Trabalho em casa e trabalho em contínuo e penso muitas vezes como é possível que, não gastando o tempo que antes gastava em percursos de carro, tantas vezes em filas lentas, que gastava em almoços em restaurantes, não consiga que agora esse tempo reverta para mim. O trabalho invade a minha vida e eu não tenho conseguido inverter esta absurda tendência. E isso intriga-me e incomoda-me.
Hoje, à hora de almoço, fomos comprar pellets. Foi um tempo extra que gastámos. Por isso, almoçámos um pouco mais tarde. E esse pequeno atraso foi o suficiente para que tenha tido que trabalhar até às oito.
Fiz assim: num copo alto coloquei azeite, uma quantidade razoável de salsa e coentros, um pequeno dente de alho, raspa de lima, um pouco de sumo de limão, um pouco de mel. Bati. Formou-se um creme verde. Despejei sobre os lombos de atum que tinha colocado num prato fundo que ficaram submersos.
Voltei ao trabalho. Tempo de definir objectivos, área a área. Por volta das oito interrompi. Fui ligar à minha filha. Depois pus batatas a cozer. Fui ligar à minha mãe. Quando dei por ela já eram quase nove. Fui ver a duração de cada telefonema a tentar perceber como tinha passado tanto tempo. Vinte e quatro minutos exactos com a minha filha, vinte e quatro minutos e doze segundos com a minha mãe. Fui, então, acabar o jantar.
Deitei fora um pouco da água das batatas cujo lume tinha desligado quando vi que estavam cozidas. No entanto, deixei parte da água. Juntei um pouco de azeite, um pouco de manteiga e orégãos. Esmaguei grosseiramente com um garfo. Esmagada de batata.
Numa frigideira, coloquei um pouco da emulsão e aqueci-a. Quando estava quente despejei o conteúdo do prato: os lombos e a emulsão da marinada. Um minuto de cada lado. Pronto.
Acompanhámos com salada de canónigos.
Esforço-me por não pensar que pode passar um mês sem que possa estar com os meus filhos, com os meus netos. No meu íntimo, optimista em qualquer circunstância, acredito que sim, que talvez possamos. Não sei como mas pode ser que sim, logo se vê. E, se não puder, também acredito que passará num instante.
Vamos entrar em confinamento e obviamente era inevitável. O sistema de saúde está a rebentar pelas costuras, em gestão de catástrofe, a ter que se escolher entre quem tem probabilidades de se safar e quem talvez não se conseguisse safar. O drama nisto é que não afecta apenas os covides. Afecta os que, por qualquer outro motivo, tenham a pouca sorte de ir parar ao hospital. Não há camas, não há pessoal, não há equipamento. A única solução é fechar as pessoas em casa e esperar que se conservem saudáveis até que a onda abaixe a crista. Não foi à toa que comecei a ficar preocupada em Setembro e Outubro. Com o frio a aproximar-se, a malta mais em espaços fechados, sem que o teletrabalho tenha sido de imediato decretado como obrigatório (sempre que possível de se realizar remotamente), com a curva a empinar como vi que estava, tinha tudo para se chegar onde se chegou. Não há mistérios: branco é, galinha o pôs. Muita gente vai ainda morrer e muita gente vai padecer, e muito, e muita gente ficará com sequelas.
Continuo a dizer que deveria haver campanhas frequentes a explicar que usar máscara não é sinónimo de usar o nariz de fora, nem usar dias a fio a mesma máscara, nem lavar a máscara de papel. As televisões deveriam dar o exemplo do que é o comportamento admissível pois, segundo me diz a minha mãe, fazem o oposto: diz ela que é frequente em alguns programas da manhã e não sei se da tarde, estarem todos bem próximos uns dos outros, tudo sem máscara, tudo a falar e a rir, partilhando os coronas que estejam disponíveis para a suruba.
O mais estranho nisto é que, ao fim de um ano, ainda não se saiba o que há em algumas pessoas que as faça vítimas indefesas às mãos do corona. Tanta ciência, tanta investigação e estamos na mesma: sem saber o que faz com que uns caiam que nem tordos e outros não estejam nem aí.
Talvez possa apenas dizer que, hoje, ao tentar descobrir o que vestir para uma reunião, preferencialmente em tons cinza claro e, sobretudo, quente, fui dar com um colete de pele não sei de que animal, só sei que é macio e platinado, um colete muito bonito e elegante, sem mangas, justinho, com gola levemente subida, que aperta à frente com uns colchetes. Deu-mo a minha filha pelo natal, talvez há uns mil anos. Em escritórios aquecidos, mal tinha oportunidade de o usar. Como hoje tinha uma blusa em cinza claro, ficou mesmo bem. Com uns brincos de pérola e um colar de pérolas junto ao pescoço, ficou elegante. Eu, pelo menos, gostei. Aproveitei para pôr nos lábios um lipstick que ela me deu pelo natal, um rouge muito rouge. Fiquei completamente outra.
E é isto, nada mais que isto. Uma limitação. Ainda hei-de aprender a transformar a aridez destes meus dias em dias de sonho, dias bons, dias dourados, dias em que tenha coisas boas para dizer.
Limito-me a partilhar um vídeo que penso que já aqui partilhei mas que acho lindo. O que é bom é para se ver, dizia-se dantes. Não sei se ainda se diz.
Biomimicry
Esses lombos de atum, faço ideia, uma categoria...!
ResponderEliminarE estes dias tão gelados que passámos? Aqui no meu sítio -5ºC terça e quarta às 8 e tal da manhã. Agora já vai aquecendo, felizmente.
Happy days!
A proposito de “reunião numa sala fechada”, talvez fosse boa ideia aligeirar nesta altura as reuniões de condomínio, as quais acontecem às centenas de milhares durante este mês, nomeadamente em termos de participação. São reuniões muito intensas, muitas em locais não apropriados, onde existe tudo menos serenidade.
ResponderEliminarOlá Francisco,
ResponderEliminarFrio, frio, frio... Mal acaba o sol, o ar esfria, o dia quase acaba. A casa fria, tudo frio. A relva branca, de manhã. Os arbustos com as folhas murchas, quase queimadas pelo frio.
Mas esta quinta-feira já esteve melhor. Ao fazer a caminhada ao sol, já se fez sentir um belo calorzinho.
A ver se agora melhora, não é? Mesmo que venha com umas pingas de chuva, que já vi que estão a caminho.
Dias felizes, Francisco.
Olá Amofinado,
ResponderEliminarPois é experiência que nunca tive. Sempre deleguei. Impossível aturar vizinho chato. O meu marido também se escapava, sempre que podia. Quando não podia, vinha de lá a espumar. Havia sempre uns vizinhos que se pegavam uns com os outros e a coisa acabava sempre no mesmo desentendimento, ano após ano. Um dos desentendidos era advogado e dava lição aos outros, massacrando-os até à exaustão. Uma era uma senhora excêntrica e desbocada que deixava toda a gente desconcertada. Uma vez calhei ficar ao lado dela num restaurante e foi coisa do além. Ela falou, falou, falou, falou.... O meu marido nem abriu a boca e só me dava toques para eu também não abrir a minha. É que eu ia dizendo alguma coisa para não parecer desagradável. Imagino o que seria aquilo numa assembleia de condóminos, desavindos uns com os outros.
E tem razão: deve ser cá uma explosão de covid...!