As romãs da romãzeira do jardim não ficam com a casca encarnada, apenas levemente ruivas. Mas, por dentro, os bagos são rubros, sumarentos e dulcíssimos. Agora, em quase todas as minhas refeições desmancho uma romã e decoro o prato com as dezenas de pérolas que quase estalam na boca, desfazendo-se em sumo. Começo por pô-los no canto do prato destinado à salada mas invariavelmente acabo misturando-os com o que for, peixe ou carne.
Ao fim da tarde andei a varrer o terraço, o acesso à garagem, o caminho debaixo do telheiro. Mas não concluí o trabalho. Acabei por deixar alguns montes de folhagem seca por apanhar. O meu petit chien -- que saiu das minhas histórias para demonstrar que a realidade por vezes ultrapassa a ficção -- agora acha que a vassoura com a qual tento defender-me dos seus arroubos é um brinquedo e, por isso, quando ando a varrer, ataca-a, passa-me pelas pernas, põe-se de pé nas minhas pernas para delas saltar para a vassoura e, pelo meio, com as suas unhas pequenas e afiadas, enche-me as pernas de arranhões.
O meu marido diz que já sei que não posso andar de calções. Mas sou encalorada e, além disso, gosto de apanhar sol e ar fresco nas pernas. Vou sempre na esperança que o pequeno pastor se entretenha com pinhas ou com restos de troncos. Mas não. Se estou por perto, é à minha volta, desafiando a minha tolerância, que ele anda. O meu marido e o meu filho dizem que tenho que me impor. Mas como? Eles dizem: dá-lhe uma sapatada. Uma sapatada? Posso lá eu arriscar magoá-lo?
Há pouco, aqui na sala, veio pôr-se com as patinhas da frente a querer empoleirar-se em mim. Fiz-lhe festinhas. Mas não parava de me olhar nos olhos. Peguei-o ao colo e aninhei-o como a um bebé. Curiosamente, deixou-se ficar. Parece que era mesmo isso que queria. Um bonequinho de peluche, meiguinho. O meu marido, ao entrar na sala e ver este quadro, ficou sem saber o que dizer. Disse eu: este é o cão de rua, o cão de guarda, o cão pastor que fomos buscar a um monte alentejano para nos proteger de intrusos. Ele respondeu: os cães, de certa forma, são o que os habituarmos a ser. Não sei como vai ser quando crescer. Temos uma casota no jardim, num recanto abrigado. Supostamente é lá que deve dormir e é à volta da casa que deve circular: não é para andar dentro, é para andar por fora. Mas não sei. Quando for mais crescido logo se vê. Estar agora a fazer antevisões é um long shot. Vou é aproveitando enquanto é pequeno, encaixável no meu colo. Mas isto também só é possível quando está perdido de sono. Aí, pelos vistos, sabe-lhe bem receber mimo e um colinho quente. De dia, quando está com as pilhas todas, nem pensar: corre, salta, morde, arranha, faz toda a espécie de disparates. Rouba sapatos, rouba tapetes, vira a sua cama do avesso, tenta roer tudo o que pode.
Já estamos no fim de semana. O tempo corre, corre.
Caminhamos rapidamente para o fim do mês de outubro. Nessa altura a hora muda para os dias ficarem ainda mais pequenos. Daqui a nada estamos no fim do ano e estaremos a equacionar como será o natal. Não percebo bem isto. Não sei como passam estas semanas que mal dou por elas; devoram os dias, devoram os meses e, se não nos precavemos, devoram os anos.
Amanhã terei que ir ao supermercado e não sei o que hei-de comprar para as diferentes refeições. Talvez ingredientes para cozido à portuguesa, talvez também peixe para cozer. Quando penso no que me apeteceria só me apetece o que não faço em casa: petiscos como gyosas, paezinhos de arroz recheados com carne, talvez até croquetes de carne a alheira para mergulhar em mostarda e mel. Mas também andamos com saudades de comida indiana ou nepalesa. Talvez nos desloquemos até um restaurante para trazermos comida para casa.
No casal que estou a ver, um dos rapazes do casal homo é parecidíssimo com um que trabalhava lá na empresa e que, por ser gay e por não querer que alguém o descobrisse por recear ser marginalizado, se demitiu. O curioso disto é que toda a gente sabia ou desconfiava que o fosse, um colega nosso até o tinha visto num restaurante com as mãos estranhamente próximas do rapaz que estava em frente e, na empresa, nos dias seguintes, comentou isso para confirmar as nossas suspeitas. E ninguém queria saber disso para nada.
Bem.
Já estou para aqui a andar de conversa em conversa, como se andasse perdida num bosque, a espreitar por que caminho haveria de ir. Só que, a estas horas, já não dá para andar para trás e para a frente e, de resto, é pouco provável que vá dar a uma clareira.
As fotorafias pertencem ao Close-Up Photographer Of The Year 2021 ao som de Ludovico Einaudi com Luminous
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Desejo-vos um belo sábado
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