Foi um dia muito atípico, em parte por razões minhas que agora não vêm ao caso. Felizmente o pé parece que está melhor. Digo que parece porque não vá o diabo tecê-las. Nestas coisas estou a tornar-me supersticiosa: não gosto de dizer que estou bem antes de ter a certeza que estou. Cantar de galo parece que atrai. Às vezes calha-me festejar: há já montes de tempo que não tenho nenhuma tendinite. Pois é certo e sabido que nessa noite ou no dia seguinte estou com uma. Não sei o que é isto mas, por via das dúvidas, faço por manter reserva.
Mas o dia teve diversas componentes com deslocações pelo meio, algum nervoso miudinho e, a seguir, alívio. Ao fim da tarde, uma reunião para a qual fui descontraída. Contudo, ao chegar, faltava o colega que ia acompanhar-me. Sem grande confiança com os outros três, para ali estive a alimentar conversa de circunstância, sem saber o que tinha acontecido ao outro. Finalmente, chegou. E, então, aconteceu o imprevisto: um dos outros tinha um ego maior do que um elefante e o que ia comigo começou a deixar-se picar. Às tantas, a coisa desandou, um a falar alto, outro a dar mostras de não querer ficar-se atrás, um a querer fazer-se ouvir e o outro a querer falar por cima, um a teimar e o outro a dizer que ele estava a ver mal as coisas. Um crescendo. Ao assistir àquilo ocorreu-me: mas porque é que tenho que estar a aturar isto? E pensei: e se disser que, por mim, a reunião acaba aqui? Imaginei a surpresa que se abateria sobre eles e o conflito 'diplomático' que iria causar. Não, acabar a reunião, não poderia ser. Mas fiquei, durante um bocado, a pensar que alguma coisa tinha que fazer. E fiz. Ouvi-me a falar em tom seco, a pôr ordem na mesa, a passar por cima da briga que estava ali a armar-se. Calaram-se, ouviram-me. Quando acordámos nos próximos passos, acabei a reunião um bocado abruptamente. Vi que ficaram como que atrapalhados com a forma como atalhei a conversa e terminei a reunião. Estava francamente impaciente. Há pessoas que têm o dom de levar o seu feitiozinho pessoal para ambientes em que o que interessa é de ordem profissional, criando um desnecessário mau ambiente. E há os que se deixam picar e acham que devem dar o troco, quando tudo é escusado e desconfortável. Isto acontece sobretudo com homens. Nestas circunstâncias, achando-se os maiores, são, na prática, uns bobalhões.
A reunião durou mais do dobro do tempo previsto para chegarmos a conclusões a que poderíamos ter chegado ao fim de meia hora.
Durante a reunião, recebi duas chamadas uma das quais de alguém que queria comentar comigo a reunião da véspera. Começa a estar impaciente e a perceber a minha impaciência. Disse-me: não estou disponível para ter reuniões daquelas em que aqueles dois não abrem a boca. Disse-lhe: concordo, mas o que podemos fazer? Ele, furioso: não sei mas alguma coisa temos que fazer. Está na altura de uma remodelação ministerial e aqueles vão borda fora. Fiquei calada. Num mundo ideal, seria o aconselhável. Mas, num mundo real, não sei como. E o que for terá implicações e provavelmente não muito agradáveis.
Estas coisas, de tão permanentes e intensas, por vezes abatem-se sobre mim como uma carga pesada demais. Mas depois vem outro dia e depois outro e outro. E, assim, os dias vão passando.
Ao início da tarde, acabada de chegar da rua e de ter tomado banho, já a correr para a primeira reunião da tarde, ouço tocar furiosamente à porta. Fui ver. Era dos CTT. Uma caixa na mão e o meu nome gritado do portão. Confirmei. Eram os livros e o sabonete. Só quando cheguei a casa é que reparei que não tinha posto máscara. Mas, enfim, foi na rua e o senhor estava de máscara.
Levei o sabonete e coloquei-o numa mesinha pequenina que está ao lado da pequena secretária onde faço as minhas reuniões. Assim, agora, quando estiver a ouvir discutir, a aturar chatos ou troca-tintas, estarei a sentir o cheirinho bom do sabonete. Amanhã a ver se vejo a composição para perceber de onde vem aquele perfume tão fresquinho e tão inocente.
Há bocado, ao fazer uma tangente à parte final de um noticiário, ouvi que hoje é daquelas luas grandes e ensanguentadas, ainda por cima, a jogar às escondidas com os lunáticos. Fui lá fora. O jardim às escuras, apenas com as pequenas luzes dos muros, fica meio misterioso. Há sombras, há segredos.
Não a descobri. Ainda pensei dar a volta à casa a ver se estaria do outro lado mas temi acordar os pássaros e sobretudo temi que, se eles se soltassem das árvores, apanhasse eu um susto dos grandes. Os pássaros dormem no interior das copas das árvores, nas conchinhas dos troncos, não é? Não sei mas imagino que sim.
No outro dia estava a espreitar para dentro da cameleira a ver se ainda havia por lá restos de flores. Como sempre, ando em silêncio. Quando afastei um ramo para ver melhor, um súbito e violento adejar, toda a folhagem a acompanhar o susto dos pássaros, eu a quase dar um salto para trás. Nessas alturas arrepio-me toda. Já deveria saber que são pássaros e que os pássaros são inofensivos mas assusto-me como se houvesse o risco de sair de lá um monstro. Uma irracionalidade.
E agora estou a ver o House, um dos pontos altos destes meus dias. Gosto de ver a inteligência materializada. É estimulante.
Tendo a perdoar a insolência à conta da inteligência. É um dos meus pontos fracos. Ponham-me um inteligente pela frente e tenderei a perdoar-lhe tudo. Ponham-me um burro ou um parvo e não lhe tolerarei nem a respiração.
Mas adiante que se faz tarde.
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Querem ver este vídeo?
Quando aqui chego ponho-me a ver coisas assim e também me sinto muito bem
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Eu que, enquanto andava na escola, odiava botânica (que está para a natureza como a gramática está para a literatura) agora maravilho-me com tudo o que seja planta. Obtive as fotografias num artigo sobre Botanical Wonders.
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Dias felizes
Love 💕
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