sábado, junho 27, 2020

Tempos de mudança + a casa delas





Pode o mundo não mudar para a humanidade mas para mim, que sou uma mera e simplória versão feminina do manuel germano, ele tem mudado. Ele, o mundo, bem entendido. Ah, se tem. Eu já tinha aqui falado. Quando a coisa dá em mim nem vale a pena eu lutar. Só tenho é que abrir a janela e pôr-me quieta que a ventania vai entrar e fazer a sua revolução.

E fez mesmo. Um santo dia levantei-me e pensei: vou ligar e dizer que sim. E foi o suficiente. Daí para cá tem sido um torvelinho. Melhor: um torvelhão. E um dia desta semana, depois de algumas aproximações, sentei-me eu de um lado e outro do lado contrário e cada um deu o seu melhor. Mano a mano. Chegámos ao fim e dissemos: está feito. Do lado dele ainda sujeito a aprovação. No dia seguinte ligou: aprovado. Depois outro a ligar. Conversa, muita conversa. A envolver tudo em celofane e piropo. Tudo desnecessário. Já não estou nem aí. Esta sexta-feira a coisa consumou-se. Magno evento, magno anúncio, magnos encómios. E eu, por dentro, 'está bem, está'. Depois ainda outras reuniões e a seguir telefonemas e mensagens. Mas parece que já não é comigo. Não que não sinta qualquer coisa. Sinto. Qualquer coisa. Qualquer coisinha. Mas faz parte, tenho qualquer hoisa de humano dentro de mim. Ou será que é de germano? 

É aquilo de fechar a porta. Em mim estas situações são assim mesmo. Fecho, está fechada. Para todo o sempre. 

Ou seja: dentro de mim, já estou no day after.


Um novo desafio, uma nova vida, um salto no escuro, um certo temor perante o desconhecido, um certo receio de não conseguir, o ser incapaz de pré-definir um guião, o querer entrar assim, a tactear, uma imersão a pleno. Mas estou sem pressa. Parece que sinto que esta nova missão é apenas o in between para uma mudança ainda maior que, dentro de algum tempo, me abençoará. O meu marido não acredita. Diz que não tarda vou estar é de manhã à noite, empolgada, ao rubro, a mais de cem por cento, a moer a cabeça aos outros. E eu acredito. Ele sabe e eu sei que, quando me entrego, é sem meio termo. Não conheço meio termo. É tudo ou nada. E o tudo é um tudo exponenciado tal como o nada é o nada mais absoluto.

No dia em que a coisa se consumou, disse-o à minha mãe. Não se admirou, disse que, nessa manhã, tinha ouvido o horóscopo e que era isso que dizia: mudanças, revoluções. Diz que pensou: lá vai levar a dela adiante. E levei. É isso que todos os horóscopos andam a dizer. Ela ouviu na televisão, eu vi na Madame Figaro e na Vogue. Até faz impressão.


Mas isto das mudanças não se fica por aqui. Fui tomada por uma vontade indomável de vida nova. E é em toda a linha. Do outro processo que está em curso a seu tempo falarei. Só falo quando as coisas se concretizam. Antes não falo: não me traz sorte falar nas coisas quando ainda não se consumaram. E não é que seja supersticiosa. Não sou em geral. Mas sou em particular. E este é um desses particulares. Mas, se se concretizar (e há-de concretizar, ah não se não vai), vai ser uma baita mudança. Caneco, como eu a desejo agora que a vontade dela se apoderou de mim.

Vida nova. É o que me apetece. Nova, nova, nova. Para a revolução ser ainda mais completa só falta mesmo é pegar na tesoura e cortar o cabelo mais curto, quase curto, um corte incerto, cabelo espetado, ponta aqui, ponta acolá, e pintá-lo de louro claro, claro, quase platinado. Ou de azul. Mas esta do cabelo só quando deixar de trabalhar e ter funções como tenho agora em que tenho que fazer de conta que sou uma pessoa muito respeitável. Não é que deixasse de sê-lo mas há gente burra que faz juízos primários e não entenderia bem ver aparecer numa reunião uma pessoa com o cabelo assim.


No outro dia o meu marido, já nem sei a que despropósito, disse: será que qualquer dia vamos perceber que estamos a ficar velhos? Não gostei. Bolas. Isola. Disse-lhe: fala por ti. Eu não. Eu sinto-me é a renascer, a começar de novo. Ele não me respondeu. Somos diferentes. Para ele a vida é coisa contínua. Para mim não, Para mim tem que haver disrupção. O apelo pelo desconhecido é forte. O prazer em ir à descoberta é uma constante dentro de mim. Só gostava era de ser capaz de ainda mais: de deitar quase tudo fora e rodear-me apenas de quase nada e esse quase nada ser tudo novo, coisa oposta ao que agora existe.

Mas, enfim, é isto. E isto, estranhamente, este despir de pele, esta ecdise, anda a deixar-me exausta. Chego ao fim do dia e estou exausta. Depois, chego à cama, tantas coisas na minha cabeça a fervilharem, perco o sono. Vai-se o sono. Mal durmo. Uma coisa horrível. A noite passada derivei para outro lado. Nunca quis ter um barco. O meu marido sim. O pai e um dos tios tinham um, muito grande. Eram os filhos que o usavam. Eu detestava: aqueles peões a meio do rio, aquela loucura dos cavalinhos, o barco a saltar em cima das ondas que provocava, a despesa e o risco que aquilo era. Felizmente, acabaram por se deixar disso. Fiquei escaldada. Mas a noite passada, vá lá saber-se porquè, até me deu para pensar num barquinho pequeno só para passar o dia sobre as águas, uma pequena cabine para proteger do sol, da chuva, do vento. Levar um livro. Depois pensava: talvez pescar. Mas logo me ocorria: e se ali há metais pesados ou outros resíduos e os peixes não são bons? Em vez de dormir, perdida nestes pensamentos vadios. Só visto.

Bem. Já chega de conversa à toa. Vou-me. Com vossa licença.


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Mas, antes de me ir, deixem que partilhe dois vídeos bons de ver e ouvir. Patrícia Pillar e Malu Mader mostram parte das suas casas. Gostoso de conhecer e de gostoso de revê-las.




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Obras expostas:

John Singleton Copley, ALICE HOOPER
Nicolaas Verkolje, LANDSCHAP MET TWEE NIMFEN
Angelica Kauffman, RINALDO AND ARMIDA
Élisabeth-Louise Vigée-Le Brun, LADY FOLDING A LETTER
Heinrich Kühn, STUDY IN TONAL VALUES II

ao som de The Webb Sisters - If It Be Your Will  ft. Leonard Cohen

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E um feliz sábado para si que está aí, lendo o que para aqui vai.

1 comentário:

  1. É de humanos como a escritora que são precisos, nestes tempos de muita incerteza.
    Pelo que leio por aqui, não é de meios termos ou situações, junta-se a fogosidade com a disponibilidade de ajudar. Arrisque que virá o conforto interior da saciedade mental.

    A.Gama Vieira

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