sexta-feira, junho 24, 2022

O que Baryshnikov tem a dizer da guerra de Putin (e não só)

 

Daquelas coisas. Estava no aeroporto, em Londres, com dois estarolas que me deixavam sempre com a sensação de estar perdida no meio daquela e de outras Babilónias, quando olho para o lado e vejo o Nureyev. Fiquei naquele estado em que a gente fica quando tem vontade de deixar cair o queixo mas, ao mesmo tempo, não quer fazer um papelinho. Disse-lhes a eles: 'Já viram? O Nureyev...'. Olharam e prosseguiram a conversa, sem ligarem patavina. Estavam para negócios e coisas assim, não para danças, muito menos para bailarinos. Ou ex-bailarinos que, naquela altura, já ele estava a caminhar para o seu final. Morreu cedo, ele. Tinha um ar solitário, ele, ali no meio daquela multidão. Fiquei a olhá-lo como quem não quer a coisa, queria ver como andava, queria saber se deslizava. 

Ou seja, com Nureyev, ao vivo, foi só isto.

Já com o Baryshnikov foi diferente. Gostava muito dele, era o bad boy da dança. E confirmei a boa razão da minha gostação ao vê-lo dançando, ao vivo. No CCB. Uma maravilha. Aqueles saltos, saltos altos, velozes, aquela leveza. Um voador irreverente, provocador. Provocava a gravidade, provocava a lei dos homens.

No outro dia, ao ver como vários bailarinos russos se demarcaram da barbárie putinista, saindo do Bolshoi e botando cá para fora tudo o que pensavam, pensei cá para os meus botões: que será feito do Baryshnikov? O que dirá ele desta pouca vergonha?

Pois bem: aqui está. Não que eu tivesse dúvidas pois não creio que haja gente decente que seja capaz de não condenar abertamente Putin. Mas, enfim, tenho tido algumas surpresas. Pessoas que julgava serem decentes estão, afinal, presas num qualquer labirinto moral ou intelectual e, em vez de condenarem o invasor e agressor, condenam o invadido e agredido por não se render. 

Mas aqui não havia muito que enganar. Como não podia deixar de ser, Baryshnikov condena, lamenta. Diz que, de certa forma, já o previa. Diz que não tem medo de Putin, diz que não tem muito a perder. 

E fala também do seu último trabalho. Um gosto. Ouvir falar pessoas inteligentes, experientes, com vida e com graça é uma bênção. 

Mikhail Baryshnikov on "The Orchard" and Putin's war

Jun 19, 2022  At the Baryshnikov Arts Center in New York City, dancer and actor Mikhail Baryshnikov stars in an adaptation of Chekhov's "The Cherry Orchard," a story whose themes of loss and freedom echo with Russia's invasion of Ukraine. He talks with correspondent Anthony Mason about the production, and how the dancer, who has remained largely non-political since his 1974 defection from the Soviet Union, says he can no longer stay silent over what he calls Putin's war.

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E, já agora, já que aqui estamos, que Mikhail nos ilumine o espírito com o seu corpo maleável, musical e atrevido

Mikhail Baryshnikov in White Nights - "Capricious Horses"


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