sábado, novembro 20, 2021

Onde é que pega, a idade?

 


Uma vez, teria eu uns quarenta e picos, um colega disse, com ar irredutível, que quem dissesse que depois dos quarenta estava fisicamente tão bem quanto antes estava a mentir. Eu, admirada: 'A mentir?!. E ele: 'Com os dentes todos'. Na altura, bati três vezes na madeira e disse, de fininho, que, por acaso, eu não tinha tido, até ao momento, razões de queixa. Nestas coisas não gosto de me gabar. É aquilo de que não acredito em bruxas mas lá que as há, há. Nunca fiando. A gente gaba-se e, parece que não, parece que atrai. Portanto, mesmo que a gente se sinta bem, deve ir com calma na constatação.

A verdade é que, nessa altura, me sentia toda tão em igual condição ao que sempre me tinha conhecido que nem me dava conta da idade a passar. 

Quer a nível emocional, quer a nível físico sentia-me para as curvas. 

Onde é que os quarentas já lá vão... 

Havia médico na empresa e uma vez por ano havia chek up a sério e, sempre que tinha alguma coisa, constipação, dor de cabeça ou afim, eu descia até ao consultório e a coisa resolvia-se. Dizia-me sempre: Está óptima. E, como eu me sentia óptima, acreditava que estava óptima. Dava-me muito bem com o médico. Acabávamos sempre na risota. De todas as risotas, lembro-me em especial da história da tia que, depois de um AVC, acordou a falar espanhol. Portuguesíssima, sem amigos espanhóis que se lhe conhecessem, ninguém conseguia explicar o fenómeno. A imitação que ele fazia da tia era de ir às lágrimas. Dizia que a tia falava um espanhol fluente e não se espantava com o facto. Quando lhe perguntavam porque é que estava a falar em espanhol ela admirava-se como se fosse essa a sua língua nativa. Veio depois a descobrir-se que, em criança, tinha tido uma ama espanhola.

Mas isto para dizer que me sentia tão medicamente acompanhada que nem me ocorria fazer outro tipo de exames. Até que um dia uma colega apareceu com uns nódulos no seio. Quando eu disse que nunca tinha feito uma mamografia, ela insistiu que eu fosse fazer. E eu própria assimilei que o devia fazer.

Mas fui na maior descontração. Quando me deitei, em tronco nu, para o médico me fazer a ecografia mamária e ele me perguntou se tinha dores nos seios, fiquei admirada: porque pergunta? Ele tinha posto as películas junto à luz. Disse-me: é que tem alguns quistos.

Lembro-me bem. Fiquei siderada. Não fui capaz de dizer nada. Mutismo absoluto. Ele deve ter percebido o estado de pânico em que eu tinha ficado e esclareceu: eu disse quistos, não disse tumores. Perguntei se quistos não era coisa grave. Ele riu-se, disse que não. Quando levei os exames ao ginecologista e perguntei outra vez se os quistos eram pacíficos ele também se riu, disse que grande parte das mulheres os têm. E acrescentou que se os quistos fossem luminosos, as ruas iriam parecer estar com iluminações de natal. 

Como eram interiores, nunca dei por eles. Depois da menopausa parece que sumiram. Até que um levantou suspeitas. Apanhei um grande susto, teve que ser feita uma biópsia. Dolorosa, amedrontadora. Felizmente não era nada de mais. 

Depois foi um joelho. Doía-me. De vez em quando, para aí uma ou duas vezes por ano, inchava. Depois passava, passavam-se meses em que nada tinha. Em especial quando íamos para fora, eu passava os dias inteiros a caminhar pelas ruas, a ver exposições, a ver lojas, a ver a vida nas ruas. Ou, por cá, palmilhávamos cidades, vilas e aldeias. Nada me cansava, nada me doía. Até que, do nada, no ano seguinte, lá me aparecia a dor no joelho. 

O médico disse que o melhor era fazer uma artroscopia. Outros médicos disseram que não viam qualquer razão para isso. Mas, como o ortopedista me disse que aquilo era só fazer três furinhos e que no dia seguinte saía do hospital a andar, até fui na cantiga de que, já que ia ser anestesiada, espreitava era logo para os dois joelhos.

Foi um disparate. Com os dois joelhos intervencionados ao mesmo tempo, a recuperação foi complicada. Quando um mês depois fui de férias para o Algarve e caminhei na areia e andei a nadar e a mergulhar, convencida que estava curada para todo o sempre, o joelho voltou a inchar. Fiquei desiludida a triste. Afinal não deveria ter esforçado pois ainda não estava completamente bem.

E estas coisas começaram a fazer-me perceber que, se calhar, o meu corpo já não estava igual a quando tinha vinte anos.

Este ano foi aquilo do coração. Ainda há dias fiz mais um exame que durou cerca de sete horas. Li o relatório e não percebo bem. Parece-me que nada de mais mas que, se bem interpreto aquilo, qualquer coisa que não sei se é coisa, se é coisita.

Numa das vezes em que queria perceber se havia relação com a vacina (pois aconteceu no dia em que levei a vacina) disseram-me que, só por ter sido no mesmo dia, não se poderia estabelecer a correlação e que poderia ser simplesmente coisa da idade.

Num outro exame, ao ver para ali num exame o que me parecia ser uma irregularidade, outra pessoa disse que era normal pois com a idade o corpo vai-se alterando e que certamente eu não esperaria que o meu corpo estivesse sem quaisquer marcas da idade.

A minha mãe, que já está a aproximar-se dos noventa, tem as mesmas perplexidades. Quando tem alguma dor nas costas ou alguma coiseca, diz com espanto: mas o que é isto? Sempre estive tão bem e agora isto?

Aí sou eu que lhe pergunto se acha que ainda podia ter a coluna igual a quando tinha dezoito anos.

Mas é uma chatice, isto. 

A mim o que me preocupa quando percebo que alguma coisa já não está exactamente igual ao que estava quando eu fazia aqueles despreocupados checkups iniciais é recear que vá de mal a pior, é recear que seja qualquer coisa degenerativa. É que se for só algum desconforto menor e ocasional e que se trave ou controle com caminhadas e comida saudável, está tudo bem. Agora se uma pessoa vai para velha a sério, a sentir-se velha, com achaques, com falta de vontade de se mexer, sem disposição para se rir e mandar tudo o que é preconceito e treta para o quinto dos infernos, aí, sim, deve ser uma seca das valentes.

E é isto o que me apraz dizer sobre a idade a nível físico. Das rugas ou cabelos brancos não vale a pena falar. É secundário, irrelevante.

A nível intelectual e emocional, para já -- e deixa cá bater três vezes na madeira -- so far so good. Pelo menos que eu dê por isso. Às tantas estou toda para aqui toda optimista julgando-me ainda escorreita das ideias e, afinal, os outros já andam a cochichar pelos cantos: 'coitadinha, tão gagá que já está...'

Enfim. 

Resumindo: o importante nisto tudo é gostar de viver, é querer aproveitar o tempo e a vida que temos, é sentirmo-nos agradecidos pelo acaso que fez com que tivéssemos a oportunidade de viver esta aventura. E o resto são trocos.

Bola para a frente.

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Mas nada como dar a palavra a quem a sabe toda: as Avós da Razão

O que mais pega na velhice?


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Desejo-vos um belo sábado
Chova ou faça sol, venha daí um big smile.

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