Separei presentes por agregado. Não há papéis a embrulhar. Venho desaderindo desse desperdício há algum tempo. Ficar com o chão cheio de pepéis e laços parece-me um nonsense de um tempo cheio de irracionalidades. Ultimamente já era na base do combate à ineficiência. Era abrir e logo alguém diligentemente colocava papéis num dos sacos maiores para se levar a seguir para o lixo.
Este ano radicalizei, deixei-me disso em absoluto: não há papéis. Aliás, não se diz 'fazer figura de papel de embrulho'? Coisa a evitar, portanto. Pelo que me toca: nada. Mesmo os sacos onde as coisas estão a granel são reduzidos e tanta escassez também está a ser um bocado demais. Quando compro, trago os sacos mínimos indispensáveis e agora, a separar, faltam-me. Como não trouxe sacos da outra casa, agora foi uma dificuldade. Para resolver, maximizo a utilização dos sacos. Mas não é fácil acomodar presentes, por agregado, no mesmo saco. A minha filha, quando eu lhe disse que não há embrulhos, protestou, diz que faz parte, que é todo um conceito. Pois para mim não. Estou cada vez mais minimalista. E é em tudo.
Se já me incomodava gente que falava demais, a voz alta demais, as pessoas que se acham o máximo, se me incomodava o excesso, agora, então, ainda mais.
Portanto, voltando aqui às minhas coisas, não há embrulhos, não há desperdício. O pior é quando não há mesmo nada. Comprei um livro para uma pessoa a quem não posso passar-lhe simplesmente o livro para a mão. Felizmente a simpática livreira fez questão me me dar um envelope de papel. O pior é que agora não encontro fita-cola para fechar o envelope (não trouxe da outra casa e aqui ainda não precisei, não comprei) nem tenho nenhum saco onde meter o envelope aberto com o livro lá dentro. Fica mal e o pior é que não sei como resolver.
A minha filha disse que, se é assim, a granel, sem ar de presentes de natal, então que não me esqueça também de manter os preços como geralmente acontece, um clássico. (Esqueço-me de tirar as etiquetas). Fez bem em lembrar pois hoje fui ver, tive que tirar tudo dos sacos, e grande parte tinha mesmo o preço. Acho que já tirei tudo.
Tenho saudades. Ando com saudades.
Por exemplo, tenho saudades de passear. Gosto muito de estar em casa mas também gosto muito de passear. Gosto muito do meu país, gosto de andar a descobrir cidades, vilas, aldeias, rios, serras, hotéis, restaurantes, igrejas, jardins, livrarias, cafés. Espero bem que, daqui por um ano, já tenha conseguido fazer alguns passeios, juntar pessoas cá em casa, andarmos juntos a conversar e a rir, sem máscara, sem termos que nos distanciar uns dos outros, poder fotografar a alegria de estarmos juntos.
Ano tramado este. Nem me apetece olhar para as fotografias que tenho feito e que mostram o andar lento do tempo. Flores, árvores, pedras, sombras. E tantas ausências. E uma perda muito grande. E várias outras mais pequenas. Também ano de mudança, de viragem.
E é uma coisa curiosa, esta. Um exemplo de como a vida resulta da conjugação aleatória de acasos. Se num dado dia não tivesse acordado com uma vontade irreprimível de mudar de trabalho, de empresa, de casa, de tudo, a esta hora provavelmente toda a revolução que nesta empresa está em curso e que vai catapultar muitas pessoas -- e passar por cima de outras -- não teria acontecido. Não sei se é curioso, se é assustador. Mas é o que é.
Quando comecei o post não sabia sobre o que iria escrever. Estava apenas com aquela sensação de ter saudades sem saber bem de quê, nostalgia talvez. Saudades da vida que tinha, saudades de quem se foi, saudades em geral. Nem sei. Então comecei por ir ao youtube ver se encontrava alguma canção que se chamasse miss mas miss, em si, é vago, dá para tudo. Então escrevi 'miss you' mas quis que soasse como me agradaria que soasse. A dos Rolling Stones não tem nada a ver. A Etta James também não. Encontrei a Nina Simone a interpretar: If you knew. Pareceu-me estar no tom.
Almeida Júnior, Frederic Leighton, nas duas seguintes, e, por fim, Artemisia Gentileschi acompanham na pintura. Mulheres pensativas, melancólicas, nostálgicas, com a cabeça sabe-se lá onde.
Querida Um Jeito Manso,
ResponderEliminarHabitualmente encontro nos seus textos muito em comum com a minha maneira de ser. Hoje, peço desculpa, estou totalmente de acordo com a sua filha.
Num presente embrulhado está toda a alegria com que o comprámos, ou fizemos, o entusiasmo com que vimos abri-lo, o carinho posto no laço, a ternura na etiqueta, todo o fator surpresa. Dar um presente é estar com aqueles que amamos, mesmo que distante.
Este ano para ocupar mãos e mente fiz alguns dos presentes. Coroas de entrada, arvores com paus de canela, presépios tudo com muito amor.
O menor esforço começa a ser Lei.
Tambem detesto excessos mas gosto dos mínimos indispensáveis. Há pequenos nadas que fazem uma diferença...
Ha dias numa esplanada aqui do bairro pedimos um café e um chá de menta. A menina pousou o bloco e escreveu o pedido 1 xá e 1 bica. Disse-lhe a brincar não quero um chá desses...
Olhou-me com ar de palerma e... Ah! é com ch, mas percebe-se não?
Atras de umas coisas vêm outras e daqui a pouco não teremos nada. Neste ano que já tivemos tao pouco de abraços, de mimos, de companhia, não simplifiquemos demais.
Isto é o tento fazer.
Andava para lhe desejar, e a toda a familia, um doce Natal cheio de saude, paz, muito amor e presentes bonitos, desejados e uteis.
Um beijinho e boa semana.