quarta-feira, agosto 12, 2020

Quando uma mulher deixa um homem sem palavras, sem norte, sem acção


Vou contar uma coisa que vai indispor muito gente. Não quero saber. Ninguém me conhece (tirando os que conhecem) pelo que tanto se me dá. Podem até fazer uma manif aí pela rua ou fazer tshirts a insultar-me. Bem podem mandar estampar: 'Tens a mania que és boa comó-milho' ou 'achas que podes competir com a Loren...? Tá bem, abelha'. Acharei graça.

Mas conto.

Passou-se isto: como já contei, a parte de baixo do móvel das ondas, que é um móvel com dois metros e setenta de comprimento, dois metros e picos de altura e, na parte bojuda da onda vai ao meio metro, ficou para o meu marido. Eu não daria conta de tamanho bicho. Ele pragueja, invectiva o mundo e arredores, incluindo-me a mim, mas a verdade é que dobrou o cabo e o móvel, neste momento, está vazio. 

Pelo meio descobriu o papel do nosso registo de casamento, coisa cuja existência eu desconhecia, descobriu uma fotografia minha e de um amigo, ambos com disfarces e tabuletas a dizer 'tá-se bem', uma fotografia dele próprio quando, feito Cristo de olhos cor de mel, me converteu ou, no Jardim Botânico, com amigos, no dia em que o meu namorado da altura deu meia volta e foi na direcção dele para lhe dar uma tareia, conseguindo eu travá-lo in extremis dizendo-lhe que se armasse confusão o namoro acabava ali, de imediato. 
E uma fotografia minha também dessa altura, cabelos compridos, aquele vestido verde de tecido fininho que se me colava ao corpo e que o deixava maluco. A fotografia é a preto e branco mas reconhecemos o modelo. Ele fez aquele comentário meio impróprio para consumo que, na boca dele, é papo demonstrativo de apreço. Ri-me. E disse: alguma coisa eu tinha, andavam todos atrás de mim. Ele riu. Fez de conta que me achava convencida mas sabe que não, constatou que não, ele próprio foi um deles. Olhou a fotografia, sorrindo: 'A boca. Talvez a boca'. Lembrei-o que, pouco tempo depois, quando ganhou terreno, não era propriamente da boca que falava. Mas é verdade, reconheço, olhava-me muito para a boca. E a coisa acabava inevitavelmente em beijo. Mais tarde, uma tia dele diria: sempre aos beijinhos, não conseguem separar-se, parece que os beijinhos são uns rebuçadinhos.
Mas eu, em jeito de balanço, o que posso dizer é que não é boca, não é mamas, não é rabo, não são pernas, não são olhos, não é cabelo, não é pele, não são mãos ou pés. Bem. Na volta, é um pouco de tudo isso, sim, talvez tudo isso mesmo, mas na medida certa. Mas é, sobretudo, uma outra coisa que não sei definir, talvez a inteligência, talvez o saber tirar o tapete, talvez o sorriso sorrido a direito, ou melhor ainda: o meio sorriso, o desabilitar o outro de lutar. Ou seja, aquele je ne sais quoi que não se explica.

E isto a propósito de um vídeo fantástico que o YouTube tinha hoje para me recomendar: Sofia Loren a deixar o pobre entrevistador sem jeito, sem palavras, sem tino, sem acção. Uma coisa boa de ver. Gostei.

Sofia tinha, então, quarenta e cinco anos e Dick Cavett menos dois. Se fosse hoje ela pareceria mais jovem do que parecia na altura. As mulheres hoje mantêm-se jovens até mais tarde. Naquela altura, a maquilhagem pesada, os cabelos mais 'armados', os óculos que também não ajudavam nada tornavam as mulheres precocemente mais maduras. Mas era bela de qualquer maneira. E era, sobretudo, uma mulher com aquele toque de descaramento, de je ne sais quoi, de graça, de irreverência, de inteligência despudorada. E é ver Dick Cavett, hábil entrevistador, a ir ao tapete em três tempos. Dá gosto ver. É das coisas boas da vida uma mulher levar um homem ao tapete. 


😘

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