Todas as cartas de amor são ridículas? Talvez para quem está de fora. Talvez também para quem está dentro e não queira ver.
Ofelinha, amorzinho.
Bombonzinho. Passarinho.
Conversinhas pirosas, nicknames que não lembram ao careca, réplicas apatetadas, criancices absurdas.
Não gosto de ler cartas de amor alheias. Parece-me devassa. Sinto-me a entrar em território estrangeiro, lugar em que apenas os amorosos se sentem em casa, conhecedores de uma língua própria. Não gosto.
Apenas suporto quando a coisa tem um toque de drama ou de graça, de encenação, quando vira teatro ou prosa declamada, quando é outra forma de ser poesia, quando ganha vida própria, eterna, longe da vida demasiado humana que lhes esteve na génese.
Cartas de amor, declaração de amor, confissão sofrida de um amor nunca antes visto, desabafo insensato, coisa assim isso também já não me vejo a escrever. Parece que ganhei aquela dose de vida que já só se compadece com cara a cara.
Mesmo dito não me dá jeito dizer: amo-te. Só se for em momento de brincadeira. Amo-te é muita sílaba muda. Momento a sério não requer tradução em palavra gasta. Muito menos pergunto: amas-me? Não soa bem. Os lábios nem descolam. A-mas-me. É palavra pasmada, sem graça, sem vida. Não corresponde ao que é suposto. Não uso.
E a mesma coisa com receber carta de amor. Se aquele que o meu coração ama me escrevesse uma carta, mail que fosse, com uma conversinha deste género, amada minha, coração da minha alma, o que seria eu sem ti? alimento-me do teu amor, diz que também vives e dormes a pensar em mim, diz que sou o teu amorzinho, diz, minha eterna gatinha, diz, miau, eu ia deitar fora e dizer o tipo é mas é maluco, foge.
Talvez agora pudesse ser por videocoisa. Mas a videocoisa já é igual a olho no olho. Tempos novos requerem abertura a novas coisas.Mas, quero eu dizer, que neste momento já apenas me vejo a verbalizar sentimentos a valer. Escrever: amor do meu coração, não sei viver sem ti, és a minha paixão, a minha razão de viver, coisas assim já não me parece que façam sentido que sejam traduzidas em escrita. Em escrita só se for mais subliminar, mais metafórico, mais virado do avesso, mais como se fosse outra coisa, mais disfarçado de indiferença, de quero lá eu saber.
Mesmo dito não me dá jeito dizer: amo-te. Só se for em momento de brincadeira. Amo-te é muita sílaba muda. Momento a sério não requer tradução em palavra gasta. Muito menos pergunto: amas-me? Não soa bem. Os lábios nem descolam. A-mas-me. É palavra pasmada, sem graça, sem vida. Não corresponde ao que é suposto. Não uso.
E a mesma coisa com receber carta de amor. Se aquele que o meu coração ama me escrevesse uma carta, mail que fosse, com uma conversinha deste género, amada minha, coração da minha alma, o que seria eu sem ti? alimento-me do teu amor, diz que também vives e dormes a pensar em mim, diz que sou o teu amorzinho, diz, minha eterna gatinha, diz, miau, eu ia deitar fora e dizer o tipo é mas é maluco, foge.
Para mim, carta de amor para tocar o meu coração tinha que vir envolta em coisa rara, em loucura, em desvario, em coisa acima de tudo, em inteligência rara, em requinte intemporal, temperada com apontamentos de ternura, de entrega, de rendição. E tinha que vir escrita de uma maneira que me deixasse louca de espanto. E não deveria ter a palavra amor. Isso eu é que teria que adivinhar. Ora isso talvez já não haja. Portanto, tiro daí a ideia.
Mas, neste canal, eu gosto de ouvir ler carta de amor. Lá está: não sei quem são as pessoas. Poderiam não ter existido ou ser coisa de escritor e sua musa. Poderia ser tudo inventado. Virtual. Um amor virtual mas vintage.
Não conheço Edith Bowman, muito menos sei quem foram os seus avós. Mas gosto de a ver na sua casa a ler uma carta do avô para a avó. Se calhar é porque é dita em inglês e me soa a coisa de novela da BBC, coisa, também ela, vintage e de bom gosto.
Não conheço Edith Bowman, muito menos sei quem foram os seus avós. Mas gosto de a ver na sua casa a ler uma carta do avô para a avó. Se calhar é porque é dita em inglês e me soa a coisa de novela da BBC, coisa, também ela, vintage e de bom gosto.
__________________________________________________________
Sei é que tive um dia excessivamente longo e, até passar da uma da manhã, estava a pensar que não vinha aqui escrever nada. Estava sem nada que dizer. Cansada. E estava à espera de um mail que não chegou. Não seria de amor, seria um mail diferente. E continuo à espera que chegue.
_______________________________________________________________
As pinturas são de Alexander Roslin e parecem-me que fazem um bom pendant com a Love Letter que Nick Cave canta.
Mas isso, claro, é subjectivo. E tudo o mais também.
______________________________________________________________
Uma boa quinta-feira.
Saúde. E força.
A maior das capacidades humanas, a de amar.
ResponderEliminarDuas notas sobre o post anterior:
Tenho uma amiga, já nos 80, que a mezinha dela para curar maleitas de dores de garganta a constipações é a bela da ginjinha de Alcobaça;
Deixe lá os certinhos e racionais, porque espíritos de mil talentos querem-se livres de entraves à criatividade do seu sentir.
Um rico dia!
Lá está você com a questão dos gatos; que mal tem tratar alguém por gatinha, ou gatinho? Em relação aos nicks a mesma coisa. Que mal têm os nicks? Eu e a minha parceira é muito raro tratarmo-nos pelo nome próprio, aliás, é quase sempre quando estamos chateados que lá nos sai o nome próprio. De resto, são os nicks, um para mim e outro para ela, e estes depois têm declinações, consoante o mood. É certo que os nossos amigos a princípio estranhavam: que é que lhe chamaste? Que é que ele te chamou a ti? A malta explicava que tinha sido numa longa road trip pela Ibéria que os tínhamos inventado, que eram contrações de contrações de palavras que nos tinham saído pelo caminho. Eu o Tatos e ela a Nutos. Em suma, não vejo mal algum nisso. Claro que, por vezes, exageramos: Nutitos, Tatitos, Nutelatas, Taturatos e por aí, mas as declinações costumam ser só privadamente. Giro é no supermercado, quando nos separamos e de repente ouve-se uma voz: Tatos?... Nutos, estou aqui, nas verduras! Tatos, vou buscar o pão, encontramos-nos nas caixas! Há alguns tipos que ficam sem perceber e a apanhar do ar mas, quer eu quer ela temos nomes próprios relativamente comuns e assim é mais fácil identificarmo-nos e não criar confusão quando nos separamos. Bom, já me alonguei em demasiada para alguém que tem uma certa azia a cartas de amor e que ainda por cima estava acordada em função de um email (espero que o tenha recebido). Bom dia UJM, deixo-lhe um clipezito, tudo menos romântico (ou não) para acompanhar o café da manhã. 😊 https://www.youtube.com/watch?v=SZYknBB_UVY
ResponderEliminar“ … É bem melhor dizê-lo a cantar. …
ResponderEliminarDevia ser como no cinema,
A língua inglesa fica sempre bem
E nunca atraiçoa ninguém. …
https://www.youtube.com/watch?v=oBNhhzcaDKA
Venho cá desmistificar: "... em coisa acima de tudo, em inteligência rara, em requinte intemporal, temperada com apontamentos de ternura, de entrega, de rendição." Pois claro que ainda há destas "cartas" de amor. Encontro-as frequentemente nos nano poemas de D. Xilre (http://xilre.blogspot.com/). Podem confirmar..
ResponderEliminarUm abraço e dia bom.
CSC
Olá Francisco,
ResponderEliminarQuando vou a Óbidos, compramos sempre Ginjinha de Óbidos e gosto imenso de bebê-la em copinho de chocolate preto. Também me faz muito bem.
Aliás, por esta altura deveria eu ir passear por essas bandas, curtir o nosso belo país. Mas me aguardem que, não tarda, estarei a fazer turismo, numa daquelas rapidinhas que costumo praticar, ir e vir no dia seguinte ou dois ou três dias depois.
Uma bela happy friday, Chicão!
É tão boa, não é? Mas há-de experimentar de Alcobaça que é uma maravilha.
EliminarMerci e uma happy friday, aussi.
Olá Lúcio,
ResponderEliminarLá está: faz sentido para os próprios, fica estranho para os outros. É língua que, fora do casal, fica coisa incompreensível e, por vezes, meio totó. Por isso, ler cartas cheias de Tatos, Nutos, tatitos, Nutitos e coisas cheias de utos e itas quase parece meio patetita. E, no entanto, para os próprios, para os apaixonados, são coisas que soam ternurentas, recordam momentos, é coisa que revela cumplicidade.
Quanto ao vídeo que enviou, bolas, seria bom que eu acordasse com essa energia, toda pronta para me muscular... Mas não, acordo ensonada, vou à rua ver o tempo, depois vou lavar-me, vestir-me, comer fruta, kefir com mel e amêndoas, beber um café, mas tudo com vontade de ainda estar a dormir mais um bocadinho.
Muita energia para si, LF. Um dia bom.
Olá Unknown,
ResponderEliminarE tem razão, sabe? Sabe em que língua me soa melhor? Em italiano. Gosto imenso. Parece-me adequado, parece que bate certo. Tem tudo, ternura, charme, sedução. O I love yu está batido, o je t'aime parece-me ligeiramente banal. Mas em italiano tem aquela inflexão que parece que se ajusta bem ao sentimento.
E sabe que não conhecia esta canção? Obrigada. Bem bonita. E mais uma bela interpretação da Manuela Azevedo.
Um dia bom para si. E gracias very much merci et beaucoup et tout ça.
Olá CSC,
ResponderEliminarPois bem o conheço, o príncipe dos príncipes. Bem o leio. E releio. Não há igual. Não há amor como aquele. Deve tocar, e bem fundo, não apenas o coração da sua bem amada como o de todas as pessoas em cujo peito bate um coração.
Gostei que se tivesse lembrado dele a propósito do que escrevi pois, ao dizer que não havia 'coisa acima de tudo, em inteligência rara, em requinte intemporal, temperada com apontamentos de ternura, de entrega, de rendição', eu estava a ser injusta para com ele. A Orchidée que o diga, não é..?
Abraço e uma friday à maneira!