sábado, janeiro 16, 2021

Um montão de gente, um mar de fogueirinhas

 




¿Qué poemas nuevos fuiste a buscar?
Una voz antigua de viento y de sal
Te requiebra el alma y la está llevando
Y te vas hacia allá como en sueños

As calças são quentinhas, pretas. Umas meias pretas bem quentes a ver se mantenho os pés quentes. Não tenho pantufas. O meu marido diz: tens tantas porcarias... mas depois não tens as coisas mais vulgares. Nunca quis usar pantufas. Agora, nestes dias frios, sentada durante grande parte do dia, se calhar umas pantufas davam jeito. No outro dia, quando fui a decathlon andei a ver se descobria alguma coisa que pudesse servir de pantufas. Debalde. O meu marido sugeriu umas botas para a neve. Nem dei troco. O mais adequado que encontrei aqui em casa foi uma espécie de chinelos ou tamancas, nem sei classificar, em que a parte de cima é de feltro. Mão sei como vieram cá parar -- ou melhor: como foram parar à outra casa. Se calhar, alguém achou que era coisa de que eu precisava e me ofereceu, talvez há cinquenta mil anos. Guardei. Vieram, pois, da outra casa. Novas. Então é isso que tenho calçado. 

Mas isso é da cintura para baixo. Da cintura para cima é outra loiça. Cuido do que se vê na videoconferência. Faço um smoky nas pálpebras superiores, ponho um gloss nos lábios. Uma blusa quentinha, com gola larga, descaída. Toda branquinha. Por cima, uma espécie de túnica em jersey de lã, também branca mas com umas e outras flores em rosa e verde. E uns brincos brancos. 

A meio da tarde, estava sem reuniões e vi que estava sol lá fora. Então, peguei no computador e fui. Estava um calorzinho bom. Comecei por tirar a túnica. Calor ao sol. Tirei a blusinha de baixo. Fiquei só com o top de licra de alcinhas, branquinho, claro. E ali estive bem um quarto de hora. Soube-me que nem ginjas. E foi vitaminha d, directinha. Dizem que combate o corona. Pode ser.

E ainda fui a correr a casa buscar a máquina: as rosinhas em volta do pinheiro estavam radiantes, doidas de luz e alegria. De todas as cores. Um milagre ou uma coisa mágica, nem sei como definir. Perfumadas, perfumadas. 

E ainda há flores na buganvília, vibrantes de lindas.

Quando entrei em casa, tive que vestir tudo rapidamente, estava bem mais frio que na rua, ao sol. Fiquei rapidamente apresentável.

À hora de almoço veio cá a anterior proprietária. Ao ver a laranjeira, disse: São doces, não são? E contou-me que fazia laranjas às rodelas caramelizadas. Com açúcar mascavado, disse ela. Eu, que adoro tudo o que tenha a ver com laranjas, incluindo as próprias laranjas, fiquei logo com vontade de fazer. Mas não tenho açúcar mascavado. Nem pau de canela. Ela não disse mas imagino que fique melhor com pau de canela. E talvez com um cheirinho de ginja de óbidos. Não sei como dar a volta ao texto mas a laranja caramelizada não me sai da cabeça, em especial a casca. Casca de laranja caramelizada deve ser uma maravilha. E comer um pouco de chocolate preto ao mesmo tempo...? Caraças, deve ser insuportável de bom.

Estava sem saber o que fazer para o jantar. No outro dia, no supermercado, resolvemos trazer uma piza congelada. Ao escolher, vimos uma caixa que tinha duas. Vegans. Pensei que era bem pensado. Como deitámos fora a caixa, não vi que ingredientes tinha. De certeza uma base de espinafres e também cogumelos. Mas tinha outras miudezas. Então fiz assim. Aqueci bem o forno. Entretanto, sobre folha de papel de alumínio, parte brilhante em contacto com o alimento, coloquei a piza sobre. E mandei o vegan às malvas. Sobre o que estava, coloquei uma farturinha de mozarela ralada. Depois cortei a ponta de uma alheira e espremia-a colocando o recheio, aos bocados, sobre o queijo. Depois, tinha tomatinhos cherry e coloquei-os às metades. Polvilhei com orégãos, reguei com fio de azeite e fio de mel. Foi ao forno, na posição calor em cima e em baixo a 170º. Quando vi que já estava com ar quase cozidinho, mudei para a posição grill e dei-lhe o toque final. 

Digo-vos. Estava mesmo boa. Acompanhámos com salada de alface. No fim um diospiro. E, por cima, um quadrado de chocolate negro com caramelo. 

Quando acabar esta brincadeira da covid devo estar uma bolinha. 

O que me vale é que, quando cometo destes deslizes, intercalo com um jantar só à base de chá e fruta. Uma maçada isto de uma pessoa estar naquela idade em que tudo o que come de bom se transforma em peso a mais. Não sei quanto peso mas, cá para mim, já devo estar, outra vez, nos sessenta. Anos e anos a fio com cinquenta e um. Depois, mais tarde, cinquenta e cinco. Depois, upa, upa, cinquenta e sete. Cinquenta e oito, estaria bem. Mais do que isso, já há pneu no pedaço. Nem me peso para não ter dissabor.

Quanto ao resto, campanha presidencial, números covid, confinamento, nada a dizer: mais do mesmo. Tudo muito pouco entusiasmante. 

Pouco entusiasmante é também o estado em que estão os hibiscos e a trepadeira que no verão dá copos bonitos: tudo com as folhas murchas, cozidas, queimadas. Frios excessivos pela madrugada. Disse-me a anterior proprietária que, quando vinham frios assim, cobria arbustos e vasos com uma tela que deixa passar a luz mas protege do frio. São sensíveis estas belas flores. Claro. A beleza é sempre dada a sensibilidades. Tenho que tentar descobrir onde se arranjam essas telas. Ela arranjou-as no Jardim Botânico da Ajuda. Mas agora, confinados, duvido que esteja aberto. Será que no Leroy...? Tenho que explorar. Quando desconfinar.

A perspectiva de mais um fim de semana sem família, sem nada que fazer, é uma coisa muito estranha. A ver se consigo aproveitar o tempo livre. De tudo o que tenho dificuldade em aprender, isto é onde me estampo mais ao comprido. Não aprendo nem por mais uma. Pelo menos, a ver se consigo pegar num livro. Que coisa mais absurda.

Parece que não sei fazer a coisa mais básica: aproveitar o tempo. No fundo, aproveitar a vida por mim própria. Simplesmente isso.

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Cada pessoa brilha com luz própria entre todas as outras. Não existem duas fogueiras iguais. Existem fogueiras grandes e fogueiras pequenas e fogueiras de todas as cores. Existe gente de fogo sereno, que nem percebe o vento, e gente de fogo louco, que enche o ar de chispas. Alguns fogos, fogos bobos, não alumiam nem queimam; mas outros incendeiam a vida com tamanha vontade que é impossível olhar para eles sem pestanejar, e quem chegar perto pega fogo.

Eduardo Galeano - O mundo


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E que o sábado vos seja bom
Saúde. Alegria,

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