segunda-feira, março 22, 2021

Os invencíveis tardígrados

 



Para o almoço, tinha pensado fazer bacalhau à Brás porque tínhamos descoberto, na despensa, um saco de batata palha. Afinal verifiquei que o saco era pequeno, batata palha gourmet e, portanto, como geralmente acontece com as coisas gourmet, insuficiente. Então fiz metade à Brás e metade à Gomes de Sá. Claro que toda a gente prefere à Brás. 

Ao jantar comeram resto do cozido à portuguesa de ontem, todos excepto eu que comi fruta e queijo. Como sei que eles são uns gulosos, para a sobremesa, para além da fruta, tínhamos bolachinhas e biscoitinhos. Não deve ser, bem sei. Mas, como todas as avós que são casos perdidos, também eu acho que, logo que regressem ao seu habitat natural, retomarão a dieta adequada. Agora é como se fossem dias de festa. O pior é que tenho a mesma condescendência também para mim. Não vou passar sem uma dieta das valentes o que é um desgosto. 

De tarde fomos passear. O meu marido ficou em casa, certamente deitado no seu sofá, certamente a ver futebol, sossegado da vida. Vão, vão, disse ele. Fomos aqui perto, muito perto. Já tinha estado ali pelo menos três vezes e, no entanto, não tinha visto aquele bocado tão bonito, tão tranquilo e tão verde. Quando se pensa que se conhece uma coisa, um lugar ou uma pessoa geralmente algum tempo depois percebe-se que não conhecemos nem um bocadinho.

A minha filha fotografou-nos. Em algumas fotografias quase desapareço atrás dos rapazinhos, de tão grandes que estão. 

Também estive a ajudar o mais crescido com a matemática: funções e equações. Não estava muito bem. Queixa-se que não gosta muito das aulas online, que não gosta de prender a aula com dúvidas, diz que se fosse ao vivo seria mais fácil. Não sei se é mesmo isso, se é desculpa. À-vontade não lhe falta pelo que acredito que seja mesmo o que diz.

No outro dia foi a vez do mais novo ser entrevistado pela escola: escolheram uns quantos para se pronunciarem sobre a escola online. Estava no meu canto, gosta muito de lá estar. Como não tinha nenhuma reunião àquela hora, cedi-lho. Ouvi-o a falar durante bastante tempo. Gosta de ter aulas assim mas tem saudades dos amigos, gostava de regressar.

Uma vez mais, hoje não vi notícias nem comentadores. E, ao vaguear pelos nossos jornais e pelos outros, só uma coisa despertou a minha atenção. Ando niquenta, de má boca. Nada me diverte, nada me interessa. E desta vez nem foi uma notícia, foi uma fotografia. Enfadada que ando com a seca que são notícias fabricadas, requentadas, reprocessadas, gastas e chatas, é com coisas um bocado do além que me entusiasmo. Mas é um entusiasmo qb pois não tive paciência para ler na íntegra a notícia que acompanha a fotografia. Fiquei foi a pensar na estupidez e na arrogância ignorante de quem se acha o maior ou por ter um grande sucesso profissional ou por ganhar rios de dinheiro ou por ter lido tudo o que há para ler ou por ter nascido destituído de bom senso e acha que o que sabe é tudo o que há para saber. Como se isso os protegesse dos excessos de temperatura, de pressão, de ataques de tosse, de covid e de toda a espécie de adversidades. Qual nada... basta uma coisa de nada para o mais poderoso do mundo cair para o lado e bye bye minhas encomendas.

E depois vem um bicho que mais parece um coiso que um bicho, um coiso insuflado, um coisa saído da imaginação de um qualquer pintor maluco ou um autor de BD e que, não senhor, não é ficção coisa nenhuma, é real e bem real e que, em cima disso tudo, ainda é resistente para caramba. Anda por aí a ser levado para o espaço para ver a quanto resiste e, com aquele aspecto, há-de resistir a tudo. 

E, portanto, daqui por algum tempo não nos admiremos quando percebermos que o romantismo lunar foi irremediavelmente carcomido por tardígrados. Por enquanto, conhecem-nos como milimétricos mas, quem nos garante que não?, um dia destes desatam a crescer e viram monstros devoradores, ocupam planetas, ocupam ovnis, ocupam toda o vasto universo e aparecem-nos de volta para se rirem de nós e, no fim, comem-nos. Cara para isso têm eles.

A quem tenha disponibilidade, recomendo a leitura do artigo do Guardian sobre esta invencível criatura: Tardigrades: nature's great survivors (The microscopic animals can withstand extreme conditions that would kill humans, and may one day help in the development of Covid vaccines. How do they do it?)

E a todos os machos-alfa ou fêmeas alfa, beta, gama ou delta que por aí ainda andam ou a todos os intelectuais de pacotilha ou aos políticos de meia tigela que gostam de se armar ao pingarelho o que tenho a recomendar é que, de cada vez que se achem os maiores, se ponham ao espelho e avaliem o quanto ainda lhes falta para serem tão bons como os bravos coisinhos insuflados, nomeadamente quanto dariam para terem uma boquinha de ventosa assim como a deles. Que beijocas mais boas que haveriam de dar, não era...? 

Tardigrades Are the Toughest Animal on Earth that can Survive Space and Volcanoes

Tardigrades, also known as water bears or moss piglets, are the toughest and probably the weirdest animal species on Earth. Tardigrades are eight-legged micro-animals that can withstand just about anything, from mass extinctions to the vacuum of outer space, to the pressure of the Mariana Trench, the deepest point on Earth, and radiation 1,000 times stronger than humans can handle


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Tenho a confessar que a Arpi Alto está aqui a interpretar Sareri Hovin Mernem apenas porque sim e não porque tenha cara de tardigrada ou porque o que canta sirva para embalar coisos insuflados

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E, para que não pensem que estou numa onda gótico-tremendista, partilho um outro vídeo que é daqueles bons, zen, meditação no seio da natureza

Encontrando a conexão

What we are truly lacking is a connection with the wild world and its rhythms.  Grant takes us out into the Cape Floral Kingdom, where we kick off our shoes and walk barefoot on the earth, touch the bark of a tree, watch a spider spin a web, listen to the birds singing in the branches above.  We reawaken our senses. 

So no matter where you live, get out there and be wild every now and then.  You'll find connection again. 

Filmed in the Cape Floral Kingdom, South Africa.

[No vídeo dá para pôr legendas em português]


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Desejo-vos uma boa semana

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