domingo, março 15, 2020

O Covid, as previsões do Buescu, o que se vai sabendo sobre o que se deve e não deve fazer e sobre o que pode vir a resultar no tratamento
-- e, ainda, o tele-afecto





De novo, vejo referência à análise de Jorge Buescu e, uma vez mais, vou atrás. E, de novo, sinto cepticismo em relação ao que leio. Aquelas previsões, uma vez mais, não me convencem.

Todo o dia resisti a procurar os números -- a evolução, dia a dia -- para ver o que dali extraía. Considero que não há dados suficientes e, sobretudo, acho que eles são influenciados por comportamentos que mudam em função da consciência que se vai adquirindo e, ainda mais, pelas medidas que o Governo for impondo. E, portanto, acho que nem a série é suficientemente longa e elucidativa para poder ter grandes certezas nas extrapolações nem temos ainda tipificados comportamentos que possamos correlacionar com os números.

Concordo que, em roda livre, sem consciência da perigosidade, a evolução do Covid em Portugal seria um descalabro. Contudo, o isolamento social começa a entrar na rotina de cada vez mais gente e as cadeias de propagação talvez se consigam quebrar ou, pelo menos, perder força.


Mas, apesar de não querer aplicar modelos a uma realidade que não é bacteriologicamente pura (no puns intended) e cujos dados estão muito no início, face aos números do Buescu, resolvi  eu experimentar a ver o que dava. E o que me deu é, mais coisa menos coisa, aquilo que me parecia a olho nu. Que os números vão crescer, claro que vão. Que vão assustar, claro que vão. Mas pode acontecer que não disparem tão em flecha e que não estejamos em presença de um descalabro. Os 19.000 doentes até ao final do mês que o Buescu prevê configurariam um cenário de horror pois, desses, para aí uns 2.000 ou mais poderiam precisar de ventiladores em simultâneo e isso, claro, iria traduzir-se em mortalidade a doer. Segundo ele, se o Governo decretasse quarentena total e absoluta, o descalabro não seria dessa ordem mas os infectados, ainda assim, ultrapassariam os 4.000 (o que, de qualquer modo, seria calamitoso). Ora, a mim não me parece que se chegue lá até ao fim deste mês. Apetece-me dizer que, mesmo sem quarentena absoluta, não se atingirão os 4.000 que ele pensa apenas possíveis com o país enjaulado.

Este vírus é terrível, lá isso é, até porque: 
  • pode durar muitas horas activo em superfícies (horas que podem ir até quase três dias, por exemplo em superfícies de plástico -- razão pela qual as superfícies devem ser sempre bem lavadas), 
  • pode estar activo em espaços fechados durante bastante tempo, 
  • pode ser propagado por pessoas sem sintomas ou sintomas tão leves que não levantem suspeitas, 
  • pode chegar-nos por um emissor que esteja até dois metros (caso espirre ou tussa) ou a um metro (apenas por respirar). 
Por isso, concordo, estamos, de facto, perante um risco diabólico. Uma coisa inimaginável.



Mas, porque penso que as pessoas já estão a cair na real e o medo é uma poderosa arma de defesa e porque penso que os números conhecidos não parecem apontar para um disparo tão descontrolado, tenho esperança que consigamos passar por esta seríissima ameaça sem ficarmos despedaçados a sangue frio e de alto a baixo.

Entretanto, a experiência nos outros países vai trazendo conhecimento que nos pode ser útil. Por exemplo, as autoridades de saúde francesas estão a avisar que o uso de anti-inflamatórios parece agravar o efeito do Covid (e, na volta, isso explicará, em parte, a tragédia italiana). Segundo eles, nada de Brufen ou afins ou cortisonas mas, antes, paracetamol ou aspirina. E, portanto, com o que se vai sabendo, melhor nos poderemos ir precavendo.

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De qualquer forma, este dia voltou a ser um dia triste para mim. O meu corpo e a minha alma não vivem sem a companhia daqueles que amo. Claro que tenho sido abençoada pela sorte que me tem permitido que esse meu gosto se tenha materializado. Tantas mães que também gostam da proximidade e que, pela força das circunstâncias, não têm tido outro remédio senão habituarem-se à distância. Mas a vida tem-me tratado bem e eu sinto-me sempre infinitamente grata por isso. Gosto de ter a casa cheia, gosto de abraçar e beijar os meus meninos, gosto de os ter à mesa, gosto que estejamos todos juntos, gosto de ver que gostam uns dos outros -- e, felizmente, essa tem sido uma realidade. Mas, face à infelicidade que se abateu sobre a humanidade, resolvemos todos levar a sério o que se está a passar e estamos todos a cumprir, o mais a sério possível, o isolamento social. Portanto, este sábado, pela primeira vez contactei com eles por via remota. As três casas separadas mas nós todos a conversar uns com os outros. Mas senti-me muito triste. Não posso abraçá-los ou enchê-los de beijinhos e não sei quanto tempo durará isto. 

Claro que também não fui a casa dos meus pais. Estão abastecidos, vai lá a senhora que ajuda a minha mãe e põe luvas, usa máscara, desinfecta-se. Não quero ser veículo de transmissão de coisas más. Converso com ela por telefone, duas vezes por dia. Sobretudo, tento convencê-la a não sair de casa. Que vá ao jardim, que faça ginástica, que regue as flores, que apanhe ar puro -- mas não vá às compras, não receba visitas.


E há outra coisa que me preocupa pois, a bem da verdade, não percebo o comportamento das epidemias. Para mim, na ignorância de uma leiga, enquanto houver um infectado e uma grande maioria de não imunizados é como quando apareceu o primeiro: uma fonte de contágio que se irá propagando. Mas se calhar não. Aliás, tomara que não. Senão, quando é que deixa de ser necessário o isolamento social?

Li que há cientistas que acreditam que o soro do sangue dos que já se curaram, se injectado nos infectados, pode ajudá-los a debelar a infecção. Tomara. Por cada teste positivo, um shot de soro e pronto,, desampare, à sua vida, vá para casa esperar que passe -- era bom que fosse assim.

Também li que aparentemente medicamentos usados nas doenças auto-imunes como a artrite reumatóide estão a dar resultados animadores.

Ou seja, assim ou de outra maneira, tenho esperança que alguma solução apareça e que apareça depressa. Não gosto de não poder abraçar e beijar e olhar de perto aqueles que mais amo.

E até lá vamos mantendo, à risca, as medidas recomendadas pela DGS e vamos reinventando novas formas de convivência, de solidariedade, de bondade e... de expressar o afecto e o agradecimento.


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As fotografias foram feitas in heaven
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E a todos desejo um belo domingo. 
Saúde, bom comportamento e boa disposição -- é o que, para já, é preciso.

8 comentários:

  1. Francisco de Sousa Rodriguesmarço 15, 2020

    Rica UJM, essas previsões transformam-se em clara numerologia quando se apreende evoluções contexto a contexto, só numa fase mais avançada poderemos perceber mais concretamente as coisas.

    Aqui estamos para enfrentar tudo isto com a serenidade possível e aguardar as boas notícias, em especial aquelas que indiquem que "nos" tornámos mais altruístas, mais protetores, mais conscienciosos, enfim mais capazes de amar os outros e o mundo.

    Um belo Domingo.

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  2. "os números conhecidos não parecem apontar para um disparo tão descontrolado"

    Não sendo ciência exacta nem, muito provavelmente, significando nada de decisivo, segundo os últimos números, de anteontem para ontem, houve um aumento de 51%. De ontem para hoje, 45%. Não sei se será o desejável "flattening of the curve" - é só de um dia para o outro... - mas é o que se arranja...

    Por outro lado, inevitavelmente, surgirão mortes mas não vejo suficientemente sublinhado o facto de, até agora, estas serem ZERO. Além de que, por esta altura, o número de mortes por gripe sazonel dever andar pelas 1000/2000.

    Portemo-nos bem e sigamos todas as indicações da DGS. Mas não alimentemos pânicos e ansiedades.



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  3. Olá Francisco

    De acordo. Temos que perceber a gravidade e accionar todos os nosso mecanismos de defesa, quer os individuais quer os grupais. Só com um cerrar de fileiras conseguiremos quebrar as cadeias de transmissão do vírus. Não percebi é ainda bem em que momento se pode levantar a contenção sem que a curva volte a disparar. Provavelmente, entretanto, assimilamos novos protocolos de higiene que nos protegerão.

    Entretanto, durante estas semanas, temos que perceber que somos capazes de mudar de hábitos e, ainda assim, sobreviver e viver bem. Temos que agir na lógica de 'todos por um e um por todos'.

    Abraço, Francisco. E um belo domingo.

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  4. Olá João,

    Não gosto de modelos simplistas que não atendam a todos os factores que influem nos números. Há correlações com que se tem que entrar em consideração, há condicionalismos que impõem alteração de hábitos que influem nos comportamentos de risco. Por isso, forço-me a não me deixar tentar pela construção de modelos previsionais pois, se fetos a martelo, induzirão conclusões erróneas.

    Mas ontem cedi à tentação e, um bocado às três pancadas, arrisquei uma análise. E o que obtive é que já a partir de hoje começaríamos a controlar a subir, iniciando o achatamento. Mas não quis (nem quero) falar em números pois é altura de ter juízo e não de fomentar alarmismos ou relaxamentos.

    O que há a fazer, e isso é óbvio, é isolamento social, hábitos de higiene, protocolo respiratório, etc. Mas tem que ser um comportamento global.

    Acredito que com esta disciplina conseguiremos aguentar-nos até que se saiba como atacar o bicho. Se é com soro sanguíneo de quem saíu desta, se é com medidamentos contra a artrite reumatóide ou com outra coisa qualquer, tanto faz, desde que surta efeito.

    E que saibamos continuar a proteger os mais idosos e os mais débeis. É verdade e é motivo para estarmos muito contentes, e até de orgulho, com o facto de ainda não termos tido mortes. Mas, cá para mim, é que eles estão a ter cuidado e nós cuidado com eles. O número de infectados de idade elevada é menor. Os escalões etários mais atingidos são os intermédios, a malta que acha que a eles não acontece nada e que convive na boa e vai para os copos. Por um lado é bom pois, se calhar, ganham imunidade (ainda não é certo mas admitamos que sim) e é bom que haja malta imune para barrar o caminho ao vírus mas é péssimo pois são veículos de transmissão. Por isso, sou adepta que é bom que o Governo saia com medidas de contenção mais apertadas para durarem pelo menos até ao fim do mês (15 dias para reduzir a possibilidade de contágio).

    E é isso aí, nem pânicos nem ansiedades. A vida há-de continuar.

    Um bom domingo, João.

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  5. De acordo com tudo.

    Só um pormenor:

    "O número de infectados de idade elevada é menor"

    Também tinha reparado. E porque, aparentemente, os efeitos do bicho sobre os "não tão idosos" são mais ligeiros, isso poderá ser um factor favorável que, talvez (talvez, talvez...) ajude a explicar as, até aqui, zero mortes.

    Mas há um aspecto que, parece-me, deveria começar já a ser incluído no discurso oficial: quando a curva começar a inverter, não começar (muito portuguesmente) a lançar foguetes e a relaxar as medidas de prevenção!

    Bom domingo.

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  6. Pôr do Solmarço 16, 2020

    Cara UJM,

    A falta de noticias sobre os efeitos do coronavirus em Inglaterra, fez-me perguntar a quem lá vive.

    Fiquei chocada com a resposta. Parece-me inacreditavel:

    O governo britanico está a implementar uma medida com que muitos cientistas não concordam. Segundo se diz querem que o virus se espalhe de modo a que as pessoas ganhem imunidade. Para que isso aconteça, 60% da populaçao precisa ficar infectada mesmo que isso custe mais de 10 mil mortes.

    Cerca de 200 cientistas já se manifestaram contra esta medida e dão bastas razões para não concordarem com ela. Querem que o assunto seja debatido mas não estão a conseguir. Preve-se que isolem os idosos a partir dos 70 anos.

    Prometi confirmar esta noticia. O facto é que não encontro dados sobre o virus por aquelas bandas.

    Isto parece-me um filme de ficção que sempre me recusei ver. Chegámos à guerra quimica.
    Resta-nos ter fé e cumprir o que nos diz a DGS.

    Custa-nos o isolamento social e familiar, valha-nos as novas tecnologias, mas não é a mesma coisa. Como a compreendo. A falta que os abracinhos dos netos nos fazem.

    Um beijinho e votos de uma semana menos triste e com a fé em dias melhores.

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  7. Olá Por do Sol,

    Efetivamente o reino de sua Magestade parece que vai tentar seguir uma estratégia alternativa. Note-se que na teoria faz sentido, embora na prática seja uma estratégia muito mais difícil de implementar do que a do isolamento social que estamos a seguir. E, pior, parte de um pressuposto ainda incerto: que os infectados ganham imunidade permanente.

    Outro país que seguiu uma estratégia diferente e com aparente sucesso é a Coreia do Sul. Ao invés do isolamento social, adoptaram uma estratégia agressiva de testar a população ao mínimo sinal de suspeição e colocando apenas essas pessoas sob uma quarentena muito mais apertada.

    O importante é efetivamente seguirmos uma estratégia, confiando nos nossos técnicos e nas decisões das autoridades. Nesta fase, qualquer estratégia requer a colaboração de todos, deixando a discussão sobretudo aos técnicos.
    Existirão erros? Com certeza. Mas eles serão muito mais facilmente mitigados e corrigidos se todos estiverem a fazer a sua parte na estratégia.
    Por exemplo, o grau mais exigente ou menos exigentes das medidas que contribuem para o isolamento social (como o fecho das escolas) são tomadas face a muito mais variáveis que aquelas que muitos de nós, leigos, consideramos. Se formos honestos não há sequer um consenso técnico sobre o Timing exacto em que deve ser tomada.
    Resta-nos, nesta fase, cumprir a nossa parte na estratégia definida pelos técnicos e autoridades.

    Abraço e boa semana!

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  8. Pôr do Solmarço 17, 2020

    Obrigada Paulo B,

    Entretanto mudaram de estratégia.A universidade de Birmingham fechou as portas e aconselhou o regresso a casa.

    Quem lá vive vai-se manter com os devidos cuidados.

    Tem razão. Nós por cá vamos confiar e ajudar quem tanto se esforça nos hospitais, nos serviços prioritários e na protecção civil. Vamos ignorar alarmistas e oportunistas que nada acrescentam à segurança. E quando a economia se revelar, teremos outra "pandemia". Ninguem está habituado a condicionar-se.

    Bom recato. Cumprimentos

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