quinta-feira, julho 07, 2022

Cão é melhor que Tinder

 



Volto ao tema do cão. Mas não mudem já de canal porque, desta vez, o tema não tem a ver com afecto e com o paraíso e todas essas músicas celestiais. Hoje a conversa é outra.

Ao fim do dia fomos passear a uma cidade perto. Já lá não íamos há algum tempo. Muito diferente. O que foi, em tempos, uma cidadezinha periférica e algo provinciana é agora um lugar modernizado, com vida de rua, com edifícios bem recuperados, sem ferirem a traça de origem e o ambiente intrínseco. Gostámos bastante.

Quando vi o nome da rua em que estávamos lembrei-me de em longínquos tempos, quase numa outra encarnação, lá ter tido uma reunião numa delegação da empresa na qual trabalhava na altura. Era um edifício com cachet, muito bonito. Anos mais tarde, fechou-se a delegação, pôs-se à venda o belo edifício. E, algum tempo depois disto, soube que uma prima tentou comprá-lo. Não conseguiu e tive pena. Com  a veia artística que tem teria feito daquele fantástico prédio uma casa maravilhosa.

Mas o tema hoje não tem a ver com arquitectura ou com turismo, tem a ver com o cão. É que, mais uma vez, constatei que um cão é um date enabler. Melhor que plataforma de encontros. Qual Tinder? É andar na rua com um cão pela trela que a coisa acontece. Mas funciona melhor para homens porque as mulheres são mais atrevidas. Quando ando a passear o cão não há homem que venha meter conversa comigo. Também não dou abertura. Mas é verdade: os homens são tímidos, têm medo de meter conversa não vá a mulher reagir à bruta. As mulheres não, as mulheres chegam-se à frente e lá vai disto. Até disse ao meu marido que, se um dia ficar divorciado ou viúvo, arranja candidatas a namoradas na própria semana. E ele confirmou.

Pois bem. Apenas para exemplificar. Estava eu a fotografar um arco que dava passagem para uma travessa com um candeeiro bonito na parede e vasinhos com sardinheiras bem floridas, quando vejo um carro parado, no meio da rua, ao pé do meu marido que trazia o urso cabeludo pela trela. Eram duas flausinas, por sinal duas benzocas. A que estava no lugar do pendura, estava meio de fora e a que conduzia debruçava-se toda para melhor ver o felpudo (ou para melhor ser vista pelo dono do felpudo, não sei). Perguntavam qual a raça dele (do cão, leia-se), diziam que bem lhes tinha parecido, davam-lhe os parabéns por ter um cão de raça portuguesa, diziam que gostavam muito de cães, uma dizia que tinha vários, dizia as raças. Em suma, derretiam-se com ele (e aqui não sei se o ele era o cão, se o dono do cão). Quando me aproximei e perceberam que eu fazia parte do agregado, uma delas, a do lugar do pendura, olhou para mim, ficou assim a modos que calada, diria que levemente atrapalhada, e vai daí saiu-se com uma muito bizarra: 'É francesa?'. Por aquela, saída do nada, é que eu não estava à espera. Presumo que devo ter feito daquelas caras que transmitem que, em situações assim, empatia não é coisa que me assista. Esclareci a minha nacionalidade, ela ficou a olhar para mim não sei com que ideia em mente, depois voltaram a dar os parabéns pelo cão tão lindo. E seguiram viagem.

Na altura que fomos buscar esta fera a um monte no alto alentejo e queríamos algumas informações, o meu marido ligou para uma associação. Queria saber como ter a certeza que o bicho era puro. Não que, em termos práticos, isso interessasse mas mais por curiosidade. Não sei se foi logo uma tal que o atendeu ou se quem o atendeu deu o contacto dessa tal. O que sei é que a dita lhe ligou umas duas vezes, super atenciosa, super conversadora, super simpática, conversava sobre a raça, contava episódios, já dizia para ele lá ir ter com ela, que lhe dava um outro cão. Sei lá, uma amizade em crescendo.

Quando vamos passear para a beira da praia, então, é um ver se te avias: meio mundo acha graça ao franjudo e, mal me distraio, já há alguma desminliguïda a mostrar-se enternecida com uma coisa tão fofa (referem-se, creio, ao cão). Ele não dá trela (e agora refiro-me ao dono do cão), que eu vejo, mas fica calado, talvez faça um meio sorriso, responde de forma minimalista às perguntas mas, bem sei, as mulheres gostam do género (e aqui, ao falar em gostar do género, não sei se gostam mais do cão ou do dono do cão).

O meu marido, já não sei se em resposta a estas situações, desculpou-se: 'Quem quis ter um cão foste tu'. Emendei: 'Fomos nós'. Ele insistiu: 'Tu mais que eu'. Não disse que não e precisei: 'O que eu quis foi um Serra de Aires. Aliás, sem saber porquê. Sem fazer a mínima ideia das características. Foi mais uma coisa de me apaixonar pelo aspecto exterior, à primeira vista'. E acrescentei: 'Tal como contigo. Gostei, só de te ver. Não sabia quem eras, nem como eras, nem nada'. E foi. E, apesar de nada saber, não descansei enquanto não o tive. Com este cabeludo a mesma coisa. Na volta, gosto de cabeludos. Quando me apaixonei à primeira vista pelo meu marido também era cabeludo: tinha muito cabelo, cabelo pelos ombros, e uma farta barba'. A ver é se ao cão não acontece o mesmo que ao dono, que agora está careca. 

(Careca mas, ok, ok, charmoso -- concedo)

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Pinturas de Quincy Verdun, Miguel Macaya,  Giacomo Cerutit e Teresa Tanner. Grace Jones interpreta I've Seen That Face Before

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Desejo um dia bom

Saúde. Boa disposição. Paz.

4 comentários:

  1. UJM.
    Respeitosamente, permita que lhe diga que o seu marido, com uma mulher como UJM que passadas décadas de matrimónio o classifica ainda de charmoso… até para um ateu, é uma dádiva de Deus.

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  2. Isso de dizer que o marido é careca, mas um careca charmoso, UJM, foi um golpe baixo.
    Pelo menos para mim. É que sempre que a UJM fala no seu companheiro de vida, vejo-o, ou melhor, via-o, como um: "Cristo em bom"!! Palavras suas.
    Como poderei agora encarar um Cristo em Bom, sem a sua farta cabeleira até aos ombros?
    Aí, penso na exclamção da filha quando a mãe fazia a tal comparação:..."Até parece..."
    Ficou agora esclarecido o mistério que me atormentava há que séculos. Passe o exagero da expressão.

    Resumindo e concluindo: Os ciúmes podem tornar uma mulher de bem, numa delatora.
    Não havia necessidade, UJM, não havia.

    Boa noite.
    Durma bem.

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  3. Caro Ccastanho,

    Sou casada já vai para cima de mil anos... e continuo a achar que o meu marido, apesar de não ser o típico charmoso, tipo mister simpatia, é -- pelo menos aos meus olhos, um homem com um tipo muito especial de charme.

    Mas não sou só eu que acho. Há algum tempo estivemos num jantar em que estava uma médica amiga da minha filha. Naturalmente fomos apresentados. E ela, depois disse à minha filha, que tinha achado que o pai dela tinha muito charme.

    Face a estes piropos ele não reage. E eu acho que até nisso há charme.

    Já viu a sorte que ele tem por ter uma mulher que ainda se derrete por ele...?

    Um bom fds!

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  4. Janita,

    Achei um piadão ao seu comentário. Tanto que fiz um post inteiro de esclarecimento.

    E isso do Cristo não é contradição minha. É que é preciso ver uma coisa. O original tinha cabelos compridos, era barbudo, não era? Mas morreu novo. Quem garante que se vivesse mais não ia também ficar careca...? Já viu, um Cristo careca e de barba grisalha?

    O meu, que era um giraço quando o conheci, todo Cristo em versão desportiva, é agora um giraço em grisalho e careca, charmoso e ainda com aquele andar de desportista de que sempre tanto gostei.

    Um bom sábado, Janita!

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