Não tenho nada de interessante para contar. Tenho muito trabalho e o meu tempo útil é praticamente absorvido por essa insana actividade. Ao telefone, eu disse-lhe: esta empresa esgota-me. Do outro lado nada. Pensei que talvez não tivesse percebido o sentido do que eu tinha dito. Expliquei: parece um mar que passa por cima de mim. Nada. Expliquei melhor: esta empresa é ingerível. Do outro lado, uma gargalhada. Disse: não estou a brincar, estou a falar a sério. Ele disse: havemos de conseguir dar-lhe a volta. Depois reconheceu: é mais difícil do que pensávamos mas haveremos de conseguir. Respondi: acredito que sim. Mas com que esforço? Quanto tempo vai ser necessário?
Depois fomos elencando os nomes em que nos poderíamos apoiar e aqueles que só atrapalham. E aí eu: mas como é que a gente se livra dos que minam tudo, que desestabilizam? E ele: havemos de arranjar maneira.
Queremos aproveitar todos, mesmo os casos perdidos. Mas os casos perdidos são os que mais desestabilizam. Não acrescentam um cêntimo de valor, só destroem. Mas, em cima disso, infectam, inquinam, espalham confusão.
Ao fim do dia liguei para saber como tinha corrido uma reunião da qual tive que sair mais cedo. Contou e, no fim, comentou um mail que ambos tínhamos recebido mas que eu ainda não tinha tido tempo de ver. Ao querer contar-me, desatou a rir, mal conseguia falar, gargalhando de gosto. Quando conseguiu falar, foi a minha vez de desatar a rir. Sabemos que quem o fez trabalhou afanosamente reunindo trabalhos de outros que devem ter igualmente trabalhado com afã. Mas o resultado era uma coisa tão absurda, tão inexplicavelmente descabelada que não parávamos de rir. Como se descalçam botas assim sem ferir susceptibilidades? Fazendo nós o trabalho deles sem que eles se apercebam que o que fizeram foi direitinho para o lixo?
No fim, concluímos: Enfim...
É que nada mais havia a dizer.
Agora, aqui, já vi mails de trabalho e estou a controlar-me para não continuar a responder e despachar trabalho. Este excesso anda a causar em mim um efeito colateral: todos os meus assuntos pessoais vão sendo protelados. Não tenho tempo, durante o dia, para tratar de coisas minhas. E isto traz-me sempre com uma nuvem de apreensão em cima de mim: o receio de deixar passar prazos, de não fazer o que tinha que fazer. Olho o calendário e está preenchido o suficiente para perceber que nem tão cedo vou ter tempo livre. Uma situação overwhelming.
Praticamente não consegui almoçar. A última reunião da manhã acabou tarde, tinha outra logo a seguir e, pelo meio, tinha que ler uma pasta zipada de documentos complicados, rebuscados e, ainda por cima, em inglês. Ainda estava a mastigar e já a pentear-me, depois a encher um copo de água para a próxima.
E, estando nessa, outra tourada, vi no whatsapp da família que as meninas crescidas estavam tristes, a comentar a morte da Maria João Abreu. Fiquei francamente abalada. Mas tive que deixar a emoção dentro de mim e, por fora, continuar igual ao que estava antes de ver as mensagens.
Vita brevis, tempus fugit. Há qualquer coisa de apelo à lucidez numa morte assim, um apelo para que percebamos quanto somos efémeros e como são absurdos todos os momentos em que desaproveitamos o privilégio de viver.
Nos poucos tempos que tenho livres -- agora só ao fim do dia, quase à noite -- enquanto, andando lá fora, falo com a minha mãe e com a minha filha (o meu filho liga-me mais tarde), vou espreitando as flores. Agora vou ver os vasos que suspendi no gradeamento do terraço da cozinha. Estou desejando de ver se as flores se desenvolvem. Também vou espreitar o 'cágado'. Tenho a impressão que está um pouco mais gordo. Mas deve ser impressão. Fui pôr-me também em bicos de pés, a puxar as folhas da nespereira a ver se baixava a pernada para conseguir apanhar nêsperas. E apanhei uma meia dúzia que comi enquanto falava com a minha filha. A árvore, gigante, carregada delas. Mas tão lá em cima que só de helicóptero. Estão quase boas. As que vejo lá em cima, expostas ao sol, estão mais douradas.
Há cada vez mais pássaros, maiores, mais próximos de nós. Ainda não consegui ir comprar alpista ou milho ou o que for. A gaiola continua de porta aberta mas, como não há lá nada que se coma, nenhum pássaro lá vai dar-me o prazer de se banquetear e, depois, trinar só para mim e, após uma vénia de agradecimento, sair de cena, voando, dançando pelos ares.
Tenho agora aqui à minha frente, na estante que agora tem a televisão em cima, duas fotografias de quando os meus filhos eram pequenos. Não foi assim há tanto tempo. A minha filha manteve muitas das suas feições. O meu filho mudou mais. Talvez seja da barba. Não sei explicar. Olho para eles e lembro-me do que têm vestido, apesar de não se ver na fotografia da minha filha e mal se ver no caso do meu filho. Não sei como passaram tão rapidamente os anos que os números confirmam que passaram. Sorriem para mim. Gosto de estar aqui com eles a sorrirem para mim.
No parapeito do pequeno hall à saída do quarto estão as molduras com as fotografias dos mais pequenos. Passo por lá e olho para cada um. Já cresceram muito desde que as tirei. Mas são tão lindos, tão alegres. E são tão amigos uns dos outros. E isso é o que mais me enleva. Amores do meu coração.
E é isto. Ando sem assunto. Nada tenho a dizer senão estes pequenos nadas que a quem me lê nada devem dizer. Sorry.
Bom dia!
ResponderEliminarNão é só nos grandes tratados que há coisas para dizer. Esses não falam, habitualmente, das correrias do dia a dia, do amor pela natureza, do amor pela família, da brevidade da vida, etc.
Prefiro estes.
Boa sexta-feira e que o 'cágado' continue a medrar.
Não tenho nada de interessante para contar.
ResponderEliminarEntão, porque conta ?
Saibamos tirar algo destas noticias tristes que quase todos os dias nos perturbam.
ResponderEliminarNão quero nem consigo imaginar o sofrimento daquela mae que se "esqueceu" do bebe no carro e foi a correr responder a chamadas do trabalho. Quatro vidas marcadas, desfeitas. Os dois filhos mais velhos compreenderão? Vale a pena correr à frente do tempo?
No caso da atriz, ao que consta, andava a trabalhar demasiado para ajudar filhos, nora e colegas em dificuldades. Aceitou todos os projetos que lhe surgiam, ignorando os alertas, as reclamações do corpo.
Trabalhei 45 anos, e embora houvesse sacrificios e dificuldades, ninguem era obrigado a estar 24 horas disponivel. Nada o justificaria. As novas tecnologias deveriam permitir mais tempo para a familia e facilitar a vida. Não para a pressão em que se vive nestes tempos.
Falo assim porque já não estou no activo, eu sei. Quando digo isto aos meus jovens, dizem-me que estes tempos não se compadecem com horarios.
Se tiver que ser continue com Força e Saude, mas aproveite o fim de semana.
Olá UJM.
ResponderEliminarHoje não resisto a deixar-lhe duas sugestões que sempre procurei ter presentes nas minhas atividades profissionais:
1ª Nada do que nos chega rotulado de urgente é verdadeiramente urgente, ou sequer importante. Apenas o inadiável o é na realidade.
2ª Reuniões? Sim claro, imprescindíveis, mas sempre com agenda e com hora de início e hora de fim (para cumprir). A gestão do tempo é a coisa mais sagrada uma vez que é aquilo que é verdadeiramente nosso e uma vez gasto não é mais recuperável.
Aquele abraço.
PS. Faz-nos muito bem interromper a rotina do trabalho, nem que seja só por 5 minutos, para contemplar a Natureza e observar as pequenas evoluções com que ela nos presentei de dia para dia. Força anímica para continuar.