Tenho um puzzle de muitas peças para montar. Quero que fique perfeito, harmonioso. Contudo, muitas peças são imperfeitas e nem todas parecem encaixar na perfeição. Sei que há quatro peças a mais, desajustadas, desagradáveis, boas para serem descartadas. Contudo, vejo-me forçada a inseri-las no puzzle, tentando o prodígio de que, em cima de todos os demais condicionalismos, ainda consiga que o resultado se pareça com um puzzle perfeito... Um quebra cabeças. Nem as minhas artes para resolver impossibilidades estão a conseguir salvar-me deste complexo enigma que me calhou em sorte.
Depois, ao fim do dia, recebi um telefonema: alguém, que está nesta tanto ou mais do que eu, queria saber do puzzle. Ainda se riu com algumas das minhas ideias peregrinas. No outro dia desatámos os dois a rir, eu quase sem conseguir falar, uma risota pegada. Mas, até ver, as minhas ideias luminosas não lhe pareceram grande coisa. Quer um puzzle onde ninguém possa botar defeito. Também eu. Mas como? Ele diz: sei que não tenho soluções mas para isso conto consigo. Digo-lhe: ou a gente aceita que o puzzle fique com quatro peças meio de fora ou deitamos as peças fora. Mas isto sou eu a querer forçar a solução imperfeita porque, na verdade, não sou de deitar peças fora. Quando me sinto a ponto de deitar a toalha ao chão penso: 'isto é capaz de ser bom para evitar a demência'. E penso naqueles sudokus ou jogos de terceira idade em que se quer exercitar a memória ou o raciocínio para ver se os neurónios não se deitam a dormir. Penso que este meu pincel é tipo vacina em dose dupla. E rio-me. Tudo para ver se não desisto.
Hoje deu-me para metáforas, que maçada, como se isto fosse horas para estar com isto. Só pode ser porque ainda não consegui desligar...
Mas, pronto, vou ver se mudo o chip. Perfumes. A minha mãe estava a pensar oferecer-me um Nº5 pelo Natal. Tive que lhe dizer que não, praticamente já não uso perfume, não me dá jeito perfumar-me para estar em casa ou fazer caminhadas ou ir à praia. Embora, reconheço, seria chique a valer um Chanel e uma esvoaçante echarpe de seda para ir caminhar à beira mar. Um sucesso junto das gaivotas. Um sucesso e uma vingança junto dessas flausinas que me fazem sentir inveja delas.
Tenho no quarto, no closet, duas prateleiras com os meus perfumes. Frascos lindos, perfumes maravilhosos. Encanto-me a contemplá-los. De vez em quando destapo alguns para relembrar o odor. Sinto saudades. Cheirinhos mais bons...
A minha vida mudou. Desde meados de Março que não ponho o meu relógio. É um relógio solto, pesado, lindo. O ponteiro das horas tinha voltado a adiantar-se estupidamente, os menos próximos a alertaram-me que o relógio não estava certo. Mas, tirando o tempo em que esteve a ver se conseguia ser arranjado (duzentos euros para nada), nunca o tirei. Não era para ver as horas, era mesmo só pela sua elegância e beleza e pela companhia. Se o não pusesse, sentiria a falta daquele peso no pulso. Só não o usava ao fim de semana. A aliança também nunca mais usei. Mãos sem nada. Brincos só para as reuniões. Saltos altos também nunca mais.
No outro dia, fui ao dentista. Andava há séculos a adiar, não era nada de urgente, mas, quando vi que isto da covid estava para dar e durar, acabei por achar que o melhor era deixar-me de coisas e ir. O dentista (que agora já não dá pelo nome de dentista, cada um tem sua especialidade) que é homem novo, enquanto punha a cadeira para baixo, olhou-me para os pés e exclamou: ah, que ténis tão giros... e são confortáveis, não são...? Desatei a rir. 'São velhos... e confortáveis, sim'. E ele, olhando-os, 'são muita giros'. Depois olhou para mim e disse: 'Acho muito melhor assim... Há quem ande em cima de saltos altos e nunca experimente o conforto de andar com sapatos assim'. Voltei a rir-me e expliquei-lhe que até Março eu andava todos os dias da semana, de manhã à noite, montada em sapatos bem altos. E ele, que é novo ali e não me conhece de outros carnavais, olhou para os meus jeans, os meus ténis, o meu rabo-de-cavalo e espantou-se: 'A sério...?!'. Ah pois é, bebé. Aqui a je já foi madame empinocada, perfumada, emperiquitada de alto a baixo. Agora é tudo na base do casualware e já vai com sorte. Quando vou entrar numa meeting, uns minutos antes, ponho uns brincos, penteio-me, visto uma blusinha de seda, agora que está mais fresco ponho uma echarpe, passo um brilhozinho nos lábios e está feito. Mantenho as leggings, as meias fofas e quentinhas porque isso ninguém vê. O meu marido goza que se farta. Se me vê andar à pressa a ir à procura de uma echarpe ou de uns brincos, goza logo: 'temos reunião... certo?'. Ele não é como eu: veste-se como se veste e não se altera para as reuniões.
Mas, pronto, como me distraí com a conversa e daqui a nada tenho que estar a pé, passo já ao vídeo que aqui me trazia. Um vídeo Vogue, uma casa fantástica, um jardim de sonho, uma colecção de vidrinhos e cheirinhos boa para a gente sonhar com ela. A Paola Locatelli não faço ideia de quem seja mas, a julgar pelo que aqui vejo, deve ser simpática.
E um dia feliz, ok?
Suesskind :-)
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