Todos ficámos chocados com as imagens de Bucha. Que significado tem este momento nesta guerra? Pode ter sido um momento decisivo?
Pode e é decisiva. Bucha só veio confirmar aquilo que era expectável num conflito deste tipo. Era uma questão de tempo para quem conhece a natureza de base do exército russo, o estado moral, a desorganização e a corrupção que existe e até a forma como algumas das unidades foram enviadas para a frente, não podíamos esperar outra coisa.
Não sei se estaríamos à espera que acontecesse precisamente em Bucha, mas era uma tragédia à espera de acontecer e que não ficará certamente por aqui.
Pode alterar a estratégia russa?
Acho que a Rússia vai ser mais cautelosa. Tomaram logo medidas de contrainformação no sentido de lançar confusão para criar a dúvida sobre a autoria do massacre.
E é só preciso criar a dúvida. Mas não me parece que funcione. Ou só funcionará junto das pessoas que, ou são caixas de ressonância da mensagem russa, ou querem ser, ou têm uma visão paralela que pode conduzir a uma aparente neutralidade.
Sabem que em tempos de guerra para reunir uma comissão de investigação independente para ir lá é complicado.
É óbvio que não foram os ucranianos a matar 400 ucranianos. Não passa pela cabeça de ninguém. Só mesmo alguém que esteja perturbado.
O que interessa à Rússia, ao lançar esta dúvida, é evitar um agravamento das sanções e que as caixas de ressonância da mensagem russa continuem ativas.
Europeus e americanos não perceberam que este regime russo é como um cancro. É um cancro que devora tudo aquilo que não se assemelha a ele e que tem de crescer, porque se não crescer estagna e morre. Não tem mais que enganar.
E como é que se estanca esse cancro?
Infelizmente, e sendo absolutamente cínico, estanca-se com a resistência da Ucrânia, com as mortes ucranianas. Estanca-se com o drama que está a ser vivido pelo povo ucraniano que está a lutar também por nós, o trabalho pela Europa.
Se não fosse o povo ucraniano e a resistência das Forças Armadas ucranianas, que ninguém tenha a mínima dúvida que o tempo que mediou 2008, da Geórgia até 2014 na Crimeia e daqui até 2022, passaria a ser mais curto - e atingiria a Geórgia novamente, o resto da Ucrânia, a Arménia e depois os países, que na alucinação geo-estratégica de Putin, são considerados seu espaço de influência.
As pessoas tendem a esquecer-se rapidamente, mas o que o presidente Putin fez, não tem defesa possível: intimidar a Suécia, a Finlândia, países que nunca fizeram nada e ele não hesitou em passar aviões com armas nucleares pelo espaço aéreo da Suécia, um autêntico bully.
Aquilo que me espanta é algumas pessoas que defendem a posição russa serem quase como alguém que defende o agressor sexual. A culpa é da mulher porque anda com uma roupa provocante.
Só que esta provocação - sendo discutível se a Ucrânia provocou ou não - é o exercício da liberdade.
É um país independente com vontade própria que conhece melhor do que ninguém o que se pode esperar do regime russo. Sei que há países mais fortes do que outros, mas não posso admitir uma ordem internacional que continue a assentar na força.
É por isso que lutamos pela democracia, pela liberdade das pessoas e dos povos. O que o presidente Putin quer é que se privilegie a força.
Admira-me como pessoas de países democráticos, sobretudo os mais pequenos, estejam a defender que o regime russo terá alguma razão porque estaria a ser provocado.
[Excerto da interessante entrevista ao Diário de Notícias de Jorge Silva Carvalho, ex-diretor do Serviço de Informações Estratégicas de Defesa (SIED) e antigo chefe da "Casa da Rússia", a unidade de contraespionagem para os países da ex-URSS]
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Algumas imagens do The Guardian
Myroslava Mamchuk holds a picture of her godson, Ukrainian soldier Dmitry Zhelisko, during his funeral at the Church of St Volodymyr in Chervonohrad. Zhelisko died fighting the Russian army near the town of Kharkiv.
Photograph: Joe Raedle/Getty Images
A man, who said that Russian soldiers broke his arm, stands outside his house in Bucha. Russia stands accused of ‘terrible’ war crimes, as western leaders condemned the killings of unarmed civilians in Bucha and the surrounding areas of Kyiv in alleged atrocities that prompted fresh demands for tougher action against Moscow.
Photograph: Alkis Konstantinidis/Reuters
O superespião condenado a quatro anos e meio de prisão que lesou Portugal por ter andado a vender informações sigilosas ao grupo Ongoing, para o qual começou a trabalhar. Realmente muito interessante, achar que isso é pessoa que mereça ser ouvida ou que tenha alguma credibilidade.
ResponderEliminarHenrique, olá,
ResponderEliminarAqui, nesta entrevista, não foi ouvido pelo DN na qualidade de cidadão perfeito mas na de responsável pelos Serviços Secretos estrangeiros e com uma longa carreira (reconhecida) ao serviço da informação e contra-informação, nomeadamente relacionada com a Rússia.
Não sei se sabe (mas certamente imagina) que o mundo dos serviços secretos é um mundo de alçapões e labirintos pelo que qualquer juízo de valor deve usar uma outra lente. Com isto não o desculpo de quaisquer maus actos. Apenas digo que este mundo (muito mais vasto do que se pensa) é um mundo oculto.
Espionagem empresarial é coisa que existe e para a qual as empresas começam agora a estar atentas.
Mas não foi nessa qualidade que ele foi ouvido, foi na de quem conhece bem os meandros dos serviços secretos, da informação e da contrainformação e da forma como funcionam esses circuitos. Em particular, por ter estado ligado em concreto ao mundo russo, é uma voz que merece ser ouvida.
E, aliás, o que ele diz não difere do que todas as vozes informadas em todo o mundo confirmam.
O mundo da Rússia, um mundo corrupto, de oligarcas, de atentados permanentes à liberdade, um mundo em que a vida humana pouco vale, é um mundo muito perigoso. Tudo o que possamos fazer para o denunciar e para nos protegermos dele é pouco.
Não concorda?
Não. Trata-se de um indivíduo comprometido com interesses privados, em quem não posso confiar por ser muito provável estar ele apenas ao serviço de quem lhe paga. São mercenários da opinião. O Alexandre Guerreiro, também ex-espião, conhece igualmente bem esses meandros, e no entanto... Para mim é tudo gente que não interessa nem ao menino Jesus. Não acredito nem numa linha do que dizem, seja para corroborar ou contradizer teses que formulo lendo outras pessoas aparentemente mais isentas.
ResponderEliminarInteressante também é o artigo de opinião de Boaventura Sousa Santos que o "Estátua de Sal" publica!
ResponderEliminarA prepósito de "Estátua de Sal", tenho a impressão que o retirou dos seus "frescos e bons", ou estou enganado? Se estou, peço desculpa.