segunda-feira, maio 31, 2021

O interesse atónito que o mal inspira numa alma nobre

 



Continuo quase sem ver televisão, em especial notícias. Não consigo. Há futilidade, leviandade, tendência para o alarmismo e para a maledicência. Portanto, ando um bocado por fora do que por aí se passa. Obviamente, se passo pelos Chegas, pelos Rios, pelos zeros que por aí pululam, fujo a sete pés. Não sou de comer o que me dão a comer. 

E ultimamente pouco encontro que me dê vontade de comer (televisamente falando, claro). Por isso, lamento mas sobre a actualidade pouco ou nada tenho a dizer. 

Tragam-me caminhos por entre recantos desconhecidos, escaladas até mosteiros abandonados no alto de cumeadas, tragam-me quem saiba encantar flores, quem saiba dançar com melros, quem saiba bordar de olhos fechados, quem invente histórias nunca acontecidas, quem guarde segredos em grutas invisíveis. Isso, eu veria de bom gosto. Agora o resto... Não, obrigada.

Se ontem foi um dia entre o campo e as pinturas e a visita à minha mãe, eu com a mobilidade bastante condicionada, este domingo o dia foi mais descansado, de perna no ar, gelo, agora já não o pé mas o joelho empanado. Não sei se esforcei alguma coisa sem dar por isso, se tenho mesmo uma perna mais curta que provoca desequilíbrio nas cargas, se são sapatos cambados em piso irregular, isso não sei. Sei que não estou bem.

Mas tive a visita de quem traz alegria, boa disposição, risos. Desta vez não fui eu que preparei o lanche. Os meninos a queixarem-se de fome, a minha filha a dizer que ia ajudar mas o chef que não, que dava conta do recado. O menino mais crescido já dizia: o avô deve estar a fazer ciência...

Mas, finalmente, lá apareceram os comes e os sumos e foi tudo apreciado. E o avô ficou contente por ter cumprido. E a minha filha trouxe uma deliciosa tarte de amêndoa. E comeram mini-geladinhos. E eu gosto imenso de vê-los em volta da mesa, com apetite, conversando, rindo. 

Não me juntei a eles, claro, mas só de observá-los já me dei por feliz.

E jogaram à bola, e vólei e raquetes e fizeram palhaçadas e eu, apesar da minha condicionante e misteriosa lesão, estive a vê-los de gosto. Sempre uma fonte de vitalidade, todos eles.

Esteve um calorzinho bom. Envoltos em verde e flores, cercados pelo canto dos passarinhos, estivemos felizes da vida.

Antes de terem chegado, estive a ler um livro cujo prefácio me agarrou. Jorge Luis Borges fala com admiração e estima de Silvina Ocampo. Desse prefácio extraí o título deste post. Depois, entram os contos e, a começar, a lebre dourada.

No seio da tarde, o sol iluminava-a como um holocausto nas gravuras dos escritos sagrados. As lebres sã todas diferentes, Jacinto, e não era a pelagem, acredita, o que a distinguia das outras lebres, não eram os seus olhos de tártaro nem a forma inusitada das orelhas : era algo que ia muito além daquilo a que nós, homens, chamamos personalidade.

(...)

Os cães desataram a correr e a lebre ficou imóvel por um instante «, sozinha, no meio do prado. Mexeu o focinho três ou quatro vezes. como se farejasse um objecto afrodisíaco. Deus, ou alguma coisa parecida com Deus, chamava por ela, e a lebre, talvez revelando a sua imortalidade, fugiu num único salto. 


E é isto. Os vasos foram regados mas não fui eu que os reguei e as nêsperas estão dulcíssimas mas também não fui eu que as apanhei. 

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 As pinturas são de Kanō Hideyori e vieram ouvir a Cinematic Orchestra com Patrick Watson a interpretar To Build A Home 

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Partilho ainda um vídeo muito bonito, o género de coisas que gosto de ver

Dance With Life

Even if you can't or don't want to leave your comfortable urban life, get out there and be wild every now and then. By regularly doing that, you will be reminded of how much nature means to us, how much solace it can bring, how much joy and peace and hope.   You will be reminded of how deeply we are connected to all living things.  Dance with life!


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Uma boa semana a começar já por esta segunda-feira.

Saúde. Boa disposição.

3 comentários:

  1. Dona UJM há um profissional que eu aconselho e que se chama reumatólogo.

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  2. Cara UJM;
    Como diz acima o "Anónimo" pode ser reumatismo, mas.... também pode não ser.
    Consulte-se com um médico do desporto. Acredite que fazem milagres, tive um (milagre) na família faz uns anos. Abraço e cuide-se.

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  3. Olá Anónimo e Caro Corvo Negro,

    Sim, quero consultar um reumatologista e essa de consultar um médico de desporto também é uma ideia. Contudo o meu mal, que não é inédito em mim, parece ser misterioso e, na volta, há mesmo qualquer coisa óbvia (uma perna mais curta como o Amofinado sugeriu?) a justificar o que os exames mais sofisticados não têm revelado.

    Se eu não fosse eu -- e não presenciasse e vivesse as dores, os inchaços, a incapacidade -- diria que é invenção. Um mal que aparece do nada e que, do nada, muda de sítio com igual ou maior intensidade...?

    Estive agora a procurar um médico do desporto (nem sabia que havia essa especialidade) e, vendo o CV de um que trabalha num lugar que até me daria jeito, até tenho vergonha de lá ir: não faço atletismo, ginástica, andebol, etc... e vou lá...? Não dirá que sou maluca...?!

    Enfim...

    Agora uma coisa é certa: agradeço o vosso cuidado e simpatia.

    Abraço. E dias felizes.

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