Estava a sonhar um sonho bom quando, de manhã, o telefone tocou. Estava a sonhar que uma amiga, que, no sonho, era igual à Linda Vater, estava a combinar comigo irmos a um clube de leitura. Dizia-me que era numa casa elegante, onde se conhecem sempre pessoas interessantes. Eu queria saber onde era e ela estava a explicar-me que era na Avenida da Liberdade, uma casa remodelada, com muita pinta. 'E eles não vão'?, queria eu saber sobre os nossos maridos. E ela dizia que, se o meu gostasse de clubes de leitura, que fosse, que o dela não apreciava, não ia. E eu estava na dúvida se um clube de leitura não seria uma valente seca também para mim. Mas, ao mesmo tempo, estava curiosa.
Então tocou o telefone, interrompeu o sonho, acordou-me.
Fiquei o dia todo a pensar nisto. Tenho pensado: e se eu convidasse amigos para virem aqui a casa falarem sobre livros? Não agora mas quando acabar esta cegada da pandemia. Cada amigo poderia trazer outro amigo, um de cada vez para não haver enchentes. Não seria engraçado?
Tenho duas amigas que frequentam essas coisas dos encontros de leitura. Não sei se lêem em voz alta ou se discutem livros. Convidaram-me várias vezes. Agora que escrevo, tenho ideia que combinam ler um livro e vão para lá mostrar serviço. Nunca fui e nem consegui dizer-lhes a verdadeira razão. Digo aqui: acho que a maior parte das pessoas que falam sobre livros só dizem vulgaridades. Um bom livro não tem muito que se diga sobre ele, pelo menos não assim, em público, sem pudor.
Mas, ao mesmo tempo, se eu convidasse amigos que não têm a mania de se armar ao pingarelho, talvez a gente se juntasse aqui e talvez algum, em meia dúzia de palavras, dissesse o que jamais eu esquecesse umas palavras tão insólitas que me ficassem gravadas na memória. Talvez até ficasse com vontade de ir ler ou reler o livro.
Ou, então, juntávamo-nos uns seis ou sete para falar, por exemplo, do Murphy do Beckett. E o tempo passava e ninguém dizia palavra que fosse sobre o livro. E, de repente, um desatava a rir e todos desatavam a rir, uma gargalhada pegada. E estaríamos a rir das maluquices do Murphy.
A seguir, eu servia sumo de abacaxi com lima, pedras de gelo e umas folhas de manjericão. E não se falava mais no assunto.
Bem.
O dia foi cheio, a começar cedo. Tinha a agenda aliviada. Numa de me poupar, agendo muito menos reuniões. Recebi mais um dos relatórios médicos. Estava nervosa quando abri. Já vou com medo. Parece que tenho medo de descobrir que me aconteceu mais alguma. Mas parece que não é mau de todo. Confirma-se a sequela no coração, pois claro, e li umas frases que me assustaram. Fui ao google e vi que aquilo aparece em quem teve enfartes ou que está sujeito a stress. Pensei logo que tenho que evitar a todo o custo sujeitar-me a reuniões em contínuo. Mas é raro o dia em que não me pedem uma ou duas ou três reuniões.
Claro que poderia dizer que não dá, que tenho outros compromissos. Mas não consigo.
Tive um colega, um bom amigo, inteligente e divertido, que uma vez me disse que eu tinha um grande problema. E acrescentou que não podia dizer qual era porque ia soar deselegante. Eu insisti e ele disse que teria que usar o inglês para não soar tão vulgar: 'Você é uma open-leg'. Desatei a rir. Quando alguém me pedia ajuda ou me pedia que resolvesse problemas alheios eu não conseguia dizer que não. Ora, como é sabido, os homens são muito tribais. Se o pedido vinha dos supostos adversários, o meu amigo achava que eu devia marcar posição, mandá-los à fava. E eu, pelo contrário, arranjava sempre maneira de acorrer.
Daí em diante, se estávamos em reuniões em que havia contenda, se eu tentava resolver os problemas de toda a gente, discretamente ele mostrava-me, meio às escondidas, o indicador e o médio afastados ao mesmo tempo que abanava a cabeça em sinal de reprovação, como que a fazer o sinal de vitória mas ao mesmo tempo sob censura. Mas não era sinal de vitória coisa nenhuma. Significava apenas que ele achava que eu estava, uma vez mais, a 'abrir as pernas' -- e tinha que me esforçar para não me desatar a rir.
É mais um dos meus problemas congénitos. Nada a fazer.
A meio da manhã veio um telefonema diferente. Estava a ouvir com alguma desatenção pois pensava que que a intenção era pedir-me conselho sobre quem deveria participar num evento que, enquanto ouvia, me estava a parecer interessante. Afinal a conversa deu uma volta e o intuito era convidar-me para ser eu a oradora especialista no tema. Achei graça, disse que sim. Que não era preciso preparar-me, só ser eu, disse-me ele. Fiquei admirada. Claro que não vou preparar-me. Nem saberia como. Espero sair-me bem. Espero não dizer banalidades. Mais tarde haverei de contar.
A tarde esteve especialmente amena. Depois do trabalho vim cá para fora. A minha filha e os meninos estavam cá. Estão de férias. Depois da praia vieram cá ter. Estava-se muito bem. Uma tranquilidade imensa, uma luz dourada, os pássaros cantando na maior alegria. Fico sem fazer nada, apenas olhando, ouvindo, conversando, respirando. O meu marido chegou, entretanto, e nem dei por ele. Depois veio para o jardim fazer uma coisa e pediu ajuda a um dos meninos.
Esse menino depois pediu-me uma massagem. Sentei-me numa cadeira e ele numa cadeira à minha frente, abraçado às costas da sua cadeira. Depois até foi buscar uma almofada, para ficar mais confortável. Estava em tronco nu. Tamborilo os dedos nas suas costas, na cabeça. Fica zen, tempos sem fim. Até pensámos que tinha adormecido. Mas não, está apenas tranquilo, feliz da vida.
Quando estavam quase a ir-se embora, esse menino, em cima da árvore grande, chamou-nos a atenção para um ovinho caído no chão.
Quando íamos ver de perto, ele avisou-nos que não fossemos por ali. Olhei e as folhas que estavam caídas no chão pareciam-me lustrosas. Ele voltou a avisar que não pisássemos as folhas. 'Fiz chichi aqui'. Não estavam lustrosas, estavam eram molhadas.
Às vezes, à noite, ocorre-me que devem fazer pouco chichi pois raramente os vejo virem à casa de banho. Afinal é isto: vão atrás de uma árvore e lá vai disto. Boys being boys.
Cheguei muito tarde à sala. Hoje não vimos Netflix. Ainda assim, fui espreitar as coreanas. Não sei. Não engraço com séries ou filmes cuja língua não percebo. Parece-me tudo muito distante da minha matriz cultural. Não sei... não quero dizer que não só por ter dado uma espreitadela. Mas vou já dizendo que não me senti atraída. E eu sou de coup de foudre. Se a coisa não se dá, nem vale a pena ter esperança. Mas, enfim, as pessoas mudam e eu, apesar de ser mais bicho do que pessoa, na volta também mudo. E, de resto, consta que estou mais velha e, por isso, pode ser que me deixe de coisas.
E acho que é isto.
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Pinturas de Paul Gauguin que obviamente não têm nada a ver com o texto
e, claro está, muito menos com Comfortably Numb com David Gilmour e Benedict Cumberbatch
E o título do post é o que é
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Dancemos
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Desejo-vos uma boa quinta-feira
Achei muito interessante atualmente esta sua postagens.
ResponderEliminarTelefone Mercado Pago Abraços ;) !