quarta-feira, agosto 19, 2020

Ah, é verdade: e já cozinhei pela primeira vez na casa nova.
Que bom sentir o cheirinho de uma canjinha. Senti-me verdadeiramente em casa.




A casa começa a ganhar jeito. Parafraseando o Francisco, talvez seja eu que vou dando o meu jeito à casa. Tenho trabalhado horas a fio. Ao contrário do que a minha mãe teima, não acho que um processo destes seja para ser conduzido com calma. O meu marido apoia-se na opinião da sogra para me criticar: diz que uma mudança destas é coisa para se fazer ao longo de duas semanas e não tudo de atacado, numa semana. Mas não estou de acordo. Primeiro, a casa ainda não está completamente arrumada. Segundo, ainda deixámos roupa e tralha para trás e ainda temos que ganhar energia para lá voltar as vezes necessárias até seleccionar o que é para trazer e aquilo de que devemos desfazer-nos. E desfazer-nos também não é isento de trabalho pois tem que se dar solução para tudo, mesmo para aquilo que não se quer.

Depois não se pode contabilizar apenas o tempo depois de aqui estarmos, há que contar com os dias em que, na outra casa, andámos a deitar fora coisas, a embalar em plástico de bolhinhas, a meter em caixas, a meter em sacos e a trazer para cá.

Portanto, nesta fase aquilo que quero é acabar com isto, acabar rapidamente, arrumar tudo, ter a casa organizada, não ter cenas para desembalar -- e ter tempo para me sentar, descansada, para regar, para podar arbustos, para varrer o jardim, para me estender numa espreguiçadeira a ler.

Mas hoje estou contente com o que vejo: já não falta muito. Tivemos mais uma leva de mudanças. Desta vez vieram os dois móveis mais complexos, verdadeiras pièces de résistance: pesados, grandes. Tiveram que ser todos desmanchados, as peças numeradas e depois, cá, qual puzzle, tudo montado. Não sei como conseguiram a proeza de desmontar aos bocadinhos dois móveis daquele tamanho, um com dois metros e sessenta e cinco de comprimento e outro com dois metros e quarenta, um às ondas, ambos com portas de vidro. Madeira maciça, tratada, móveis de uma outra era. Tudo intacto, tudo perfeito. E ainda pregaram quatro espelhos enormes e pesadíssimos e desligaram lá e ligaram cá quatro candeeiros de tecto. Fazem tudo e deixam tudo limpo, tudo a funcionar bem. Também já tinham feito a ligação das máquinas. Estou francamente impressionada com a força, destreza, habilidade, disponibilidade e simpatia da equipa. Todos brasileiros. Quem tem preconceito contra brasileiros deveria assistir ao trabalho destes homens. E sempre com um sorriso, sempre de uma gentileza que não é frequente entre nós, portugueses. 

A minha filha esteve cá de tarde e não apenas ela e os miúdos se ocuparam da rega dos bocados onde a rega automática não está a chegar e dos vasos como andou a escolher o quadro certo para o lugar certo.
Ainda não estão todos pois essa parte dos quadros foi com o meu marido que, cansado e com fome, já nos deitava por todos os poros, furibundo, acusando-me de abusar, recusando-se a fazer mais. Ainda por cima tinha que preparar informação para uma reunião à primeira desta manhã e já só queria era que o deixássemos em paz. 
Mas foi uma ajuda preciosíssima. Ela é mais minimalista que eu, tem um gosto mais próximo do sentido estético do pai. E eu também gosto; só que, se for eu a fazer, a minha natureza exuberante puxa-me para a cor, para um certo excesso. Assim, com o crivo depurativo dela, fica tudo mais leve, mais claro. E a ver se agora se ocupa dos bibelots. Coloquei-os todos expostos num móvel da cave para que se possam escolher livremente. E a ver se à tarde, depois do trabalho, apanho o meu marido de feição para se ocupar do resto dos quadros. 

Se amanhã os do ikea não falharem de novo, entregarão as estantes em falta. Como encomendei pela net e não descobri onde encomendar a montagem, pedi ajuda ao meu filho. Se tudo correr como previsto, ao fim da tarde poderei arrumar as caixas em falta nesta secção.

Ficará a faltar aqueles que me põem um bocado a cabeça em água: ensaios sobre temas muito variados, entrevistas, testemunhos sobre os mais variados temas. Depois aqueles que o meu marido colocou na mesma caixa na qual escreveu Clássicos: Odisseia, Peregrinação, Bíblia, coisas assim. Será que os deveria manter assim, unidos na mesma estante? Aliás, estava também o D. Quixote e eu fiquei na dúvida. Nos clássicos ou nos de língua espanhola? E os ensaios sobre a luz, sobre a cor, sobre o auto-retrato? Devem estar junto dos livros de arte ou dos ensaios? Estas dúvidas fazem-me hesitar, não desenvolver trabalho ao ritmo que devia. 

Ah, outra coisa: na cave estava uma coisa que eu não identificava. Mas com tanto que fazer e descobrir nem cheguei a verbalizar a dúvida. Afinal é um suporte para as bicicletas. No outro dia já cá ficaram algumas. Hoje de manhã o meu filho, que está de férias, e os miúdos vieram buscá-las para irem andar nelas. Os meninos da minha filha também já cá deixaram as deles. E eu começo a pensar se também não deveria ter uma para mim. Deve ser bom ir com eles dar passeios de bicicleta. Sempre gostei tanto de andar de bicicleta. Só me chateia pensar que depois tenho que usar capacete. Quando eu andava não se pensava nisso e eu gostava de sentir o vento a dar-me no cabelo. Tenho a sensação de que o capacete me deixará meio ridícula e essa contrariedade estética refreia-me um bocado a vontade de partir em belos circuitos pedalísticos em família.

Ah... e mais outra: a ideia de voltarmos a ter um cão vai fazendo o seu caminho. De facto, numa casa com jardim em volta dá a sensação de que com um cão estaríamos mais seguros. Mas penso que o que faz sentido é adoptarmos um. Só que, na minha cabeça, deveria ser um cachorrinho e não ser feio e, ao crescer, não ser um caniche irritante nem um boi, gigante, nem ser irrequieto demais nem agressivo nem ter muito pelo... e, com tanta exigência (sobretudo minha), não está a aparecer aquele serzinho que nos faria cair de amores por ele. Estava tão habituada à nossa boxer ou aos pastores alemães dos primos ou ao labrador de amigos que, vendo os rafeiros para adopção, fico meio desconcertada, sem perceber bem como serão quando adultos. O meu marido limita-se a dizer que deve ser um cão de guarda de porte médio. Também diz que deveria ser de poucos meses para mais facilmente se adaptar a nós e aos nossos hábitos. Mas como também não pode ser já, já, temos tempo para amadurecer a ideia. Imagino a alegria dos meninos se tivermos um caozinho. E só essa perspectiva já me deixa com vontade de lhes dar mais esse motivo de felicidade.

Mas, enfim, são tempos bons apesar de (muito) cansativos, são passos neste caminho novo, são tempos em que tudo está por descobrir. Hoje ligou-me uma ex-colega dizendo-me que vai reformar-se e que eu a tratei sempre com tanto carinho que queria despedir-se de mim, agradecer-me, desejar-me felicidades. Agradeci-lhe e disse-lhe que ela ia começar uma vida nova, que isso era bom. Mas notei nela uma nostalgia e, mesmo, uma tristeza que eu acho que não sentirei um dia que chegue a minha hora de parar de trabalhar. Acabar uma etapa não é chegar ao fim do caminho: é estar livre para escolher novos caminhos. E isso é daqueles privilégios que deve ser agarrado com as duas mãos, com duas mãos agradecidas.

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E como temo que já estejam fartos desta conversa sobre a casa nova, partilho um pequeno vídeo que o YouTube hoje tinha para me sugerir. É meio coisinho, reconheço, mas, pensando melhor, não é totalmente desprovido de sentido. De facto, a vida é feita de acasos, a maior parte dos quais desconhecemos. Quando calha coincidir a oportunidade, a sorte, o senso e a sensibilidade e a disponibilidade para aceitar o momento, estamos perante uma daquelas raridades que deve ser agarrada e festejada. Quantos novos caminhos não chegam a ser percorridos porque algum daqueles factores falha?


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As fotografias que usei fazem parte de The 2020 Macro Art Photography

Play it, Sam está aqui não sei explicar porquê. Talvez seja aquilo de que o coração tem razões que a razão desconhece.

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Um dia feliz. Saúde e boa disposição.

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