Gustavo Santos e outros vazios que por aí proliferam. O Vítor, a Ana, o Pedro e outros ausentes de que sinto saudades. Os tempos que correm.
Há situações ou pessoas -- antes longínquas ou, mesmo, totalmente ignoradas --, que, em certos momentos, descobrimos e com quem passamos a sentir uma certa ligação. Por vezes, uma forte ligação.
Alguns são acontecimentos episódicos. Assim como aparecem e nos impressionam fortemente, assim desaparecem. E, apesar de nos terem marcado, sentimos que é melhor não forçar o rumo dos acontecimentos. Cruzámo-nos, afastámo-nos. Talvez um dia voltemos a cruzar-nos. E, se não, ficará a memória.
Por vezes, lembro-me de algumas dessas pessoas. Outras telefonam-me pelos meus anos ou pelo natal. Fico sempre espantada pois de ano para ano volto a esquecer-me delas e não faço ideia da data do seu aniversário. Gosto de pensar na vida como uma linha do tempo em que umas pessoas deixam de lá estar e em que entram novas. Tenho a sensação de que, se não me desligar de algumas, dificilmente terei disponibilidade para acolher pessoas novas. É coisa minha, que não sei explicar: prefiro conhecer pessoas do que manter um lastro de antigas e, por vezes, esgotadas amizades. E, no entanto, se calha encontrar algumas delas é como se tivesse estado com elas até à véspera. Ainda no outro dia me ligou uma amiga de há muitos anos e com quem não falava há que tempos. Pois bem, sem justificações para ausências, retomámos a conversa e ali estivemos que tempos, pondo a conversa em dia. Ou outra: foi promovida e lembrou-se de me ligar a contar, toda contente, dizendo-me que, mal soube, se lembrou logo de me contar por saber que eu ia ficar feliz por ela. E fiquei, de facto, mas fiquei foi ainda mais surpreendida por ela, naquela situação, se ter lembrado de mim. Ou uma jovem que trabalhou comigo há algum tempo. Eu mudei de empresa, ela continuou. Pois há uns meses ligou-me para me contar que ia aceitar um novo desafio e para saber a minha opinião e para conversar comigo. Fico sempre comovida com isto. E acho que é assim que comigo funciona bem. Não ter rotinas nem compromissos mas estar sempre disponível.
Assim, tenho sempre espaço afectivo para acolher não apenas as que vêm de trás como novas pessoas e situações que vão aparecendo.
De um grupo de amigos que, em tempos, foram muito unidos, sempre fui a única a não participar mos almoços que organizavam pelo natal. Durante anos convidaram-me. Depois desistiram e limitavam-se a ligar-me a contar como tinha sido o almoço e a desejar bom natal. E, volta e meia, algum liga e dá notícias. Assim está bem. A última vez que estivemos todos juntos foi no enterro da mulher de um deles, uma momento muito triste. Parecia mentira que a mais animada, a mais faladora, a que enviava anedotas para todos fosse a primeira a sair de cena. O marido chorava sem consolo e todos nós estávamos atordoados com a situação e com o sofrimento dele.
Depois passou um, mais velho que nós, amigo mas não fazendo parte dos mais chegados, que não me conheceu e que olhava para todo o lado como se não reconhecesse ninguém. Chamaram-no e não se virou. Um deles disse: está surdo como uma porta. Outro disse: desde que lhe morreu a mulher foi-se muito abaixo, parece até que já não bate lá muito bem. Outro disse: mas ele e a mulher... aquilo sempre foi chama apagada até porque ela nunca foi muito certa e, além disso, estava com alzheimer há anos. Porque é que ele se foi tão abaixo com a morte dela?Era morte mais do que anunciada... E outro: Na volta não tem a ver com a mulher, na volta é ele que também já não estava grande coisa. E depois a surdez ainda o desliga mais do mundo. Vá lá a gente perceber estas coisas.
E é mesmo. Vá lá a gente perceber. É que nem vale a pena tentar.
Mas adiante.
Hoje resolvemos ir a uma das cidades aqui mais próximas comprar o jantar. Servia de passeio. Estamos tão habituados a estar em movimento que um dia inteiro no campo já nos dá vontade de cirandar.
Pelo caminho, pusemos na antena 3 para ouvir o Alvim. Estava lá um convidado que nos pareceu meio parvo. Só dizia banalidades mas daquelas banalidades pretensamente inteligentes emitidas por tipos que são metidos a besta. Por exemplo, dizia coisas como que só tinha descoberto a dimensão do amor com a responsabilidade da parentalidade. O meu marido disse logo para mudar. Ainda tem menos paciência para parvos do que eu. Mas eu quis perceber quem era. O sujeito dizia: daqui a nada vou publicar um post em que vou falar do amor e da capacidade de amar para além do amor. O meu marido, irritado, esticou o dedo para mudar de posto. Eu disse: deixa ver quem é o filósofo. Logo a seguir trataram-no por Gustavo e percebi que era aquele que apresentava o Querido, mudei a casa. O meu marido disse que tinha ideia que ele também escrevia livros, que tem ideia de ter visto pelo menos um livro com a cara dele. Credo. Mudámos de posto, claro está. Depois de termos estacionado, ao irmos a pé para o restaurante, passámos por uma espécie de loja toda envidraçada com uma mesa com uma toalha e uma jarra e cadeiras em volta. Tudo estranho e piroso. E com uns ditos em molduras. Sorri à vida que a vida te sorrirá. Ou: Recebe a mensagem e faz dela o teu caminho. Coisas assim. Espreitei para perceber o que era aquilo. O meu marido é que viu: uma igreja. Não era evangélica, era uma igreja de que nunca tinha ouvido falar. Uma religião que cultiva a banalidade, os lugares comuns, a vacuidade. Mais à frente, num pátio num jardim, vozes em altifalante. Campanha do PSD, ficámos com a ideia que eram os candidatos a uma Junta. Um homem dizia: 'Falar a verdade'. 'Não esconder nada'. 'Para o bem de todos, em total transparência'. E pensei que entre o Gustavo, a igreja não sei das quantas e o candidato do PSD não havia diferenças.
Talvez tudo isto seja fruto da cultura actual, da que é alimentada pela trivialidade e pelo artificialismo do instagram e do facebook, verdadeiras máquinas de descaracterização, de make up emocional, de pseudo aforismos feitos de ar e de cuspo, de exibicionismo, de voyeurismo.
Não sei se são as redes sociais ou o excesso de debates e artigos sobre tudo e sobre nada que andam a deformar a cabeça das pessoas.
A ideia de que tem que se ter muitos amigos, que se tem que estar a dar likes e a pôr corações em tudo a toda a hora, que é bom a pessoa estar a mostrar-se aos outros a toda a hora, em locais fantásticos, a fazer coisas fantásticas, há-de ter nefastos efeitos secundários no raciocínio, no próprio vocabulário e, sobretudo, na estabilidade emocional de quem frequenta esses lugares de felicidade ficcionada.
Bem... e já viajei... começo um post com uma ideia em mente e depois, meio distraída, ouvindo música, vou por aí fora e esqueço-me da ideia que vigorava no momento da partida.
Onde é que eu já ia...
[Daqui a nada até me estava a dar vontade de ir investigar se o tal Gustavo é mesmo escritor de obra publicada ou se aquilo foi delírio do meu marido.
Que livros será uma pessoa daquelas capaz de escrever? E onde será que ele escreve aqueles posts que anuncia, em avant première, como se tivessem algum conteúdo? No Instagram ou no Facebook, só pode. E quem é que o lê, senhores? Quem é que, em seu são juízo, vê ali ideia que se aproveite?]
... e que mundo é este? Que acefalia colectiva, pior que pandemia, assola este planeta, deus meu? O que vai sobrar daqui? Gente alienada, gente ansiosa, gente com psicopatias e distúrbios emocionais de toda a espécie, imagino. Já para não falar na sociedade de analfabrutos em que todos se acham alguém sem conseguirem ter uma ideia própria ou formar uma opinião informada.
Mas dizia eu que, uma vez mais, sem querer, derivei. É que a ideia que tinha em mente ao começar a escrever era bem outra. Ao procurar um nome de um fotógrafo na lista dos temas por ordem alfabética que tenho aqui ao lado (barra da direita, mais abaixo) dei com vários blogues que acompanhava e que, entretanto, ficaram parados no tempo ou desapareceram. De alguns já nem me lembrava e, no entanto, tanto que gostava de os ler. Fiquei a pensar no que terá acontecido aos seus autores. Espero que estejam bem. Outros apaguei a ligação porque, alguma vez, escreveram coisas que me desagradaram demais e, depois, acabei por me esquecer deles. Às vezes, penso neles mas já não consigo lembrar-me exactamente do nome do blog e já não consigo lá voltar. Toda a gente às vezes perde a cabeça e escreve coisas estranhas e eu tenho tendência a perdoar excessos. E, no entanto, quero lá voltar e já não consigo.
Gostava que alguns blogs voltassem a viver: lembro-me do Âncoras e Nefelibatas, por exemplo. Ou do Ana de Amsterdam. Ou do Anjos e Prostitutas. Ou do Novo Mundo. Ou os do Mexia. E outros. É que, ao contrário do que acontece noutros domínios, neste caso não têm aparecido assim tantos blogs novos que nos façam esquecer a qualidade daqueles que ficaram suspensos no tempo ou que desapareceram. E era sobre isso que eu gostava de ter escrito.
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Pinturas de Svabhu Kohli e Viplov Singh ao som de Yo-Yo Ma, Kathryn Stott que interpretam The Swan de Saint-Saëns
Revejo-me no que diz relativamente aos amigos.
ResponderEliminarÀs vezes penso se a culpa não será minha.
As ilusões/desilusões repetem-se.