Aos poucos fui reconhecendo alguns. Não saberia definir: talvez preconceitos que nos tolhiam.
A primeira vez que o senti e me fez sentir muito revoltada aconteceu teria eu uns quinze anos, por aí.
Tinha um namorado e tinha um grupo de amigos de quem era inseparável. Por vezes, quando tinha aulas de manhã, almoçava e depois voltava ao convívio. Podíamos passear, ir para o parque da cidade, voltar ao recreio do liceu caso houvesse jogo de futebol a que assistir ou podíamos ir para a beira mar. Sempre fui chegada a água, mar ou rio. Mas, na altura, era mais o ambiente de largueza e a tranquilidade.
Nada de mais. Conviver e descobrir o prazer da amizade eram coisas boas e inocentes.
Até que um dia a minha mãe chegou ao pé de mim, toda cheia de censura, ares de recriminação, e disse que lhe tinham contado que eu ia passear para a beira-mar. E disse-o como se a beira-mar fosse lugar de perdição e como se, por eu lá andar, estivesse a conspurcar-me. Aquilo ofendeu-me de uma maneira profunda. Em especial não consegui aceitar que a minha mãe desse ouvidos a quem lhe foi contar isso e viesse acusar-me nem eu sei bem de quê. Lembro-me que chorei de fúria. Queria que ela me dissesse quem tinha ido denunciar-me por coisa tão absurda. Não disse. Não sou, nunca fui, de armar zaragatas. Mas sou de tomar decisões irrevogáveis.
Quando acabei o liceu, tornou-se muito claro para mim que tinha que sair de sob o jugo dos tabus. Resolvi que iria ficar numa residência de estudantes. Foi uma luta. Os meus pais não percebiam tal obstinação. Desculpei-me com o tempo que perderia em transportes e que seriam preciosos para estudar. Foi muito difícil. Mas consegui. Tinha dezassete anos acabados de fazer. Voltava a casa à sexta-feira e saía à segunda. O doce sabor da liberdade sempre foi imprescindível para mim.
Também quando deixei um namorado e comecei a namorar outro, a minha mãe preocupava-se com o que as pessoas iriam dizer. Outro tabu. Uma rapariga não podia ter mais do que um namorado e, muito menos, ser adepta do lema de rei morto, rei posto.
E eu sempre me estive nas tintas para o que pensavam ou deixavam de pensar. A opinião censora e preconceituosa dos outros nunca foi coisa que entrasse nas minhas equações. Nunca me ocorre sequer recear o que pensem. Visto-me, penteio-me, faço o que quero, como quero, quando quero, com quem quero. Não tenho que dar satisfações a quem quer que seja sobre coisas que apenas a mim dizem respeito.
Ou, já quando trabalhava, ainda novinha, quando tinha que ir apresentar projectos à sala de direcção (com acetatos que se colocavam num retroprojector) e me recomendavam que fosse vestida de uma forma mais austera. Era coisa que, obviamente, me entrava por um ouvido e saía por outro. Nunca achei que uma mulher tivesse que se tornar menos feminina para progredir num mundo de homens. Nunca alterei a forma como me vestia, calçava, penteava, falava ou comportava. A toilette de fato completo cinzento com camisa branca nunca fez o meu género. Pelo contrário, vestia-me como me sentisse simultaneamente mais bonita e mais confortável.
Quando tinha que ir a outros locais da empresa, ia muitas vezes com algum colega. Só tinha colegas homens pelo que só ia com homens. Mesmo ao estrangeiro. Uma vez, tínhamos ido a Zurique, o meu director da altura disse que a mulher lhe tinha dito para ele se portar bem. Fiquei espantada. Mas com quem poderia ele portar-se mal? Comigo não era com certeza.
Progredi e nunca tive que me colocar na horizontal. Se calhar quebrei um tabu. Mas, se calhar, foi-me fácil porque sempre me marimbei para tabus. Não me esforcei, não alterei um milímetro da minha conduta. Simplesmente, não me intimidei.
Os tabus são grilhetas que acorrentam a força de vontade das pessoas. Só que o mais dramático é que são grilhetas invisíveis, muitas vezes apenas existentes na cabeça das pessoas. Muitas vezes são as próprias pessoas que se acorrentam. E fazem-no apenas por medo. Medo da opinião dos outros, medo da rejeição, medo de não suportarem os olhares alheios, medo de não saberem o que fazer com a sua própria liberdade.
Para mim apenas desafios. Acho que o meu pequeno urso cabeludo também é assim. Se lhe digo que 'aqui não' ele faz de tudo para chegar ali, para pegar aquilo, para o arrastar para onde ele quer. Pode ser uma almofada, um soutien, uma meia, um sapato, o comando da televisão. Ultimamente é uma chávena que está na parte da vitrine que não tem porta. Eu zango-me, eu ameaço, eu digo: aqui não. E ele não desiste até levar a dele avante. É cá dos meus.
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Mas ninguém melhor do que as desempoeiradas e jovens Avós da Razão para dizerem o que fazer com os tabus.
E para explicarem a relação entre os tabus e os sete pecados capitais (quiçá com os dez mandamentos).
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Desejo-vos uma boa quarta-feira -- sem tabus.
E com saúde, ânimo, boa disposição. Força aí.
Nota-se bem que os tempos mudam. As preocupações das jovens, e isto não é de agora mas de há já tempo, é se vestem demasiado, se as outras criticam porque parece freira, se não podem ficar até de madrugada na noite. Tal como nos jovens machos. Mas seja uns ou outros, os complexos, tabus e pressões, vão-se desvanecendo. Quando a vida começa a rolar a sério, quando se tem trabalho ou filhos para criar ou pais para cuidar ou acidentes ou outros desastres ou triunfos profissionais ou coisas simples e boas na vida que nos acontecem, tudo isso vai desaparecendo. Hoje, as pressões que influenciam a nossa cabeça são as que estiverem na moda nas redes sociais:fugazes. Se me perguntarem, digo que prefiro assim. Vá de retro a tia que olha de soslaio por a menina andar na rua sozinha.
ResponderEliminarOs tabus que se f.... mais aqueles que acham que devemos ir com a manada!
ResponderEliminarJá dizia o Bob Marley «Vocês riem-se de mim porque sou diferente, eu rio-me porque vocês são todos iguais!»