Não vou falar do meu dia.
Só uma coisa: é que, no meio da trabalheira, me lembrei de convocar a família para uma vídeoconferência. Como em cada casa há mais que um computador, os dos adultos e o iPad dos meninos -- que na escola já o usam e agora por maioria de razão -- receberam todos convocatória. E, então, foi uma alegria. Na casa do meu filho, os meninos estavam felizes, cada um em seu sítio, conversando uns com os outros por esta via e aparecendo, de surpresa aos outros, para mutuamente se surpreenderem. O primeiro meeting foi a seguir ao almoço mas houve confusão pois um dos da minha filha estava a ir para as aulas. Mas a menina apareceu toda aperaltada. Adorei vê-la. Disse-lhe: 'Mas estás tão bonita, com uma roupa tão bonita...'. Ela, coquette, disfarçando: 'Não, não, nada, apeteceu-me foi pôr umas collants, há muito tempo que não usava...'. Ouvi o pai a dizer: 'Foi, foi...'. O meu marido segredou: 'Não digas nada, não a envergonhes'. A posteriori, tive que lhe explicar que a alegria de perceber que os outros reparam em como nos arranjámos bem às vezes parece timidez. Mas, por baixo do que parece timidez, está a alegria, a motivação para uma próxima vez.
Ao fim da tarde já estávamos todos. O que em tempos era, aqui, por mim, chamado de ex-bebé e que agora já é um menino crescido com nove anos estava a fazer um lego que lhe oferecemos e que os tios encomendaram, por nós, recorrendo à glovo. Gostou do presente. Estava já resignada à ideia de não podermos oferecer-lhe um presentinho, quando os tios se lembraram desta alternativa. Assim, quando ele até estava conformado com a ideia de que, face às circunstâncias, não poderia ter presentes, o meu menino mais querido recebeu vários. Aliás, do lado da mãe, também. É que mal ela pressentiu que isto poderia acontecer, ainda a porca não tinha começado a torcer o rabo, foi logo a correr, num fim de dia, e preveniu-se com o qb para lhe organizar uma festinha e ter presente para o seu 'bichinho'. Entretanto, o menino do meio queria era combinar jogar o fortnite com os primos. Ela mostrou-nos o trabalho que tinha feito de tarde e que me pareceu um cogumelo cheio de brilhantes e que, afinal, era uma menina, creio que com brilhantes no cabelo. O bebé andava à aventura, descobrindo os irmãos, perguntando coisas, radiante da vida. O mais crescido de todos, está cada vez mais um pré-adolescente. Ainda hoje, ao vê-lo numa fotografia de costas, até tive que ampliar, já me parecia um rapazinho crescido, outro que não ele. Meu amor mais lindo.
Foi ele que me baptizou como Tá. Era bebé, ainda não falava e quando eu lá ia a casa, ria, brincava e dizia tá, tá, tá. Um dia a minha filha disse: eu acho que a tá és tu. Não achei, achei que era apenas alegria. Mas, à medida que foi crescendo e dizendo as primeiras palavras, foi ficando cada vez mais claro que a Tá era mesmo eu. E era. E ainda hoje sou.
Momentos bons. Aos poucos vamo-nos habituando a apreciar os sucedâneos, como se estivéssemos a descobrir outras formas de expressar o afecto.
E esteve sol. Não um sol exuberante mas, antes, aquele solzinho manso que nos faz brilhar os olhos e o coração. Depois do cinzento e do frio que me custou na alma, um dia suave, morninho, aprazível.
Tive reuniões na rua. Via-me no monitor do computador com o cabelo luzindo ao sol, o rosto atravessado pela luz. Do outro lado, ouviram os passarinhos. Senti-me melhor, consegui trazer um pouco do encantamento do lugar para dentro de situações que de encantamento têm raspas.
Tive reuniões na rua. Via-me no monitor do computador com o cabelo luzindo ao sol, o rosto atravessado pela luz. Do outro lado, ouviram os passarinhos. Senti-me melhor, consegui trazer um pouco do encantamento do lugar para dentro de situações que de encantamento têm raspas.
Na parte da manhã, só me despachei do trabalho bem depois da uma e, antes do meeting familiar das duas, tinha que almoçar e telefonar à minha mãe pelo que foi de raspão que, antes de fazer a chamada, vi os números. Vi o número absoluto dos novos casos e mentalmente calculei que não devia chegar aos 10%. Fiquei contente. Em número absoluto são muitos, os casos difíceis vão surgindo, cada vez mais, os que não resistem também. Mas, se conseguirmos continuar assim, regredindo na percentagem, estaremos a ir no bom caminho e talvez consigamos evitar chegar ao desespero mais absoluto em que, por exemplo, se vive em algumas regiões de Espanha ou Itália. Mas, ainda assim, vai ser muito mau. Quem está mal, está mal durante muito tempo. É daqueles casos em que a matemática também ajuda. Neste caso é a teoria das filas de espera que entra em cena. Neste caso há mais doentes a chegarem aos cuidados intensivos do que a sair deles. Desenvolve-se o efeito de acumulação que, neste caso, tem a particularidade de estarmos a falar de pessoas a precisarem de assistência para respirar e de os que lá estão não darem o lugar a outros senão ao fim de muito tempo (a menos que morram antes, claro). É, pois, fácil modelizar a situação para calcular de quantos ventiladores se vai precisar tal como é fácil perceber que, por muitos que haja, serão sempre poucos.
Caneco. Não queria falar nisto.
Queria falar noutra coisa.
Mas a esta hora estou a ver o Governo Sombra e, uma vez mais, aprecio a sensatez e a honestidade intelectual de Pedro Mexia e a estupidez insanável de João Miguel Tavares. Agora acha que o governo vai ter que dizer em que data é que se vai poder abandonar o distanciamento social. Como se o governo devesse ser mentiroso e estúpido só para lhe agradar. Só um mentecapto pode pensar assim, caraças. E eu a única coisa com que me espanto é por alguém o convidar para emitir opinião. E não apenas o convidam como lhe pagam. Gente, certamente, ainda mais burra que ele.
E, já agora que voltei a descambar para este tema tão incontornável, deixem que expresse a minha estranheza por não ver sinais de solidariedade e compaixão por parte da Igreja. Não digo que não haja, digo apenas que não vejo. Esperaria que os cardeais e bispos anunciassem que os mosteiros e demais edifícios habitáveis tinham sido cedidos para alojar idosos de lares onde surgem casos ou, de futuro, se não houver lugar para albergar infectados ou doentes em recuperação mas ainda contagiosos. Assim como esperaria que a Igreja tivesse já anunciado que padres, freiras, diáconos, acólitos, beatos e demais fiéis tinham sido alocados ao cuidado de idosos isolados em casa, ao cuidado dos sem abrigo e de todos que sejam vítimas indefesas desta droga virulenta. Mas não ouvi ainda nada disso. Não sei o que se passa. Agora que missas e outros ajuntamentos estão fora de questão (e presumo que nem façam grande falta), não estaria na altura dos devotos receberem formação e mostrarem que existem para abnegadamente servir os outros? Mas, na volta, está bem, está.
Bem. Digo que não quero falar nisto e, mal me distraio, aqui estou caída. É que queria era falar do post tão bonito do Steve McCurry, do qual retirei as fotografias e as citações abaixo que aqui partilho convosco: Proud, Strong, Unshakeable: Portraits of Resilence.
- The world breaks everyone, and afterward, some are strong at the broken places – Ernest Hemingway
- Resilience is the ability to overcome adversity, cope with setbacks, and persevere in the face of trauma and deprivation.
- The greatest glory in living lies not in never falling, but in rising every time we fall. – Nelson Mandela
- The bamboo that bends is stronger than the oak that resists. – provérbio japonês
E queria falar disto porque sinceramente acredito que, no meio da adversidade, da saudade, do medo, do sofrimento, do desespero, das dificuldades e da falta de alento, é necessário que, de dentro de nós, se levante a força que todos temos, uma força mesmo que desconhecida, se levante a esperança, se levante a persistência. Haveremos de chegar a dias melhores. É respirar fundo, olhar pela janela, procurar uma ideia que traga paz e beleza, levantar a cabeça, esperar que melhores dias cheguem -- e acreditar.
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Um bom sábado. Saúde.
Adorei. Até roubei uma parte para partilhar com outros. Vai correr bem, sim. Para a frente é que é Lisboa, diz o provérbio, menina e moça, sem Lisboa é que não, amo esta cidade, vai correr bem sim. Hold the line and keep on writing. :-)
ResponderEliminar😉 E vai daqui um smile para si, LF.
ResponderEliminarE cá estamos, aguentando.
Força também para si. 💪
Freiras, frades e padres a ajudar as vitimas?? Livrai-os do mal, Senhor!
ResponderEliminarOu como dizia o Aleixo," Pára-raios nas igrejas / É para mostrar aos ateus / Que os crentes — por mais que o sejam — / Não têm confiança em Deus."
MPDAguiar
Olá MPDAguiar,
ResponderEliminarBem apanhada essa do Aleixo, sim senhor. Muito bom, muito apropriado.
Gostei. Deixou-me a rir.
Obrigada.
Abraço!