quinta-feira, junho 04, 2020

Calls, covides, graças, pão quentinho, coração também quentinho







Antes de ontem ligou-me o meu filho. Tinham pensado vir cá passar o dia. A senhora da limpeza, ao fim de dois meses e meio, ia fazer limpeza lá a casa e não dava jeito com eles todos lá em casa. Claro que sim. A seguir ligou-me o bebé. Disse-me: 'Nós amanhã vamos aí'. Não disse 'aí'. Entre nós o heaven tem outro nome, um nome muito bonito. Foi isso que ele disse. Eu aproveitei para esclarecer: 'Escuta, quero falar com o pai. Quero saber se vêm em teletrabalho ou em férias. Podes passar ao pai?'. E aí, o meu bebé fofo, que já não é tão bebé quanto isso pois já fez três anos, em vez de passar o telefone ao pai, resolveu logo o assunto: 'Não. Hoje o pai e a mãe estão a tabalhar e os manos tão na escola. Mas amanhã eles não tabalham e os manos não têm escola porque amanhã é domingo e ao domingo não se tabalha nem há escola'. Desatei a rir: 'Ó meu amor, vocês amanhã vêm cá mas não é domingo.' E ele: 'É, é, amanhã vamos aí, amanhã é fim de semana'. e eu: 'Ó meu querido, vens cá mas desta vez não é ao fim de semana. Passa lá ao pai'. Por fim, lá me apareceu o meu filho. Que vinham em trabalho, claro, e os miúdos com escola. Que estariam cá pelas nove horas.


E, mais coisa menos coisa, cá chegaram. Instruídos para o distanciamento. Sem beijinhos. Mas ao longo do dia o distancimento foi-se estreitando. Meus queridos. A minha menina veio ajudar-me a fazer o almoço e o jantar. Diz que gosta de cozinhar. E quis que a penteasse, que lhe fizesse tranças. Diz que gosta que lhe mexam na cabeça. Somos muito iguais. Surpreendo-me. Gosta do que eu gosto, faz gestos que eu faço, gosta de ousar e, a bem dizer, também se está nas tintas para o que os outros pensam. O meu espigado menino do meio continua divertido, brincalhão, esperto que se farta, sabe tudo, preocupa-se com tudo, quer perceber tudo. Tal como os primos, têm aulas através do computador (ela até aula de ballet teve) e tudo com a maior das naturalidades, como se sempre tivessem tido aulas por essa via. Quando eu disse que ia ter uma reunião, o bebé perguntou-me e eu nem queria acreditar: 'A que horas é a tua call?'. Quando eu estava a sentar-me em frente do computador, ele espreitou, apontou para um pequeno símbolo que estava na barra inferior e perguntou-me: 'Ah, vais usar o teams? Tens que carregar aqui'. Fiquei de queixo caído.


Para o jantar fiz bacalhau à Gomes de Sá. Mas, depois de descascar um monte de batatas, achei que não chegavam. Pedi ao bebé, que andava ali de roda, que fosse pedir ao avô que me trouxesse outro saco. Ele assim fez. Passado um bocado vinha o avô, a rir, com ele ao lado. Contou-me: 'Perguntou onde é que estavam as batatas e eu disse que estavam ali de lado porque as tínhamos trazido ontem à tarde do supermercado. E vai ele e pergunta-me: E agora já não têm covid?'. Menino inteligente e divertido.

Ao jantar, quando vi que ele tinha deixado alguma comida no prato, perguntei-lhe: 'Olha, ainda tens comida no prato, acaba lá'. Fez um ar enfartado, abanou a cabeça ao de leve e respondeu: 'Tou cheio...'. E não comeu mais. O meu filho disse: 'É um menino livre. Saíu-lhe a sorte grande com isto do covid'. E de facto. A sorte de estar em casa com os manos e com os pais. Longe vão os tempos em que os pais os deixavam cedo e iam buscar tarde, ambos cansados, muitas vezes em viagem.


Entretanto, antes de almoço, vi no telemóvel do meu filho um amigo deles, de bata. A mulher ia ter um bebé naquele instante, ele ia entrar para assistir. Ainda o ano passado cá tinham estado a passar uns dias com um bebé que o nosso bebé odiava, podre de ciúmes, não o deixando mexer em nada. Agora já estava outro bebé a chegar. Ao fim da tarde já estavam todos em videochamada, a jovem mamã já com o seu bebé a seu lado, os amigos a festejarem a chegada de mais um amigo.

Ah, e esqueci-me de uma coisa muito importante. Quando chegaram de manhã, traziam com eles uma grande bola de massa que foi direitinha para o forno. Várias vezes tinha visto no whatsapp os belos pães que a minha nora faz. Ia finalmente experimentar o que, nas fotografias, parece tão apetitoso. Daí por um bocado já cheirava a pão que era uma maravilha. O cheiro do pão a fazer é das coisas boas desta vida. Não usa fermento, ela, nem quaisquer outros produtos químicos, usa a técnica da massa velha. Cresceu, cresceu. E, no fim, ficou um pão grande, saboroso, saboroso, saboroso. 

A minha menina queria ajudar e eu já não tinha o que ela fazer. Disse-lhe então para fazer um petisco. Num pratinho, pôr azeite e depois um fio de vinagre balsâmico, agitando depois o pratinho para que o fio se transformasse em bolinhas. E o que posso dizer é que aquele pão delicioso, ainda morninho e molhado no azeite com o toque de balsâmico é de comer e chorar por mais.


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E é isto. Por hoje, pouco mais tenho a acrescentar. Não tenho visto notícias. Não sei se o mundo ganhou juízo e se toda a gente vive inteligentemente. Seria bom que sim. Rodeada de passarinhos que cantam desabaladamente, com lagartixas por todo o lado, borboletas a esvoaçar cores por cima de tudo o que é flor ou folha, e com os meus meninos, aos poucos, a retomarem à minha companhia, tenho dificuldade em perceber como se pode viver sem ser assim, em paz e harmonia.

As fotografias, como é bom de ver, são de Nick Knight e vêm ao som de Little Giant, segundo Roo Panes 

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E desejo-vos uma bela quinta-feira.

2 comentários:

  1. Francisco de Sousa Rodriguesjunho 04, 2020

    Minha riqueza,

    Que recortes tão bonitos do seu dia.

    Eu tenho andado bem entretido entre as consultas que retomam, as jardinagens e o puro descanso com o belo tempo que tem estado.

    Um abraço aí para o heaven!

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  2. Oi Francisco, tudo bom?

    Obrigada pela simpatia das palavras. Bom saber que a actividade vai reaparecendo, que as suas consultas vão reacontecendo, que o jardim continua lugar de descanso e prazer.

    Um grande abraço aqui do meu heaven! Dias felizes.

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