Se eu viver até depois dos cem e me mantiver assim, dada a escrever como se não houvesse amanhã, talvez possa ir reportando, na primeira pessoa, como é que, no mundo ocidental, se consegue viver sem fim à vista.
Por enquanto, o que tenho mais próximo disso é o que os japoneses que se esquecem de morrer fazem para o conseguir.
É certo que também tenho o exemplo da minha mãe que, ao falar comigo, refere que já não vai para nova ou que não gosta de ir aos Correios em algumas alturas do mês (não me perguntem quais) porque, segundo ela, aquilo está cheio de velhos (sic). E tem razão em falar assim já que a ente olha para ela e dificilmente a inclui na faixa etária dos 'velhos'. É totalmente autónoma, totalmente na plena posse das suas faculdades, tem ideias, projectos (pintar os muros do jardim, renovar a decoração do quarto, trocar de sofás -- coisas assim). E tem, até, um certo ar jovial. É um facto que, volta e meia fica ansiosa por coisas de nada, um estado de nervos que quase contagia, liga-me quase em pânico com coisas de nada. Mas isso, admito eu, deve ter a ver com o facto de ter convivido durante uma dúzia de anos com a situação periclitante do meu pai, sempre vigiando sintomas, sempre angustiada ao ver o seu lento declínio e ao constatar como estava indelevelmente (ainda que por inteira vontade própria) aprisionada junto dele. Foram anos que abalariam o sistema nervoso de qualquer um. Portanto, até acho que até muito resistente deve ela ser. Além disso, durante todos esses anos ela tinha uma ocupação a tempo inteiro, uma ocupação que ocupavam todas as células do seu corpo. Com a morte do meu pai, desapareceu-lhe esse propósito, essa missão a que se tinha entregado de corpo e alma. Não deve ser fácil. Por isso, dou desconto àqueles seus ataques de ansiedade... até porque, em regra, duram pouco. Eu dou-lhe um banho de racionalidade e ela, reconhecendo que tenho razão, acaba por 'ir ao sítio'.
Se pensar no que a ela a mantém assim, fisica e mentalmente bem, penso que se deve a uma alimentação equilibrada e saudável, a manter-se activa quer a nível físico (trata da casa e do jardim, faz caminhadas) quer a nível intelectual (lê, frequenta aulas na universidade sénior), a fazer tricot ou crochet, a conviver e a gostar de viver. Se não tem nada que fazer ou se o tempo está mau e não sai de casa, vai-se abaixo, queixa-se de dores nas pernas, mostra-se aborrecida. Mas tendo programas de festas e saindo, fica fresca e pronta para as curvas.
De vez em quando, se se queixa de que tudo lhe chega, insurjo-me, que não tem razão para dizer isso. O que é que lhe chega? De que é que se queixa?, pergunto-lhe. Diz que não queria, às vezes, ter dores nas pernas ou coisas assim. Pergunto-lhe se queria chegar à idade que tem, já tão perto dos noventa, e estar como se estivesse dezoito. Digo-lhe que deveria era dar graças por estar tão bem,. Tão bem... -- discorda ela. Sim, tão bem -- insisto. Pronto, está bem - despacha-me ela.
Se virmos os vídeos abaixo sobre comunidades japonesas onde as pessoas galgam os cem como se não custasse nada, e que aos noventa e tal ainda fazem ginástica a dançam, o que se vê não é nada de extraordinário. Limitam-se a não complicar, a não inventar motivos para stressar, a não se empanturrarem, a manterem-se fisicamente activas, a manterem-se em contacto umas com as outras. A socialização é importante tal como é importante uma pessoa não se deixar ficar sentada à espera que a morte a vá buscar.
Tenho para mim que é condição necessária (embora, infelizmente, em alguns casos, não suficiente) para uma pessoa viver bem até provecta idade que queira viver, que goste de viver.
Também penso que o contacto com a natureza também é relevante, uma fonte de saúde e de felicidade.
Four Japanese rules to live past 100
Bom dia! Obrigada pelas 'lições' de vida, aparentemente simples e boas, num texto que, como sempre, se lê como em feliz caminhada ao ar livre. E esta foi até ao Oriente.
ResponderEliminarParabéns à sua mãe e pela vida maravilhosa, graças ao amor à vida. O meu pai era semelhante e também se queixava que à mesa do café só havia velhos com conversa de velhos. No entanto, ele era o mais velho. Um dia, no Centro de Saúde, teria ele uns noventa anos, disseram-lhe que era um 'velhinho simpático'. Foi a pior coisa que lhe podiam ter dito e vi que lhe estragaram o dia.
Bom fim de semana e início de boa primavera!