quinta-feira, outubro 29, 2020

Em defesa de Marta Temido e Graça Freitas

 


Já o disse mil vezes: acredito desde há muito que, nisto do coronabicho, uma das grandes fontes de contaminação, para além do contacto directo com alguém que esteja contagiado, sem máscara, a pouca distância e durante um bom bocado, é o ar. Acredito que é isso que, por exemplo, explica o contágio generalizado nos lares quando lá aparece o primeiro caso. 

A mãe de uma colega minha morreu há poucos dias. Estava num lar em que todos os protocolos de higiene sanitária eram seguidos. Cada pessoa em seu quarto, sem conviverem. E, no entanto, também por lá, tem sido uma ceifa assustadora. A minha colega não encontra explicação. A mãe estava sempre de máscara, as pessoas que entravam no quarto, as funcionárias, estavam com fatos de protecção da cabeça aos pés. Os familiares estavam com ela de máscara e com um acrílico de permeio. Portanto, concluo eu, foi contagiada enquanto dormia ou comia.

E essa é uma das razões pelas quais, em minha opinião, à medida que o tempo arrefece e as janelas se fecham, ficando o ar interior mais viciado e contaminado, o número de contágios em todo o mundo (em que se caminha para o tempo frio e/ou chuvoso) vêm aumentando.

Ainda hoje eu me insurgia com a falta de atenção que está a ser dada a isto. Respondiam-me que seria impossível verificar todas as instalações de ar condicionado, substituí-las, garantir a sua qualidade. Bem sei. Por isso, por parecer missão impossível, todos os estudos que o comprovam acabam ignorados. Percebo a dificuldade em levar a cabo e percebo o pânico que poderia gerar-se se isto fosse assumido. Mas, pergunto eu, não seria possível traçar um plano de ataque, ter um plano de formação para abranger muita gente que está desempregada para que haja gente que possa verificar, desinfectar, montar, arranjar instalações deficientes, e, em cima disso, ter um plano de apoios financeiros para quem não consegue suportar esses custos? E não seria preferível isso a deixar que morra gente ao ritmo a que está a morrer (à data que escrevo já vai em 1.163.459 o número de mortes identificadas como resultantes da Covid)? Não seria preferível isso a deixar que a economia se afunde como não há memória? Que a pobreza alastre avassaladoramente? Que a tragédia do desemprego avance desabaladamente?

Não é um problema português, contudo. Por todo o lado adoece e morre gente e, para tentar conter a propagação, avançam os recolheres obrigatórios, os confinamentos -- e a onda de psicoses e pânico que isso provoca, sobretudo em quem fica sem fonte de rendimento. E, por todo o lado (salvo recentes e pontuais excepções), o tema da propagação a partir do ar passa despercebido. Ou seja, não é problema que possa ser atribuído a Marta Temido ou Graça Freitas: é geral.

Também não percebo como, mal se viu a curva a empinar (quando ainda nem se entrou no inverno), não se decretou a obrigatoriedade do teletrabalho para todas as funções que o permitam (e para todos os trabalhadores que o aceitem -- porque há quem considere não ter condições em casa... e até pode ser porque está lá a sogra...). É essencial retirar gente de circulação sem que isso prejudique a actividade normal. Já o disse mil vezes e vou continuar a repeti-lo: é essencial. Não pode ficar ao arbítrio de cada chefe que resolva armar-se em macho man, valentão das dúzias, e ache que não há que ter medo de um viruzeco da treta, há é que vencer a miúfa e ir para o local de trabalho. Não pode ser. Não pode ficar sujeito à interpretação de cada um pois, se o exemplo não vem de cima, fica difícil fazer imperar o bom senso. Tem que vir uma ordem com força de lei: teletrabalho obrigatório e imediato (nas condições que referi). 

Mas isto não é só coisa de cá e, muito menos, é da responsabilidade da Marta Temido ou Graça Freitas.

E ainda vejo muita gente que acha que isto das máscaras é importante mas não sempre, não em qualquer circunstância -- e isto mesmo que se esteja num espaço fechado com alguém que circula sabe-se lá por onde. 

Dou um exemplo. A minha mãe tem muito medo, é cuidadosa, lava as mãos, desinfecta-se, usa máscara. Mas depois faz coisas do além. Para além de ainda ter o hábito de agarrar qualquer coisa que dela se aproxime; por exemplo, se lhe aproximamos um telemóvel para que veja qualquer coisa, a primeira coisa que faz é agarrar nele. Isto com a maior das naturalidades como se não fosse um daqueles objectos que, se usado assiduamente por alguém com covid, é mais do que certinho que terá merdinhas em cima. Mas faz mais. Uma amiga fez hoje anos, noventa e três anos. Ontem tinha-me dito que se calhar ia fazer um bolo e levar-lhe lá a casa. Percebi que se estava a dizer isso é porque já tinha decidido lá ir. Temi logo o que poderia acontecer e avisei-a: 'Mas alerte-a logo que tenha máscara e, se ela quiser convidá-la para comerem juntas uma fatia, diga-lhe que sim mas na varanda, ao ar livre'. Fez aquele suspiro que sei bem que significa que não o fará. Hoje perguntei-lhe como tinha sido. Foi levá-lo, entrou em casa, a amiga não tinha máscara. Fiquei passada. Não quis aborrecer a amiga, diz que ela não liga nada a isto, que vai todos os dias às compras, que vai ao banco, que vai ao restaurante buscar take away, que não se preocupa nada e que, portanto, não ia, estando a visitá-la em casa dela, pedir que ela pusesse máscara. è aquela coisa das regras de delicadeza e boa educação que estão enraizadas mas que, agora, fruto do momento, têm que ser bem avaliadas e, em algumas situações, reequacionadas. Fiquei, pois, ainda mais passada. A outra podia estar infectada, sabe-se lá, nisto não há que recear ofender, há que recear é contagiar o outro ou ser contagiado. Alega em seu favor, a minha mãe, que não esteve lá muito tempo e que estava de máscara. Mas, em espaços fechados, e em situações de proximidade física, a máscara é eficaz se os comparsas estiverem todos de máscara. Ora eu sei que a amiga, uma senhora encantadora, uma amiga de todos os momentos, está surda que se farta. Portanto, estiveram próximas, de certeza absoluta. E se são as duas de risco... Já tiveram ambas problemas oncológicos e, pela idade, são mais do que de risco. E são ambas ex-professoras, pessoas dir-se-ia que bem informadas. E, no entanto, é o que se vê.

E aqui, sim, acho que é responsabilidade de Marta Temido e Graça Freitas: faltam campanhas de informação claras, com situações concretas, passando mensagens explícitas, inequívocas. E na televisão, na rádio, nas redes sociais, no youtube, em todo o lado onde possa chegar a públicos diversificados: o que se deve e não deve fazer.

Mas calma, não é isto que chega para crucificar quem se tem aguentado firmemente à frente desta avalancha de acontecimentos, todos desconhecidos, tentando tomar as melhores notícias no meio da incerteza que é tudo isto, dando o peito às balas, resistindo a raios e coriscos, vendavais e toda a espécie de ameaças. forces majeures, acts of God. E elas sempre ali, tentando dar o seu melhor, ouvindo especialistas, lendo relatórios, coordenando serviços, resolvendo conflitos, fazendo contas, coligindo informação, atendendo a comunicação social, respondendo em todo o lado a toda a hora, certamente mal dormidas (e já lá vão uma data de meses). O que elas têm feito e aguentado poucos mortais o aguarentariam. Só por maldade e vil cegueira se pode dizer o contrário. Admiro-as e agradeço-lhes. E espero bem que António Costa mantenha o apoio que lhes tem prestado -- bem o merecem.

E, vendo a coisa por outro prisma: se o que está a acontecer é culpa de Marta Temido e Graça Freitas, então, por acaso, são elas também as responsáveis pela desgraça que alastra na Bélgica, em França, em Espanha, em Itália, na República Checa, no Reino Unido, na Rússia, no Irão, em... quase tudo o que é sítio?

Então porquê a mesquinhez, a maldade, a estupidez de as culpar e querer punir pelo descalabro que está a ser a segunda onda um pouco por todo o lado em que coincide com a entrada no tempo frio?

Da minha parte -- e se soubesse que o que aqui escrevo lhes chega -- só poderia deixar-lhes os meus agradecimentos e desejar que se mantenham com saúde, força e disposição para continuarem a aguentar-se tão corajosamente como até aqui o têm feito. São mulheres de fibra, inteligentes, fortes e resilientes como pouca gente o conseguiria ser numa situação como esta que atravessamos. Bem hajam.

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Fotografias do Best Bird Photography of 2020 ao som da Gymnopédie No.1 de Erik Satie na interpretação de Khatia Buniatishvili 

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E tenham um dia feliz. Saúde, força, alegria.

6 comentários:

  1. Considero excelente a prestação de Marta Temido.
    Para além do Covid, ainda tem que lidar com a bastonária do cão preto, com o bastonário dos interesses privados, com a dor de cotovelo dos seus antecessores, com muitos pulhas … e, recentemente, com outro narcisista que pensa que ela se chama Constança.
    Infelizmente, está escrito nas estrelas que o Costa não correrá riscos para a segurar. Ficará então a prestação dela a fazer sombra aos vindouros ..

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  2. Olá Maria Santana,

    Thanks!

    Um bom fds!

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  3. Olá Amofinado,

    Gostei de o ouvir a referir-se à cambada que anda a ladrar-lhe às pernas. Boa descrição.

    Quanto a Costa espero que os tenha no sítio e a segure. A menos que ela não queira -- e até percebo que chegue a um ponto em que não aguente mais, que esteja à beira de atingir um esgotamento. Se for isso (e espero que isso não aconteça), ainda perdoarei a Costa que a deixe ir. Se não for, só espero que não a sacrifique para agradar a gente burra, maledicente e fútil.

    Torça comigo, Amofinado.

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  4. Olá UJM,

    Acho que ambas têm feito um excelente trabalho. Os seus erros são naturais e, em muitos casos, suspeito condicionado por opções governamentais e não tanto da saúde.

    Nesses erros governamentais estão coisas que acho muito graves. Subscrevo o que a UJM tem referido, sobre as estruturas de renovação de ar (e o seu mau funcionamento ou não funcionamento). Subscrevo a gritante falta de informação do governo (não se compreende quando até deram imensos € à comunicação social e compra antecipada de espaço publicitário), mas também a péssima cobertura informativa da comunicação social (um trabalho magnífico do el país: https://english.elpais.com/society/2020-10-28/a-room-a-bar-and-a-class-how-the-coronavirus-is-spread-through-the-air.html).

    Não sendo especialista, permita-me falar do que vejo: não compreendo como com os números como estão não haja um mecanisno reforçado de incentivo à prevenção e proteção social de quem trabalha. Quem ganha o ordenado mínimo, mesmo com ligeiros sintomas, tal como fazia com a gripe, dificilmente fica em casa. E não crucifiquemos essas pessoas por isso: afinal teriam logo três dias de baixa não remuneradas. Só a partir do 4o dia ganhavam algo da segurança social. Muitas vezes demora até terem uma consulta no médico de família e/ou fazerem um teste. Só depois de confirmado positivo a baixa é paga a 100%. Acresce que com a economia a derrapar a malta também não quer faltar com medo de ser visto como trabalhador a descartar.

    Também nos restaurantes não compreendo. Os.sistemas de circulação de ar funcionam mal ou são inexistente ou estão desligados (aquilo é caro a funcionar). As distâncias em muitos casos não são lá muito bem cumpridas. A malta vai trabalhar, na empresa até pode ser mais ou menos controlado, mas depois tem a pausa para almoço e vai em grupo à tasca almoçar, local de enorme risco de contaminação (o trabalhador a ganhar o ordenado.minimo tem de optimizar o custo da refeição... Não se dá ao luxo do Uber eats ou de restaurante mais fino e cumpridor...).

    Isto não vai lá com confinamento e estás medidas cosméticas. Reduz um bocadinho. Mas não acho que vai ser suficiente.

    Lidar com o que refiro acima implica mais €. E não vejo qualquer vontade de fazer esses gastos. Estão a poupar talvez para os 15 dias de Dezembro. Que não me parece que vão ter o sucesso de abril (é preciso mais tempo e as pessoas já não estão dispostas aquele nível de cumprimento voluntário). Ação musculada / policial efetiva só irá agravar mais a coisa.

    Temo. Temo pelo que aí virá. A esperança é que realmente a coisa seja controlável nos.mais velhos, por via de um maior isolamento destes. Esperemos que ao.menos isso.

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  5. Olá Paulo,

    Concordo com tudo o que diz.

    Não é fácil governar em cenário de crise, com a infecção a rebentar por todo o lado, com a economia a baquear, com apoios e mais apoios e mais apoios a terem que sair das 'almofadas' da Segurança Social, com os hospitais a ficarem caóticos, os médicos e enfermeiros a entrarem em burnout. Há tanto a fazer...

    E isto dos vírus é coisa que deve ter vindo para ficar. Quando nos virmos livres deste sabe-se lá o que virá a seguir. Há desequilíbrios que causámos e que nos vão sair caros. E gastamos dinheiro em tudo e descurámos coisas essenciais como o ar que respiramos. Custa caro voltarmos a ter ar puro em todos os lados? Pois. Mas como fugir a isso enquanto não houver vacinas eficazes? Quantas pessoas em lares não vão morrer por causa disso?

    Enfim, Paulo, só espero que os que hoje são jovens e assistem a todas estas crises, umas atrás de outras, tudo façam para que o mundo volte a ser um lugar pouco perigoso.

    Obrigada, Paulo!

    Um abraço.

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