terça-feira, dezembro 21, 2021

O meu querido Alf

 

Não dou novidade a ninguém: choveu que deus a deu. Junto à hora de almoço, pus o pobre coitado do ouso peludo na rua e pirei-me. Não dá para deixá-lo fechado e sozinho em casa. Com o vento a dar na chuva, até debaixo do terraço e do toldo da cozinha a bandida caía. 

Mas, embora de coração apertado, lá fui. Consolo-me pensando que aquilo ali é bicho do campo, não de sofás, cadeirões e chaise-longues.

No domingo tinha trazido do viveiro quatro plantas para pôr junto a uma pequena vedação e afinal percebi que deveria ter trazido cinco. E tinha trazido também um jasmim que tinha pensado pôr num vaso e afinal o vaso que era para ser não dava. Por isso, porque quando é para fazer uma coisa, só quero é tê-la feita, meti-me no carro e fui até ao viveiro.

Debaixo de chuva, abasteci-me. Há anos que ouvia falar mas nunca lá tinha ido. De facto, é um lugar especial. Gostei imenso. Quase parece um jardim botânico. Tem árvores, arbustos, flores, rochas, caminhos, recantos. 

E tem também muitos vasos, de barro, de terracota, de pedra, vidrados. Uma big tentação.

Quando regressei, a fera, coitadinha, pingava. Deu-me uma pena...

Limpei-o e ele, coitado, deixou-se limpar. Curiosamente dá ideia que, junto à pele, na maior parte do corpo, não estava molhado. Sobretudo parecia molhado na barriga, onde tem menos pelo. Mas, nitidamente não estava enregelado nem especialmente incomodado. A mãe natureza sabe o que faz.

O meu marido chegou a casa a seguir e, como havia uma aberta, fomos fazer uma caminhada. 

As ruas tinham lagos e choveu parte do tempo. Mas o bicho cabeludo nem aí, na maior, feliz da vida.

Ao regressar a casa, fui ao quarto mudar de roupa. 
Ainda não tinha feito a cama. De manhã gosto de deixar a cama a arejar, a janela do quarto aberta. Já agora: tinha sido mudada de véspera. 
Eis senão quando o urso entra disparado e, num salto, se pôs lá bem no meio. Depois ficou sentado, ao alto, olhando-me bem de frente, como que a perguntar: 'Qual é o mal?'. E eu, furiosa, 'Chão! Chão' e ele, todo contente, a experimentar a fofura do colchão, rodopiou e voltou a instalar-se. Gritei: 'Chão!'. E ele molhado, impávido e sereno. Disse-lhe as palavras mágicas: 'Ai é? Ficas aí?' e virei-lhe costas. Num salto, pôs-se no chão e veio atrás de mim.

Resultado, roupa de cama toda para lavar.

Estávamos a jantar, apareceu uma cabeça felpuda à altura da mesa. Espreitou e por pouco não saltou para a cadeira para se pôr à mesa. E eu só me lembrei do meu estimadíssimo Alf. Peludo, mal comportado, irreverente, levado da breca.

Não sei se já vos contei. Eu era fã do Alf, fãzaça. Não perdia. Ria que me fartava. Como não sou saudosista até tendo a esquecer-me do que gosto (e de quem gosto). Mas, se me lembro, às vezes sinto mesmo algumas saudades. Do Alf, por exemplo, sinto. E aí está uma série que bem poderia ser continuada. Pelo menos não teria aquela coisa realista e desagradável de aparecer grisalho, enrugado e mal encarado. Bicho felpudo e do além como é, haveria de estar pandegamente igual. 

Há lá coisa melhor e mais divertida do que um animal (ou homem) inteligente, bem disposto e mal comportado?

[Desde que não morda, claro. E, bem entendido, desde que não me roube as meias. E, claro está, desde que não me salte para a cama sem ser convidado.]

Qualquer dia começo a fazer listas para quando me fazem perguntas eu ter algum material de apoio. Por exemplo, aquilo de perguntarem qual o personagem preferido. Na volta ainda me daria para me tentar lembrar de personagens literários de livros ou de grandes filmes e esquecia-me dos que, na realidade, mais me entusiasmam. O Alf, por exemplo, é um deles.

____________________________________

Um cheirinho dele

[Não encontrei com legendas de Portugal]







_______________________________________________

Desejo-vos uma bela terça-feira, mesmo que chova a potes
Saúde. Risota. Força nisso.

1 comentário:

  1. Já tentei falar-lhe do que penso acerca da sua opção de resguardar o cão na habitação, quando chega a noite. Mas, como não me distingo na fluidez da escrita, acabo por demorar tanto que o sistema encrava e perco a prosa. Se bem ajuizo o seu animal é um cão da serra de Aires, cão de gado, portanto. Não se admite, pois, que o mesmo tenha gostado de ficar á chuva; estranho seria que preferisse o conforto " "pró humano" da casa. Olhe, eu, homem dos "Castro laboreiro" e de "gado transmontano", senti-me defraudado quando tentei convencê-los a dormir em casota confortável; sempre ignoraram o que quis para eles, dormindo onde lhes dava na real gana, dentro da propriedade. E se invadem a habitação e saltam para a mama, suspeito que será mais
    pela brincadeia e pela "provocação" - luta pela liderança do grupo - do que por qualquer outra razão.
    E, sobre as mordiscadelas do bicho, direi o mesmo: brincadeira e liderança é o que está em causa, de bem leio a minha experiência. A brincadeira e alguns arranhões dão enorme prazer as partes envolvidas na contenda, contanto que o poder esteja sempre no controlo do humano e o cão perceba bem isso: a luta começa e acaba conforme o desejo do dono. Se o que acabo de exprimir fizer algum sentido no seu caso, fico satisfeito.
    Desejo-lhes festas felizes, que o mundo é bem melhor se andarmos alegres.

    PS. E, que viva a chuva, que bem falta faz!

    ResponderEliminar