quinta-feira, agosto 27, 2020

Certamente um salsifré desconjuntado




Só para explicar porque é que hoje isto não vai dar: adormeço de minuto a minuto. Vou ter que me deitar antes de conseguir escrever coisa com coisa. 

O dia foi dos bravos. Primeiro não conseguia fazer o upload do ficheiro para o portal da AT. Tinha onze megas e aquilo só permitira até cinco. Zipei, comprimi e o escambau e só foi até aos seis e tal. Aí comecei a moer a paciência a quem me poderia valer, nomeadamente o meu filho e a minha nora que tinham fotografado todos os documentos antes de os fundir num pdf. Mas eles também não conseguiam reduzir o suficiente. Isto para não irmos para uma repartição. De resto, ir só com marcação e já atirava para tarde de mais. Horas nisto. Ah, e isto porque tinha verificado que o que tinha feito no outro dia não estava registado. Liguei para saber. Horas para que me atendessem... e não atenderam. Hoje ligou a minha filha e ao fim de não sei quanto tempo lá apareceu alguém do outro lado que explicou como fazer tudo e, no fim, verificar que estava feito. Finalmente, embora excedesse uns cagagésimos, lá passou. E confesso: um peso que me tiraram de cima. Se há coisa que me perturba é saber que tenho coisa de responsabilidade para fazer, prazo a correr e, por isto, aquilo ou o outro, ver passar o tempo e não conseguir.

Pelo meio, o carro. Não contei na altura -- porque na altura foi tamanha loucura que não dava para tudo, muito menos para contar --- que, no primeiro dia da mudança, se avariou um carro. Era suposto, quando saísse o primeiro camião, eu ir antes para lhes abrir a porta da casa nova e os orientar dizendo qual o lugar de cada coisa, enquanto o meu marido ficava na casa antiga a orientar a carga do segundo. Só que ele, enquanto durava o carregamento do primeiro camião, resolveu ir adiantar serviço e ir levar sacos pejados de tudo e mais alguma coisa, o que achámos que mercia cuidado especial, para a casa nova. E, à vinda, o carro deu sinal de avaria grave e que parasse em segurança. Portanto, podem ver: momento mais inoportuno não podia haver. Por volta da hora de almoço, ele na oficina, dizem-me os homens que a camioneta já se tinha posto a caminho. E eu sem conseguir contactá-lo. Portanto, vi-me na situação de deixar a casa de portas abertas e coisas de valor lá dentro. Portanto, a confusão que foi não vos digo nem vos conto. Nesse dia tive que pedir ao meu filho e família que me viessem buscar e levar de boleia até à casa nova. Quando chegámos, como é bom de ver, já eles lá estavam com a camioneta à porta. Como entretanto houve réplica da primeira leva, depois uma little segundinha e arrumações pelo meio, fomos andando mesmo assim ou usando o outro carro que não é tão prático para o efeito. Um destes dias, já esta semana, liguei para a assistência da marca. Como está na garantia, disseram que um técnico haveria de me contactar. O técnico contactou e disse que, face ao que era, nem levar à oficina. Era de reboque e era já. E lá foi. O pior foi saber quando estaria pronto. Muito mau. Depois de muitos telefonemas lá disseram: a partir das cinco. 

Aproveitámos para ir à casa velha buscar mais cenas: três quadros que tinham ficado para trás, um relógio de parede, talheres, pratos de cozinha, roupa.

Quando chegámos aqui a casa, foi o do costume: depois de estar tudo mais ou menos limpo e arrumado, chegamos com mais uma dúzia de sacos grandes cheios de coisas e lá voltamos ao mesmo: mais coisas para arrumar.

E foi aí, ao pretender guardar um papel importante junto dos outros papéis importantes, que não encontrámos a pasta com papéis importantes.

Lembrávamo-nos bem: havia uma pasta com papéis verdadeiramente importantes e uma outra com recordações. E sempre dissemos: temos que ter cuidado com isto, estes papéis não se podem perder. Dias nisto. E hoje apareciam todas as pastas com toda a espécie de documentos excepto os verdadeiramente importantes. Corremos tudo. Às tantas já só me apetecia chorar. Um desespero. Uma pessoa puxa pela cabeça, revira tudo... e nada. Até que pensámos que, na volta, lá tinha sido deixada. Às dez da noite resolvemos lá voltar. Corremos tudo -- e aproveitámos para trazer mais uma ou outra coiseca... --  e da porcaria da pasta sem sinal.

Pensei: terá sido no dia da primeira leva quando estava na eminência de ter que deixar a casa aberta e os homens entregues a si próprios que, antes de sair, peguei em coisas verdadeiramente importantes e as guardei? Lembrámo-nos: usei um saco de desporto encarnado. Na volta a pasta ainda lá está. Quando regressámos à casa nova, fomos logo ver esse saco. Vazio. Pensámos que teria ido junto com outras coisas. Talvez enfiado em prateleiras altas. Escadote. Nada. Desistimos. Cansados, exaustos, impacientes, já embirrando um com o outro por tudo e por nada. Fomos ambos tomar banho. Jantámos perto da meia noite. Entretanto, ele lembrou-se que pode ter tirado os documentos dessa pasta e misturado com outros numa caixa. Aparentemente acertou pois, antes de se ir deitar, já veio mostrar-me uns quantos. Parece que ainda não encontrou alguns mas a esta hora já não consigo querer saber. Até ver ainda não se perdeu nada mas isto de conseguirmos guardar memória de tudo o que fazemos é uma loucura. Eu até com coisas mais simples: as chaves de casa, o telemóvel, o comando não sei do quê, a fita métrica. Todo o santo dia a perguntarmos um ao outro se viu isto ou aquilo. Isto dá conta da cabeça a uma pessoa.

Agora são quase três da manhã. Já dobrei duas carpetes para as levar esta quinta-feira para serem trocadas por umas clarinhas que estão in heaven. Não sei a que horas zarpamos. A minha filha, que se nos vai juntar com os meninos, diz que só vai a seguir ao almoço. Mas temos mantimentos a comprar pelo que vamos forçosamente antes. A ver se consigo descansar, caraças, que isto não tem sido moleza, não.

Também passei o dia no rescaldo das grandes dores que tive há uns dois ou três dias: agora dói-me mas é dor suportável, natural em quem fez tanto esforço. Mas querem crer que hoje, que voltei a andar para aqui e para acolá, a arrumar coisas para trazer e, forçosamente a carregar pesos (que é o pior), parece que até estou melhor? Vá lá, ao menos isso.

Mas isto para dizer que, com este lindo programa de festas, cheguei aqui e adormeci e, mesmo agora, escrevo uma, adormeço durante duas. Acredito que o texto esteja um salsifré, engatado e esburacado, com bocados sem sentido e com erros a dar com um pau. Mas não dá para mais ou melhor. Bem sei que deveria era ter ido já dormir: mas tenho isto de gostar de estar aqui às quinhentas da noite a deixar os dedos voar sobre as letras.

Não consigo, uma vez mais, agradecer individualmente os comentários ou os mails mas a resposta a um é sim, aconteceu, aconteceu durante aquele período em que nem pudemos confortar-nos e apoiar-nos mutuamente nem despedir-nos condignamente -- e agradeço a simpatia. E era bom que fosse uma raposinha, sim, Ana, e a Jeitinho agradece a sua sempre presente gentileza. E obrigada pela app que acredito que me seja preciosa para identificar as flores, arbustos e árvores. E obrigada pelo bom conselho de reencaminhamento do correio, dica preciosa. E um obrigada especial a quem curte as suas casinhas e, mesmo de longe, lia sobre as minhas andanças; e um outro à menina-bonita, Maripa de seu nome, sempre com uma palavra de solidariedade e simpatia. E um dia farei uma reportagem, sim, talvez não a planta mas um conjunto de pecinhas de um puzzle. E hoje fui também comprar um cartão para a máquina pois quando quis fotografar as flores descobri que o cartão se tinha esgotado. A Lei de Murphy, quando lhe dá para se auto-demonstrar, é um ver se te avias. E, com vossa licença, agora é que vou mesmo dormir.

_____________________________________________________________

Pinturas de Tarsila do Amaral, ao som do Dueto, com Chico Buarque e Clara Buarque

______________________________________________________

E votos de um dia feliz. Aproveitem-no bem, ok?

2 comentários:

  1. Pôr do Solagosto 27, 2020

    Cuidado Jeitinho. Não abuse do físico, descanse.

    Nestas situações lembro-me da sabedoria católica de minha avó, que defendia "temos de sofrer para ter". E tambem acrescentava, se corresse tudo bem, não saberia a nada nem teria tanto valor. Nunca concordei, mas não contestava.

    Tambem supus que o inevitável já tivesse acontecido. É sempre uma perda mas viverá sempre na obra que deixou. Já me aconteceu, por muito amar desejar que se cumpra a lei da Natureza. Vê-los sofrer e sofrermos com eles é que não.

    Um beijinho a sua Mãe. Saude, força e alegria para saborear o que de bom tem para viver.

    Confesso, estou curiosa por conhecer o seu novo paraiso de plantas exóticas-

    Perdoe-me pelo abuso. As melhoras e um beijinho.

    ResponderEliminar
  2. Olá Pôr do Sol,

    Não há perdas que a gente aceite com ligeireza: umas vezes é porque partem cedo demais, outras porque sofrem tempo demais. São dores que sentimos e para as quais tentamos encontrar força e resistência. Sobretudo, temos que aceitar que é assim, que ninguém é eterno... e que a vida continua.

    Quanto à minha casa e ao meu jardim... depois desta canseira maluca em nos vimos metidos, estamos agora a ver o fruto do trabalho e estamos mesmo contentes. Agora que já consegui tempo para ir comprar um cartão para a máquina fotográfica, a ver se começo a fotografar para mostrar.

    E estes dois dias de descanso, aqui in heaven, já me puseram boa, já não tenho dores. Estou pronta para outra...

    Obrigada pelas palavras amigas, Sol Nascente, e um beijinho de amizade para si também.

    ResponderEliminar