porque o carácter e tudo o mais que tem valor, porém não se vê, já o narrador nos relatava minuciosamente.
    Quero com isto dizer que não tenho nada contra a beleza física dos carecas, obviamente. Agora se atribuí ao senhor seu marido um encanto todo especial que me encantava (e encanta), a culpa não é minha. Quem lhe mandou falar em águas passadas sem nos mostrar o 'antes' e o 'depois'? Ah, pois...!
    Devo salientar que se o seu amado usa barba grisalha, ah, então está livre a honra do seu Convento privativo.

    Desejo-vos toda a felicidade do mundo.
    Estime muito esse seu marido, algo me diz que é de uma paciência ilimitada...

    Abraços. :)

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  3. Olá Maria!

    Mas então o senhor seu marido é um daqueles casos em que é tudo em bom: é a testosterona e o cabelo que não vai abaixo nem por mais uma. E assim a Maria tem a sorte de poder fazer-lhe um cafuné como deve ser porque fazer um cafuné num careca é que não está com nada...

    Saúde e longa vida aos pombinhos. Vá de arrulhar...!

    Um bom domingo.

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  4. Olá Janita,

    De facto, ele queixa-se, diz que é precisa muita paciência... Mas eu também tenho que tê-la, já viu o que é ter que aturar uma vida inteira uma pessoa a dizer que tem que ter muita paciência...?

    Mas, enfim, acho que o segredo é que a gente não se leva muito a sério nem liga muito aos remoques um do outro.

    E bola para a frente que para a frente é que é caminho. E mais cabelo, menos cabelo, a coisa vai rolando.

    Um bom domingo, Janita.

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