quinta-feira, janeiro 27, 2022

Eleições Legislativas 2022 - Votos e Bandidos

E umas perguntas muito concretas ao João Lisboa

 



Sobre o que escrevi ontem, recebi um mail e uma mensagem. E, com a devida autorização do estimado Leitor que me enviou o mail e pressupondo que o meu filho não se vai aborrecer que eu refira o reparo que me fez, aqui segue então, em primeiro lugar o texto do mail (que agradeço):


Votos

Bom dia UJM. Faço meus os seus votos, por mil e uma razões !

Há aproximadamente 2 anos foi diagnosticada uma doença degenerativa à minha Mulher. Durante os 2 ou 3 anos anteriores, foi seguida no Hospital da Luz por uma especialista que cobrava honorários a peso de ouro. Um dia pedi-lhe um relatório médico que me foi solicitado pelo Centro de Alcoitão, para iniciar terapia da fala. A dita médica, depois de muita insistência minha, escreveu meia dúzia de linhas manuscritas de difícil compreensão. A técnica do CRA, classificou  o dito relatório, "no comments". Ao mesmo tempo, a dita médica, recomendou a realização de um exame no HL, sendo que o mesmo teria que ser com internamento de 3 noites. Aí eu desconfiei ....

Realizámos o dito exame da Ressonância magnética num laboratório conhecido, a preço muito acessível, e decidimos recorrer aos serviços do SNS no HEM.

Tudo mudou desde então. A abordagem pluridisciplinar que se impunha, começou a funcionar em pleno. Sabemos que é uma doença progressiva, contudo, para minimizar os impactos temos contado com uma equipa excepcional  do HEM e HSFX que tem agido de forma integrada. 

Várias vezes tenho referido aos membros da equipa, a nossa gratidão. Sinto que a equipa dos médicos, também aprecia a manifestação do nosso reconhecimento.

Interrogo-me e preocupa-me o que irá acontecer com o hipotético regresso ao poder dos que propõem a privatização do SNS.

Desculpe-me não publicar este meu testemunho no espaço dos seus comentários. (...) Se achar relevante, pode transcrevê-lo.

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Do meu filho recebi um reparo, primeiro por mensagem e depois, mais tarde, por telefone. Dizia-me ele que. se António Costa conseguiu formar Governo e governar bem durante seis anos e se foram feitos alguns avanços significativos em algumas áreas, tal se deve ao apoio dos 'bandidos' a que a avó se tinha referido.

Do que lhe conheço, ao falar nos ditos bandidos, a simpatia dele vai mais para Jerónimo de Sousa. Não lhe conheço qualquer simpatia para com o Bloco. Também eu sinto respeito pelo velho moicano. E também eu, desde o minuto zero, achei bem que António Costa governasse com o apoio da esquerda. E, apesar da frequente queda da Catarina e das Mortáguas (com o Cardeal na rectaguarda) para a traição, passei por cima disso e foquei-me no importante: a defesa de políticas justas, de desenvolvimento, de salvaguarda dos direitos dos que mais precisam de apoio. Mas quando Catarina Martins, o ano passado, num gesto de arrogância, de irresponsabilidade política e de ânsia por protagonismo, chumbou o Orçamento e quando este ano, um ano tão difícil, com um Orçamento equilibradíssimo e com inúmeros pontos de convergência com as pretensões desses dois partidos, resolveu chumbar o Orçamento, juntando-se ao seu companheiro de percurso PCP e juntando-se à direita reunida, PSD, ao CDS e ao Chega, a minha posição mudou. Mudou mesmo.

O meu filho diz que em democracia devemos aceitar que os partidos se manifestem. Claro que sim. Em ditadura, quem se manifesta contrariamente aos cânones é perseguido, detido. Em democracia não: em democracia os ajustes de contas fazem-se nas urnas. E é nas urnas que desejo que quem antes votou no PCP e no Bloco agora lhes vire as costas pela irresponsabilidade e pela traição.

O Bloco e o PCP podem fazer o que quiserem, são livres de o fazer. Claro que sim. Mas ao quererem agradar aos seus militantes mais fundamentalistas esqueceram os interesses do País. E, com isso, revelaram que lhes falta o sentido de Estado.

Ao argumentar assim ao telefone com o meu filho, ele lembrou-me que, há seis anos, contra um longo historial de aversão aos socialistas por parte dos comunistas, Jerónimo de Sousa aproximou-se de António Costa e, com esse gesto, viabilizou um Governo socialista.

É verdade. Foi um gesto corajoso e digno de um verdadeiro estadista. Louvo-o por isso. Louvei-o na altura e, ainda hoje, reconheço o valor e valentia do gesto

Mas critico-o por agora ter saltado fora na votação na generalidade deste Orçamento (que, na especialidade poderia ainda ser melhorado), juntando-se à direita trauliteira e revanchista que sempre fez de tudo para denegrir a Geringonça e o Governo apoiado pela esquerda.

O meu filho recordou-me que o chumbo do Orçamento não implicaria a dissolução da Assembleia e que, aí, quem se precipitou foi o Marcelo.

Concordo. Algumas vezes aqui o tenho dito: Marcelo precipitou-se. Também ele é refém do seu forte apelo pelo auto-protagonismo.

Mas, tendo ele anunciado que, se o Orçamento chumbasse, a Assembleia seria dissolvida, já não havia recuo possível. Portanto, o PCP e o Bloco, ao votarem como votaram, sabiam a crise que iam abrir no País. 

Faltou-lhes sentido de Estado, faltou-lhes o sentido de lealdade, sobretudo lealdade perante os portugueses. E a quem faz isso (pela 2ª vez) não deve ter servida de bandeja a oportunidade de o fazer uma terceira vez.

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Entretanto, num comentário, o João, reportando-se ao que escrevi sobre as virtudes do PS e de António Costa enquanto governante, pergunta-me pelo Cabrita, pelo ministro da Educação, pela fraca intervenção cultural, pelas cativações*. Percebo-o. Tem razão. Mas, João, há soluções perfeitas? Quadros em que são todos umas sublimes, excelsas e não-pecadoras criaturas só aquelas pinturas com santinhos sobre as nuvens, uma virgem (a tal do imaculado pipi) e passarinhos iluminados por abençoados raios. 

[Eu não incluiria as cativações nos episódios menos felizes. Cativações são procedimentos normais na gestão económico-financeira. O facto de estar previsto em orçamento não tem que significar que são verbas automaticamente disponíveis para gastar pois as circunstâncias podem mudar e há que ir aferindo da oportunidade ou da necessidade de se gastar]

Na vida real, seja em que situação for, há sempre o que não é tão bom como o demais. Mas há que sopesar cada aspecto, olhar para o conjunto, avaliar alternativas. 

Imagine, João, que não ganha o PS. Aí, vamos pensar no que acontece no dia seguinte. Ganhando o Rui Rio, vamos ver quem é que ele poria na Administração Interna. Na Defesa já sabemos que põe o Chicão. Coisa esperta, não é? Na Administração Interna, imagino que não vá repescar o Ângelo Correia. Mas vai buscar quem? O Silvano? Credo. A Mónica Quintela? O Rangel...? Susto... E na Educação? Quem? Qualquer nome que me ocorra é para ser um susto ainda maior... E na Cultura? Quem é que o PSD tem para pôr na Cultura... Aqui nem consigo imaginar. Que ideias é que o Rui Rio tem para a Cultura...? Sabemos o que foi o reinado dele na Câmara do Porto. Um desastre absoluto.  E na Economia? O José Gomes Ferreira...?

Ou seja: pensando numa equipa governativa liderada por Rui Rio, o João consegue perspectivar melhor equipa do que uma equipa que António Costa possa formar? 

Por isso é que acho que nem vale a pena a gente pensar muito. Mesmo que não se ame o PS de paixão nem se  se idolatre o Costa, há que reconhecer que, neste momento, as alternativas a um governo PS são de mal a pior, são para a desgraça. 

Portanto, mesmo que não seja por total convicção, mesmo que seja um mero voto útil (quimicamente puríssimo), qualquer pessoa que goste do País e dos portugueses e que se preocupe com o futuro, o seu e o do País, não tem grande alternativa. Por isso, espero que os hesitantes e os sonhadores e os distraídos caiam na real e vão votar. No PS.


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Desta vez as belas rosas fotografadas por Nick Knight vêm ao som de Silêncio e tanta gente de Maria Guinot

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Desejo-vos um dia muito bom

Muitas rosas e muitos sorrisos para todos

5 comentários:

  1. "há soluções perfeitas? Quadros em que são todos umas sublimes, excelsas e não-pecadoras criaturas só aquelas pinturas com santinhos sobre as nuvens, uma virgem (a tal do imaculado pipi) e passarinhos iluminados por abençoados raios"

    Claro que não. Logo, não é essa a questão..

    "Cativações são procedimentos normais na gestão económico-financeira"

    Sistematicamente?

    "Imagine, João, que não ganha o PS. Aí, vamos pensar no que acontece no dia seguinte. Ganhando o Rui Rio, vamos ver quem é que ele poria na Administração Interna. Na Defesa já sabemos que põe o Chicão. Coisa esperta, não é? Na Administração Interna, imagino que não vá repescar o Ângelo Correia. Mas vai buscar quem? O Silvano? Credo. A Mónica Quintela? O Rangel...? Susto..."

    Não vale a pena assustar-me. Porque tudo ou parte disso pode perfeitamente acontecer num "entendimento" PS/PSD. Que, não, não é ficção científica.

    "E na Educação? Quem? Qualquer nome que me ocorra é para ser um susto ainda maior..."

    Aí, PS e PSD empatam irremediavelmente. É o bi-susto.

    "Ou seja: pensando numa equipa governativa liderada por Rui Rio, o João consegue perspectivar melhor equipa do que uma equipa que António Costa possa formar?"

    Não. Mas, na verdade, não é pasta a pasta que o PSD me repugna: é a orientação geral da coisa. É a corrente de fundo que, apoiando circunstancialmente o Rio, apenas aguarda o instante em que poderá "dobrá-lo" e/ou sunstitui-lo por tropa de confiança.

    "Portanto, mesmo que não seja por total convicção, mesmo que seja um mero voto útil (quimicamente puríssimo), qualquer pessoa que goste do País e dos portugueses e que se preocupe com o futuro, o seu e o do País, não tem grande alternativa. Por isso, espero que os hesitantes e os sonhadores e os distraídos caiam na real e vão votar. No PS"

    Como já disse, é o que, provavelmente farei. Mas, logo a seguir, vou ter de comer qualquer coisa que me limpe o amargo da boca.

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  2. Quando chega a esta(s) altura(s) eu pergunto-me invariavelmente sobre o porquê de pertencer ao maior partido português tão fielmente. São mais de dez anos na Abstenção. E encontro respostas, algumas pelo menos. Irracionais, até. Satisfaz-me. No dia em que gente a sério se virar para a política, eu voto neles. Até agora, as poucas pessoas a sério espalham o voto por partidos como o Bloco, os Comunas. Ou seja, não há a possibilidade de termos um Governo que sirva para além das agendas «naturais» do PS, que parece um comboio a vapor. Oh, lá lá.

    Também não sei até que ponto vale a pena discutirmos política sempre com a visão optimista de ter, no «campo», a nata da nata em acção. É utópico. É falso. Nunca vai acontecer. A Verdade é uma particularidade da Igreja, não dos animais e da vida dos animais.



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  3. João,

    Sugiro: casca de laranja coberta por chocolate preto.

    Também pode ser uma bebida. Rum, pink tonic, sumo de laranja, raspa de lima. Pode levar um folha de hortelã ou não. Também pode ser uma simples infusão de gengibre e limão.

    Depois conte-me. Aposto que lhe vai saber bem. Melhor: que vai sentir-se bem.

    E uma happy friday, João.

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  4. Oh Diogo... a sério...? Não vota...? Como é isso possível? Como deixa que sejam os outros a decidir por si...?

    Não pode ser. Não quer romper com esse mau hábito? Vá votar... Vá por mim: mesmo que não vá aos saltos de alegria e que ache que o PS é um comboio a vapor, salte e ponha-se a bordo. Os outros são bem piores.

    Não procure na política a pureza da Verdade absoluta pois tem toda a razão: isso não existe. Nem sequer na Igreja.

    E faça uma pintura bem bonita ou uma fotografia ou um poema: conte depois, à sua (especial) maneira, como foi esse momento quase inaugural.

    E que o domingo de eleições seja bom para si -- de manhã à noite!

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  5. Quereis saber, amáveis leitores da UJM, o que vai acontecer com o SNS? É olhar para as múltiplas áreas do SNS que já funcionam em regime predominantemente privado: dos meios complementares de diagnóstico, à dispensa de medicamentos (farmácias), até a áreas como o transporte de doentes (aqui, maioritariamente prestado pelo setor social), o apoio domiciliário ou até a medicina física e de reabilitação (a "fisioterapia"...). Tudo áreas onde a oferta de prestadores públicos é residual e onde predomina a propagada "liberdade de escolha" do utente. É este o futuro que a direita nos irá vender: avançado os prestadores privados para as áreas (poucas) do SNS onde hoje ainda predominam os prestadores públicos - os cuidados primários e os cuidados hospitalares.
    É este o modelo da direita - que na versão mais radical da IL inclui inclusive a passagem do financiamento por via do IRS para o sistema de seguros. Mais, este SNS maioritariamente assegurado por privados não anda longe das ideias de uma parte substancial do PS (que, além do mais, foi quem realmente promoveu muitas das PPP nas valências que ainda estavam exclusivamente na propriedade pública - os hospitais PPP). Eu percebo: depois de anos a incentivar a expansão do setor privado, é óbvio que agora é praticamente inevitável aceitar a solução de um SNS que passará não a prestar o serviço mas a pagar a privados para o fazerem por si.

    Nada contra o setor privado, mas questiono-me se é mesmo "mais barato" e se o "nível de serviço" para o preço é equivalente. Tenho muitas histórias e argumentos que poderia passar aqui a noite a descrever para suportar porque acho que é uma opção errada mas não vou massar-vos muito. Deixo um exemplo clarissimo: lembram-se do que aconteceu em Dezembro quando o governo quis aumentar a capacidade de testagem do SNS e decidiu comparticipar os testes de forma massiva à população? Pois, sabendo que a procura seria alta porque as pessoas queriam uma segurança adicional para as festas poucos foram os prestadores privados que aderiram (pois o lucro com os 10€ do governo / SNS era facilmente suplantado! E note-se que faziam testes antes e agora por valores como 5€... Nem sequer era um problema de escassez de testes, porque a pagar 15/20€ nunca houve falta!).
    Conclusão: muitos portugueses pagaram do seu bolso 15€ e 20€ no mercado. Outros simplesmente dirigiram-se às urgências hospitalares (os prestadores que, sendo de propriedade pública, faziam o teste - até por obrigação clínica... - entupindo os cuidados hospitalares por uma necessidade estúpida para aquele contexto).


    Um SNS de prestadores privados é isto: soluções ineficientes (a disponibilidade dos testes regeu-se pela possibilidade de maximização do lucro e não pela rapidez de chegar universalmente à população - sendo que o lucro existiria na mesma só seria ligeiramente menor), desiguais e de qualidade duvidosa. O problema é que o PS nem sequer vê nisto um problema. Ou pelo menos não vê nisto uma evidência óbvia da falha do modelo de.mercado em que tantas vezes se deixa enredar.

    Ps: não me tomem por um incorrigível coletivista. Nada contra a iniciativa privada. Acho apenas que num país tão desigual, periférico e de recursos escassos, o papel do estado e da propriedade pública / coletiva é ainda mais fundamental que noutros países onde as condições para que os pressupostos de eficiência do sistema de mercado livre são.mais evidentes. Em PT não creio que isso alguma vez seja assegurado.

    Bom final da semana!

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