sábado, agosto 28, 2021

Cenas da vida doméstica

 



Tenho estado outra vez a debater-me no meu sofá novo a ver se não adormeço. A minha filha chama-lhe o sofá-valium. A gente poisa nele e cai para o lado. 

Agora, para lhe dar luta, deitei-me ao comprido de barriga para baixo. Estou a escrever assim. Se fosse brasileira agora escrevia: vê se pode...

Não pode, né? Não dá jeito nenhum. Mas em qualquer outra posição, apago.

O dia foi do escafandro. Reuniões de manhã, uma com cerca de cinquenta pessoas. Obra. Abri e fechei e, pelo meio, a ideia era assistir. Contudo, face aos ânimos que, volta e meia, se agitaram, tive que intervir. Alguns momentos de tensão que tento encarar com desportivismo a ver se as ondas que me atravessam o coração não se invertem, outra vez, deixando-o a modos que de pantanas.

Pelo meio, ouvi a porta do meu escritório doméstico a abrir-se. Era o mais novo. Pensei que ia apenas dizer-me qualquer coisa pacífica como na reunião anterior, menos crítica e menos formal, em que entrou várias vezes. Mas não. Disse: Quero fazer cocó. Certifiquei-me que estava sem som e disse-lhe: Vai dizer ao o avô. Ele saiu. Passado um bocado apareceu o meu marido à porta. Fiz-lhe sinal com a mão que se fosse embora. De volta, fez-me ele sinal com as mãos, a pedir acho que é time out, aquele gesto que em alguns deportos se usa para pedir ao árbitro um tempo de intervalo. Acho que era quando o meu filho fazia andebol que eu via isso. O meu marido também praticou pelo que lhe deve ter ficado. Fiz-lhe sinal que saísse. Disse: 'Ele quer fazer cocó'. E eu, com a mão à frente da boca a ver se ninguém percebia a situação: 'Não posso sair. Limpa-lhe tu o rabo'. E ele, ar aflito: 'Pá, interrompe por um minuto, eu o rabo dele não limpo'. Tenho ideia que nunca limpou o rabo dos filhos. Ou se o fez foi debaixo de necessidade extrema. Santa paciência. Sem olhar para ele, mão em frente da boca: 'Não posso sair daqui. Limpa-lhe o rabo. Fecha a porta'. 

Lá foi. Certamente irritado comigo, certamente apreensivo com o que o esperava.

De notar que ele já estava de férias, eu é que não. E se fosse ao contrário, jamais me passaria pela cabeça interromper-lhe uma reunião para lhe pedir que fosse limpar o rabo a um neto. Só visto.

Quando a reunião acabou, perguntei se tinha cumprido a missão. Disse que cumprir, tinha cumprido, não sabia era se bem. 

Depois da minha nora ter ido buscar o meu menino mais querido, estando eu já despachada das minhas meetings, mudei de roupa, apanhei o cabelo, fui regar as flores de trás enquanto o meu marido regava as do lado. Fiz piza para o almoço mas quem a comeu foi sobretudo ele pois eu preferi complementar a minha fatia com um resto das ervilhas com ovos do outro dia.

A seguir, pegámos na trouxa e viemos para o campo. De caminho, parámos no supermercado e abastecemo-nos. A frequência e os carregos que de lá trazemos dia sim, dia não, são do além. 

Quando cá chegámos ainda cá andavam os senhores das janelas. Pelo meio, fui vendo mails, atendendo chamadas. Quando se foram embora, a casinha toda ela mais iluminada e clara, partimos para as limpezas. Nada a ver com o estrafego das pinturas. Agora foi tudo mais civilizado. Ainda assim, aspirámos, varremos e lavámos toda a casa. Pusemos também o tapete novo na zona das bergères ao pé da lareira e, mal o pusemos, logo constatei que vai ser um forrobodó. Branquinho demais. Bonito e mesmo a condizer com a mancha cromática da zona das refeições mas no campo não se têm os pés muito limpos, especialmente com entrar e sair a todo o momento. Mas se verá. Cada coisa a seu tempo.

O meu marido voltou a pendurar os cortinados pesados que estes das janelas voltaram a retirar. Chegaram, entretanto, as cadeiras brancas que tinham ficado a estofar (de bege clarinho).

Depois dos banhos tomados, fomos jantar um gyros no prato que trouxemos.  Bem bom. Já estávamos a caminho das onze da noite. 

Ao jantar reparei que o cabelo do meu marido estava com uns apontamentos de absurdo. Todo rapado mas alguns cabelos mais compridos de lado, nas frontes, ou em baixo, na nuca. Uns cabelos desfasados da realidade. Chamei-lhe a atenção. Perguntou: Sabes o que é, não sabes? Respondi: Sei. Queres ser auto-suficiente mas não tens competência para isso. Ele corrigiu-me: Não. É que um gajo nem para cortar o cabelo tem tempo, é sempre tudo a correr para aproveitar uma aberta que não dura muito tempo. Está bem, está.  Espero que tenha trazido a máquina ou que a que cá está ainda funcione para ver se lhe aparo aquela deselegância capilar.

Amanhã de manhã a ver se faço logo uma máquina de roupa e se coloco aqui no sofá uma coberta bege clarinha que deixei ao ar. Tenho também que ir ver se desencanto um ou outro bibelot para a mesa de cabeceira do quarto que era do meu filho. E tenho que limpar melhor alguns espelhos. Com as luzes acesas reparei que alguns não estão imaculados.

E tenho dois tapetes que lavei e estão a secar lá fora, um de pano bordado e outro de pasta de lã com o abecedário bordado. Gosto especialmente deste. É um tapete afegão, artesanato puro. Comprei-o em Londres, há mais de mil anos, num dia de feira afegã. Mas com tanto uso, está já com bocados a menos. Precisa de um restauro. Tenho que pensar o que faço.

E escuso de dizer que já não estou na posição inicial. Já me doía tudo. Agora estou outra vez toda na descontra, meio estendida no sofá, a ver se não deixo o post a meio e se o meu marido não vem aqui dar comigo a meio da noite. Portanto, vou mas é já dizer um ciao e vou arrastar-me até aos meus aposentos.

Com vossa licença, estou a ir.

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Imagens da Exposição sobre Alice no País das Maravilhas (Alice: Curiouser and Curiouser) no V&A até final do ano ao som de Angelina Jordan a interpretar Bohemian Rhapsody

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Já não é 6ª feira mas é como se fosse:

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Desejo-vos um belo sábado.
Sejam felizes.
(Pelo menos, tentem, está bem?)

4 comentários:

  1. O dia foi do escafrandro.

    Nunca comi..., será bom ?

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  2. Não há nada como a excepção para confirmar a regra do “é como limpar o cu a meninos”.

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  3. Olá Anónimo do Escafandro,

    Gracias. Já corrigi.

    Mas olhe... não se ponha para aí a comer coisas a torto e a direito...

    Um bom domingo!

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  4. Olá Amofinado,

    Tem toda a razão. A quem pense que limpar o cu a meninos está ao alcance de qualquer um sugiro que ponha os olhos no meu marido que encontra nisso a maior dificuldade. Ainda hoje confirmou: a netos foi a primeira vez e acha que até com os filhos nunca se estreou. Isto cada um é para o que nasce.

    Um bom domingo!

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