Não foi desde sempre que gostei da Paula Rêgo. Lembro-me de um dia me cruzar com uma prima, dada às artes, que ia a entrar para o CCB e eu a sair. Eu tinha vindo de um daqueles eventos em que se comia muito bem e, ao sair, ia apressada para não sei onde. Ela disse-me que ia ver a exposição da Paula Rêgo. Eu disse que não achava muito piada e ela ficou muito admirada, acharia que eu gostaria bastante. Mas eu que não, nem por isso. Tudo meio estranho, devo ter dito.
Fiquei a pensar naquilo.Algum tempo depois, tive ocasião de ir ao lançamento de um livrinho maravilhoso com ilustrações dela sobre texto de Tabucchi. Foi no Palácio Fronteira e tudo ali era maravilhoso: a luz, o ambiente, os sorrisos, a afabilidade que circulava entre todos. O sorriso da Paula Rêgo e a forma como olhou para mim quando lhe disse o meu nome. Não me esqueço. A simpatia doce, inocente, a surpresa. Fez-me sentir ainda mais que o meu nome era inseparável de mim.
Aos poucos fui ficando incondicional. Cada pequeno detalhe, uns olhos muito abertos, um corpo abandonado, um movimento atrevido, a ruralidade assombrada, o abandono dos corpos à sua sorte, a força, a destreza, a ousadia das mulheres. O sangue, o olhar, as pernas grossas, o cabelo apanhado das mulheres e a sua manha, a malícia das crianças, a fragilidade de alguns homens.
Nessa altura já me era difícil compreender os que diziam não gostar da sua obra. Esquecida da minha anterior cegueira, não percebia a cegueira dos outros.
Agora continuo a não perceber. Mas já aceito. Há vários tipos de cegueira. A da ignorância, a do desdém, a da indisponibilidade para ver, a da superficialidade. Mas é a vida: uma mescla de tudo. E tudo é relativo e tudo é passageiro.
E, para além da obra, há a autora. As suas entrevistas, o documentário que o filho fez sobre ela, a aproximação de Agustina* -- tudo foi construindo, em mim, a imagem de uma mulher admirável, meio louca, meio menina, meio diaba, meio de outro mundo, meio desbocada, meio dramática, meio divertida, meio sofrida, meio desabrida, muito vivida.
Maravilhosa e eterna Paula Rêgo.
Mas As Meninas não são crianças. Estão sempre alerta, sabem coisas proibidas, em volta delas as mulheres conspiram, inspeccionando a sua roupa de baixo. As Meninas são profundamente perigosas. Não devem andar pela cozinha nem pelos lugares desertos da casa. Sabe Deus que coisas podem fazer…
[Palavras de Agustina em as Meninas]
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Desejo-vos um dia bom
Saudade. Agradecimento. Saúde. Paz.
Aconteceu-me o mesmo. Fui aprendendo a gostar. Às vezes sou lenta... Paula Rego tornou-se um poema tão belo como rude, tão atraente como incómodo. Ontem de manhã tentei marcar uma visita ao seu museu com duas netas que desenham "fora da caixa"... Ao final da manhã soube que a pintora morrera. Estranha coincidência.
ResponderEliminarOlá Erinha! Grande alegria me deu com a sua visita!
ResponderEliminarEstá tudo bem consigo? No outro dia vi uma fotografia sua com os seus filhos. A Ana é parecida consigo, não é? Pelos filhos não pergunto pois estou sempre a vê-los, de vento em poupa.
Quanto às netas (são só meninas, não é) também já devem estar grandes. O tempo passa a correr.
E então as duas meninas são artistas, pensam e agem pela própria cabeça? Que bom.
Um abraço, Erinha. Saiba que fiquei muito contente por vê-la por aqui.