Os dias vão correndo de forma atípica. Passam-se coisas que eu, por mil anos que viva, não consigo perceber. Se uma empresa está a passar por dificuldades e desencadeia uma série de acções supostamente para encontrar soluções para os seus trabalhadores, porque é que tudo o que faz é nebuloso, evasivo, retardador, inexplicável? Porque é que suscitam reuniões, enviam documentação, pedem celeridade e, em actos, embrulham, atrasam, enevoam? Estarão aqueles postos de trabalho deveras em jogo? Ou, se estão, saberão essas pessoas que quem diz querer encontrar uma solução está na prática a dificultá-la?
E porque acontecem coisas assim? Porque há coisas assim?
Dizem-me outras pessoas, avisando-me que estão a falar off the record, que aquilo ali é de família, que é gente conhecida nos mentideros por ser gente de esquemas, que eu tenha algum cuidado. Impaciento-me. Não quero saber de mentideros nem de bastidores nem gosto de perder tempo com coisas que não percebo e que não dão em nada.
Ainda há bocado, estava a jantar, recebi uma mensagem. Lembravam-me a urgência do tema e que tentasse que a próxima reunião seja conclusiva. Ainda mais incomodada fiquei. Sinto-me rodeada de gente que diz que quer fazer uma coisa e, com os melhores modos, com as palavras mais acertadas, diz coisas que não significam nada nem correspondem aos actos. Por dentro, digo: tirem-me deste filme. É como se uns bombeiros me dissessem: há aqui um fogo, há gente em risco, não conseguimos salvá-los, venham ajudar-nos. E uma pessoa chega lá, vê os bombeiros com ar de quem precisa de ajuda, em roda, como se a proteger os indefesos no meio, os bombeiros dizendo-se muito colaborantes no sentido de arranjar uma solução para os pobres coitados que estão no interior do círculo mas, estranhamente, com as mangueiras apontadas para fora. As bocas e as caras dizem uma coisa, as mãos fazem o oposto. Queremos aproximar-nos para resgatar os que supostamente estão em risco mas somos impedidos, afastados, pelo jacto das mangueiras dos supostos bombeiros. Mas sempre afáveis, educados. Gente poderosa que, mesmo quando supostamente apeada, usa o seu poder para manipular e para tornar mais vulneráveis os mais frágeis.
Ou será tudo uma estranha farsa?
Dizem-me outras pessoas, avisando-me que estão a falar off the record, que aquilo ali é de família, que é gente conhecida nos mentideros por ser gente de esquemas, que eu tenha algum cuidado. Impaciento-me. Não quero saber de mentideros nem de bastidores nem gosto de perder tempo com coisas que não percebo e que não dão em nada.
Ainda há bocado, estava a jantar, recebi uma mensagem. Lembravam-me a urgência do tema e que tentasse que a próxima reunião seja conclusiva. Ainda mais incomodada fiquei. Sinto-me rodeada de gente que diz que quer fazer uma coisa e, com os melhores modos, com as palavras mais acertadas, diz coisas que não significam nada nem correspondem aos actos. Por dentro, digo: tirem-me deste filme. É como se uns bombeiros me dissessem: há aqui um fogo, há gente em risco, não conseguimos salvá-los, venham ajudar-nos. E uma pessoa chega lá, vê os bombeiros com ar de quem precisa de ajuda, em roda, como se a proteger os indefesos no meio, os bombeiros dizendo-se muito colaborantes no sentido de arranjar uma solução para os pobres coitados que estão no interior do círculo mas, estranhamente, com as mangueiras apontadas para fora. As bocas e as caras dizem uma coisa, as mãos fazem o oposto. Queremos aproximar-nos para resgatar os que supostamente estão em risco mas somos impedidos, afastados, pelo jacto das mangueiras dos supostos bombeiros. Mas sempre afáveis, educados. Gente poderosa que, mesmo quando supostamente apeada, usa o seu poder para manipular e para tornar mais vulneráveis os mais frágeis.
Ou será tudo uma estranha farsa?
Quando acabei de jantar, peguei no prato onde tinha juntado os ossos sobrantes e fui lá fora, lá abaixo, longe, debaixo de um arbusto, despejar esses restos para os animais. De caminho, parei na figueira grande e comi a sobremesa. Os figos começam a adoçar, a amolecer de ternura, carnudos e gulosos. Adocei-me por dentro.
Chegada a casa, estava a pôr o prato no lava-louça, senti uma coisa a fazer-me uma cócega pelo ombro abaixo. Olhei e, num relance, vi um bicho escuro e grande. Dei um valente safanão e, no acto, dei um grito e parti o prato em vários bocados. O meu marido acorreu, surpreendido. Pareceu-lhe que me tinha dado uma fúria e, num rompante, tinha dado um grito e atirado com o prato. Expliquei e mostrei-lhe a causa do sucedido. Não sei que bicho seria. Talvez uma cigarra. Não era preto, tinha manchinhas. E lá se foi mais um prato. Há umas semanas foi a minha filha que, sem as lentes, calculou mal a distância ao pegar num prato para o lavar ou lá o que foi, parece que roçou noutro e, de uma vez, partiu dois. Os pratos lisos e grandes que prefiro vão levando sumiço. Já não gosto de usar pratos como eram os de dantes, mais pequenos. Claro que isto não tem nada de especial e muito menos tem a ver com o tema de cima mas aconteceu no mesmo dia e a minha vida é uma sucessão de coisas que nada têm a ver umas com as outras, de importâncias díspares e globalmente irrelevantes.
Também me aborrece o facto de, logo agora que os figos estão a ficar maduros, é que eu não vou estar por lá para dar conta deles. Bolas. Contrariedade e das grandes. Tento encontrar maneira de a ultrapassar e não vejo como. Pelo menos, de momento.
E há outras coisas que agora também não me dão muito jeito: excesso de trabalho, profissional e sobretudo pessoal (sendo certo que o pessoal é, em grande medida, procurado por mim), excesso de calor, excesso de falta de férias, excesso de falta de paciência para quem me faz perder tempo. E até falta de paciência para a NOS que me obriga a perder tempo em infindáveis telefonemas em que me deixam pendurada a ouvir música, em que me fazem repetir dúzias de vezes o número de contribuinte, o nome, o motivo, e em que nunca, nunca, sabem de nada do que eu disse aos antecedentes nem resolvem porcaria nenhuma.
E não se salva nada? Ora essa, claro que salva. Por exemplo, um telefonema. Conversa longa. A certa altura, aquele homem gigante (e, por sinal, talvez o mais lindo da actualidade) desaba em lágrimas ao saber aquilo que eu tinha escondido e ao recordar as minhas palavras e o meu apoio quando lhe aconteceu a ele o mesmo. Depois, porque também me emocionei, o silêncio. E outras coisas. Pequenas coisas, coisas valiosas. Cores límpidas, cores quentes, cores que desenham pontes, vislumbres que enunciam o que, sendo invisível, brilha como uma luz que traça o caminho para a perfeição, palavras depuradas, sorrisos que se adivinham, proximidades indestrutíveis, alegrias que surgem de dentro de nós, a vertigem das memórias, sonhos, a paz do entardecer, a respiração dos lobos que trazem a noite presa aos seus olhos transparentes. Coisas assim.
Tempos atípicos estes. Tempos atípicos.
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E, de repente, agora que estava a dar o expediente por encerrado, levantou-se, de dentro de mim, uma vontade de dizer aos que se julgam com o rei na barriga e mais espertos que os outros que, calminha aí, nem sempre o vento sopra a seu favor. Portanto, cuidadinho com os pequenos e insignificantes.
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Pinturas obviamente de David Hockney ao som de Origins de Max Richter
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E um dia feliz a todos!
Não é um touro, é um boi. Convém saber distinguir.
ResponderEliminarEstou aqui pelas pinturas.
ResponderEliminarOlá Anónimo,
ResponderEliminarEssa é boa. Até fui pesquisar. Li que o boi é um touro castrado. Mas como, vendo aqueles ali, sabe que são castrados? Ou não é isso?
Lá porque têm medo de uma galinha já os toma por castrados..? Não estará a ser preconceituoso...?
:)
Olá Diogo,
ResponderEliminarFico contente. Eu tenho sempre esta ideia de que um blog é um lugar de liberdade e partilha e eu não me preocupo em ser coerente na mistura que faço de palavras, imagens e músicas. Quero é que as imagens e as músicas sejam de meu agrado mesmo que estejam ali aparentemente a despropósito. E fico contente por ler que vem pelas pinturas. E logo sendo o Diogo a dizer, o Diogo que tem um sentido estético tão apurado (pelo menos eu acho).
Obrigada.
Um abraço!
No caso dos touros e bois creio que ambos têm parcialmente razão.
ResponderEliminarEfetivamente no vídeo parece que estamos perante animal macho, manso, usado para trabalhos agrícolas e para carne - popularmente designado por boi. Não parece ser da raça de animal para combate tauromáquico - vulgo touro.
No geral a espécie é a mesma, as raças usadas em cada uma das atividades é que são distintas e as designações usadas são essencialmente em função da atividade / função a que é destinado o animal.
Aqui ficam algumas notas:
https://ciberduvidas.iscte-iul.pt/consultorio/perguntas/a-diferenca-entre-boi-touro-e-cabresto/26937
https://anidop.iniav.pt/index.php/racas/index.php/racas-autoctones/bovinos
https://www.touradas.pt/tauromaquia/otouro
Oh Paulo, que pessoa sensata e bem informada é!
ResponderEliminarAs pessoas são todas diferentes entre si e umas mais diferentes do que outras. Mas são aquelas que sinto serem tão diferentes de mim que gosto de sentir por perto para me trazerem a racionalidade, a ponderação, o cuidado pelo rigor que tantas vezes me faltam.
Sabe que eu estava a ver o mail e a pensar: será touro ou boi? Mas volta e meia passo por um campo de touros bravos e vejo-os tão mansos que mais me parecem pacíficos bois. E também me pareceu que tinha mais graça uma galinha assanhar-se e pregar um susto a um touro do que a um boizeco, marido de uma pachorrenta vaca.
Mas agora já estou melhor informada e, claro, só posso agradecer-lhe!
E espero que as férias estejam a ser à maneira.
Abraço, Paulo.
UJM,
EliminarO vídeo está o máximo. Boi ou touro é galo! Na verdade, sendo para mim aquilo um boi (os meus avós tinham um de trabalho e várias vacas leiteiras) reparei que nunca tinha questionado qual seria a diferença! Fui então pesquisar e... Lá está, a UJM tem razão: parece que a espécie é a mesma.
O bondoso homem antropocêntrico é que tratou de apurar linhagens específicas para usos específicos! Só vim aqui partilhar o conhecimento que tinha acabado de adquirir. Sem qualquer pretensão ao rigor ou à racionalidade. Aliás, talvez sejam remeniscencias da infância se há coisa irracional nesta história é que até aprecio aquele cheiro a estrume aí desses animais!
Abraço e boa semana!
Férias é que ainda nem por isso.
ResponderEliminarEstou a precisar, até porque a produtividade está pelas ruas da amargura. Mas se quero dar uma última oportunidade a isto que faço, tenho de sacrificar um bocado as férias. Não sei se vale a pena, na verdade.
Mas uma escapadinha pelo menos espero que venha breve!
Abraço e boas férias por aí quando for o caso também.