Por todo o lado por onde ando, sinto um certo atordoamento como se estivessemos sem saber bem o que fazer perante o que parece ser o início do fim dos tempos.
Lá pelas minhas bandas, a cada momento nos chegam novas informações que nos levam a rever os planos, a cada momento ficamos sem saber como agarrar as pontas que se soltam por todos os lados.
Tudo muda a toda a hora e toda a gente precisa de saber agora como vai ser e uma pessoa já nem sabe bem como decidir num sentido e depois noutro contrário, ficando sempre com a sensação que o ideal era parar este filme. Hoje várias vezes tive vontade de dizer pára tudo, vai toda a gente para casa. Mas não dá. Não pode haver debandada. Tem que se coordenar quem vai, quem fica, como se organizam os que ficam, como se articulam os que ficam com os que vão.
Hoje já fiz várias reuniões por via remota mas uma delas foi uma confusão. Éramos muitos e estávamos distribuídos por sete locais distintos. Uma canseira. Não estamos bem treinados. E depois fiz uma presencial e teve que ser presencial pois os olhos nos olhos são fundamentais em determinados assuntos. Mas e as outras que tencionava fazer durante toda a semana que vem? Desumanizo-as? Suspendo-as? Tenho assuntos em marcha, não posso suspender tudo.
A economia vai a pique e antevejo um desastre para muita gente. Por muitos apoios que o Governo injecte, e em boa hora anunciou que vai mesmo injectar, há actividades que não vão aguentar, há muita gente que vai patinar ou afogar-se à força toda. E a seguir -- e não sei quando será este 'a seguir' -- as coisas não voltarão a ser como antes. Os hábitos vão mudar. Pode ser que mudem até para melhor mas o período de readaptação poderá ser doloroso.
Ou seja, claro que haveremos de nos reajustar, surgirá uma outra forma de viver -- será, pois, uma oportunidade para quem tenha olho para o negócio. Mas à custa de muitas falências, muito desemprego, muita desprotecção. E, claro, de muitos sustos, de muito medo... e provavelmente de algumas vidas.
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Claro que as medidas ditadas pelo Governo são mais do que acertadas e tomara que toda a gente as perceba e leve a sério.
Vejo os jovens que trabalham nas empresas por onde circulo todos divertidos, em alegres animações, como se nada disto os assustasse e prontos para irem para a farra.
Mas é com novos e com velhos. Hoje tive uma insistente e demorada conversa com a minha mãe pois contou-me que ainda hoje recebeu a visita de uma amiga e que amanhã tencionava ir à cabeleireira. Perguntei-lhe que parte do que tem andado a ouvir é que ainda não percebeu. Ambos com oitentas e muitos, ela que teve um problema oncológico há não muito, o meu pai com dependências severas e múltiplas, estão no topo dos grupos de risco. Como é que ela ainda acha que não vai dizer à amiga ou à vizinha que agora não há visitas para não as melindrar ou que não vai deixar de arranjar o cabelo para a cabeleireira não ficar ofendida? Fico exausta com isto. Digo-lhe e redigo-lhe: Mãe, são tempos de distanciamento social. Perceba que tem que se proteger a si e proteger o pai. Bolas. Tem que ter cuidado. E ouço-a a suspirar como se eu estivesse a dar-lhe uma ganda seca.
O João, que bebe do fino e sabe do que fala, enviou este gráfico que mostra o efeito benéfico e quase instantâneo do distanciamento social na propagação do COVID-19. Thanks, João.
O João, que bebe do fino e sabe do que fala, enviou este gráfico que mostra o efeito benéfico e quase instantâneo do distanciamento social na propagação do COVID-19. Thanks, João.
A queda e o abrandamento das curvas falam por si
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Hoje chegou até mim o desabafo de uma enfermeira. Não consegui obter a sua autorização mas quem me fez chegar disse-me que achava que este texto tinha sido escrito justamente para ser partilhado. Portanto, aqui o deixo. Mas, se chegar ao conhecimento da sua autora e não o quiser ter aqui, bastará que me informe que eu, de imediato, o retirarei.
1) Lavem as mãos. Não me interessa se as lavam com sabonete de leite de burra importada das estepes dos Himalaias. LAVEM-NAS! Como se a vossa vida dependesse disso. De facto ela depende!
2) Respeitem a etiqueta respiratória. Pelo amor de Deus parem de limpar o nariz e a cara às mãos que depois vão esfregar em todo o lado. Sim, isto é baseado em factos reais acontecidos hoje.
3) Resguardem-se! Parem de ir para a porcaria da praia de Carcavelos quando deviam estar em casa. Estudem, leiam, durmam, vejam netflix (matava para ser igual a vocês e poder fazê-lo nesta altura).
4) Honestamente não li nada sobre isto, mas tomem banho quando chegarem a casa e mudem de roupa, principalmente se não vão voltar a sair.
5) Mantenham a casa limpa. Em vez de andarem por aí histéricos a tentar fabricar os vossos próprios geis desinfectantes para queimarem os dedos e acabarem a entupir urgências, peguem na esfregona, no pano e nos produtos de limpeza e mantenham a vossa casa limpa.
6) Afastem-se. Mantenham a distância das pessoas de quem gostam e que podem estar mais vulneráveis. É tremendamente perigoso para as avós, tias e amigos vulneráveis o contacto com pessoas de risco.. Que como já percebemos, neste momento, somos todos nós.
7) Tenham vergonha. Quando andam por aí nos hospitais a roubar as nossas máscaras, luvas, material desinfectante que já é tão pouco e nos vai ser tão necessário, fiquem a saber que se estão a roubar a vocês próprios. Ao exporem-nos desta forma estão a contribuir para que sejamos um risco para vós no momento em que precisarem. Se eu estiver desprotegida num contacto de risco, contrair isto e continuar a trabalhar adivinhem o que é que posso fazer à vossa mãe, irmão, avó...
8) Por falar em vergonha... Eu tenho dias em que trabalho das 8 da manhã às 11 da noite, há médicos que trabalham 24h e por aí adiante. Não temos muito tempo para participar na vossa histeria colectiva a rapinar papel higiénico e latas de atum. O corona não ataca prateleiras de supermercado, ataca pessoas. Parem com essa merda. Sirvam-se criteriosa e ordeiramente. Ainda ninguém veio dizer que se está a racionar comida.. Mas continuem a portar-se assim que.. Oh well.
9) Por falar em comida.. Deixem os chineses em paz! Anteontem de manhã só tive vontade de chorar quando vi a Katy, que é a dona da frutaria da minha rua, de máscara, luvas e um aviso na porta a dizer que os está a usar porque não quer que as pessoas pensem que pode contaminar alguém. Partiu-me o coração. Nesta palhaçada temo que se contamine a ela e aos outros. E numa perspectiva egoísta eu preciso dos morangos da Katy para sobreviver a isto. Se ainda houver morangos depois de vocês comprarem caixas de 5kg para apodrecerem lá em casa.
10) Respeitem-nos. Sejam atentos, honestos, contem - nos exactamente o que estão a sentir e o que está a acontecer convosco. Não omitam informação que possa ser importante. Não venham ter connosco ao hospital a menos que seja absolutamente necessário. Não chamem médicos a casa, não apareçam na urgência, não façam fitas ridículas. Quem fica de quarentena para ir para o Amoreiras também tem dedinhos para ligar 808 24 24 24. Se não atenderem procurem outros meios, mas que a decisão de ir a um serviço de saúde seja tomada em sã consciência, com a noção de que se não precisarem realmente se podem estar a expor desnecessariamente. A linha está a ser reforçada e vamos esperar que seja possível chegar a todos. Se a situação em casa vos soar a perigo de vida liguem para o INEM. Entendam que perigo de vida não é 37.3 de temperatura depois de se terem andado a esfregar nas areias de Carcavelos.
11) Suck it up. Estamos todos assustados com isto. Eu não tenho medo por mim, embora tenha noção que não estou isenta de poder adoecer e morrer disto (é o mesmo barco para todos nós). Não nos agridam, não nos cuspam, não nos tussam para cima (boa parte destas coisas já aconteceram com colegas meus nos últimos dias). Ao fazê - lo estão a fazê-lo sobre vocês próprios. Se formos para casa não haverá ninguém.
Casa. O sítio onde quero regressar no fim disto. O sítio onde espero e vou abraçar o António intacto e incólume no fim disto. É por ele que tenho mais medo. Pelas minhas irmãs. Pelas minhas amigas. Pela nossa família. Cada vez que um de nós sai de casa em direção ao trabalho estamos a assinar um cheque em branco para tratar de vocês. Respeitem isso. Honrem isso. Ajudem-nos a ultrapassar isto. Colaborem. Cumpram. Sejam sensatos. Isto é algo como nunca vimos.
Precisamos muito de ser profundamente solidários e civilizados neste tempo.
Porque eu já perdi qualquer esperança de ser apenas enfermeira dos meus doentes no meu mundo encantado. Isso acabou. Somos todos por um.
COVID-19 vs Flu
Professor Robert Booy from the University of Sydney, Head of Clinical Research at the National Centre for Immunisation Research and Surveillance, answers the following questions about COVID-19:
What are the symptoms of COVID-19? How long does it usually last? Who is most at risk? What are the chances of recovery? Can the flu injection prevent COVID-19?
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Saúde, coragem e calma, minha gente.
Não se me oferece dizer mais nada, a não ser, porra!, esta mulher é um exemplo da mais pura solidariedade para além de uma profissional de mão cheia. Obrigado SENHORA ENFERMEIRA.
ResponderEliminarEu gostava de ter ficados estas duas semanas em casa a ver netflix, mas tive de trabalhar todos os dias. Brinco que se calhar não era gripe normal, que era o corona, e as pesoas riem, mas tenho 97% de certeza que era mesmo o covid, pois nunca me senti desta maneira. Agora já passou, mas devo ter espalhado pelas ruas umas belas doses de virus. Não há como seguir estes solenes apelos quando o pão da mesa de cada dia se ganha à hora. Viva o luxo de ser um bom cidadão. Ainda só é para ricos.
ResponderEliminarAbsolutamente extraordinário esse testemunho. Que é uma enorme lição para todos nós. Essa anónima heroína, que dá tudo de si própria, que põe em risco a sua própria vida por todos nós, merece o respeito dos portugueses. Eu acredito que enquanto houver pessoas assim seremos capazes de vencer todas as adversidades com que formos confrontados. Acredito que todos juntos e com sentido de responsabilidade seremos capazes de vencer esse inimigo desconhecido mas assustador. Obrigado, enfermeira!
ResponderEliminarQue testemunho tão fantástico quanto comovente. Que lição extraordinária de uma pessoa que arrisca a sua vida para salvar a vida dos outros. Até talvez de gente irresponsável e idiota, que não acata as recomendações da DGS e restantes autoridades. Acredito que com pessoas assim não sucumbiremos ao Covid-19. Juntos e de modo responsável seremos capazes de cuperar este tremendo desafio contyra um adversário desconhecido e terrivelmente perigoso. Esta Senmhora Enfermeira é uma verdadeira heroína, merece o respeito de todos os portugueses. Pela minha parte um sincero e muito porofundo Obrigado!
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