Vou fazendo contas de cabeça. Tento adivinhar a data em que voltarei a passear, a receber visitas. Penso: fins de Abril, Maio. Estando bom tempo, poderemos estar na rua, quase nem usar máscara. A minha mãe há-de estar vacinada, algures no tempo nós dois haveremos ser vacinados, todos o seremos. Voltaremos a sentar-nos em volta da mesa, talvez não nos sentemos em mesas separadas, talvez não sintamos necessidade de estar a milhas uns dos outros. Pelo meio aparecerão variantes tailandesas, eslovacas, congolesas. As vacinas irão sendo adaptadas. Aos poucos iremos voltando a uma quase normalidade.
É nisto que penso enquanto estou aqui fechada, trabalhando de manhã à noite, cercada de chuva, de mau tempo, de frio. A terra do jardim está ensopada. Não se consegue andar, chove em permanência uma chuva miúda, as árvores pingam, pingam. Estava, à tarde, sob o alpendre a comer uma laranja quando ouvi correr água como num cano. Olhei admirada. A água corria no algeroz e caía copiosamente no tubo que desce por um dos pilares.
Às tantas vi uns pontinhos brancos na árvore que tem os ramos nus. Fui a correr buscar a máquina para fotografar. A primeira flor da amendoeira. Que alegria. Que boa notícia. E outras se anteveem. O constante devir, o permanente milagre.
E é isto. Debaixo da invernia, adivinha-se já a chegada da primavera. A natureza continua os seus ciclos, indiferente às agruras que os estúpidos humanos infligem a si próprios. Esta continuidade são o chão que, queiramos ou não, pisamos.
E depois virá o verão, os tempos quentes e secos e esquecer-nos-emos destes dias sombrios, escuros, tristes. Estarei ao sol, saber-me-á tão bem, sentir-me-ei mais viva. Sentir-me-ei mais mar, mar de terras quentes, mar de aventuras e perdições. Fecharei os olhos e irei ao saber das marés do pensamento. Talvez adormeça ao sol, os pássaros cantando e eu mergulhada naquele doce abraço que sabe a eternidade. Depois acordarei, a pele agradada pelo calor, abençoando o prazer de estar viva.
Durante o dia, pelo telefone chegam-me algumas boas notícias mas também problemas. Hoje uma pessoa, contando que lhe tinha entrado no gabinete uma pessoa a chorar (há quem não possa estar em teletrabalho), desatou também a chorar. Interrompeu, ouvi uma respiração funda. Depois disse-me: 'Desculpa. Hoje estou com um estado de espírito macabro'. Pessoa sempre animada, pessoa forte. E, agora, isto.
Pelo meio, vou recebendo mensagens da família, fotografias dos meninos. Por vezes estou a meio de reuniões, ouço o sinal de uma mensagem a chegar. Se consigo, espreito. Às vezes fico com pena de não poder meter-me na conversa. Apetecia-me enviar sorrisos, corações. Mas comporto-me. Limito-me a pensar que não tarda estamos na primavera, depois no verão. E que, talvez, no outono já nos sintamos livres.
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E um poema a condizer com a cinzenta tristeza que tem vestido estes dias
Mario Benedetti - Te Espero
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As fotografias foram feitas aqui em casa, enquanto chovia.
Não sabia que título dar a este post. Hesitei entre 'wonderful world' ou em extrair do poema de Mario Benedetti o início do poema. Achei esta segunda hipótese mais deslocada do conteúdo do texto mas bonita.
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Desejo-vos um dia cheio de luz, mesmo que chova todo o dia.
E "cependant" a UJM dá o gosto ao dedo e escreve estas coisas maravilhosas.
ResponderEliminarUm belo dia.
QUADRA #3: Um Jeito Manso, / o Poeta anal / também, às vezes, / é vaginal...
ResponderEliminarQUADRA #4: Virus Corona, / depressa sai / e vai pra c... / de tua mãe!
ResponderEliminarOs meus "avós avós" falavam da pneumónica
ResponderEliminarOlá Francisco,
ResponderEliminarTento... tento... mas não estou certa de que consiga...
Os dias estão tão escuros, chuvosos, frios, desagradáveis, tristes. O tempo assim atrofia-me. E estar fechada em casa não ajuda muito. Mas é o que é. Há que aguentar e esperar que passe, não é?
Abraço, Francisco! Dias cheios de luz para si.
Olá, Poeta
ResponderEliminarAinda bem que o Poeta Anal,
afinal,
para além de anal
também é vaginal.
#E viva Portugal#
ResponderEliminarCorona, corona,
19, 19
Vai mas é ver
se chove
#covid#ide#ide#
ResponderEliminarOs meus "avós avós" falavam da pneumónica
e os meus ""avós avós avós avós avós avós avós avós avós avós avós avós" falavam da bubónica.
#viva a poesia ónica#