domingo, fevereiro 23, 2020

Sábado de verão, em fevereiro, na praia.
Com reportagem fotográfica.





Na sexta ao fim do dia fomos passear no paredão ao longo da praia. Para terminar uma semana bem preenchida nada como a maresia para lavar a alma. Estava-se muito bem. Um prenúncio de névoa começava a pousar no areal mas essa frescura suave apenas trazia mais beleza e apaziguamento ao lugar. Passear junto à praia à noite é uma felicidade.

Este sábado, calorzinho primaveril, a conversa foi outra. Depois de termos ido aos meus pais, fomos a casa para eu mudar de roupa, noblesse oblige, e para preparar um lanchinho. Iogurtes, biscoitos de Safara, bananas.

Juntámo-nos na praia e não éramos só nós mas também outros amigos. Crianças pequenas eram sete. O meu filho perguntou com ar de censura: 'Mas para que é que vêm com comida? Tem algum jeito isso?'. Mas só as bananas é que não quiseram. Dos dez iogurtes sobrou um e do saco de biscoitos sobraram uns escassos restinhos, umas asas quebradas. 

Estava-se que era uma maravilha. Os rapazes -- de todas as idades -- jogaram futebol. 


Só os dois pequeninos, por sinal homónimos e da mesma idade, três anos, é que não jogaram. Brincaram com carrinhos, fizeram buracos e bolos e atiraram areia para onde não deviam. As duas meninas também não. Entretiveram-se de outra maneira, uma com a outra, também construções, conchinhas, penteados, coisas assim. As três mais crescidas conversaram. Eu, como habitualmente, observei, fiz a reportagem, tentei assimilar a beleza de tudo. O mar muito bonito, a luz perfeita, todos felizes uns com os outros.

Fizemos fotografias de grupo mas não ficámos todos ao mesmo tempo nem todos a olharem para a frente. Uma sucessão de fotografias com uns a fazerem gestos, outros a ajoelharem, futebolista style, um a beijar a camisola, pose quiçá à Ronaldo, outros a fugirem, outros a olharem para trás. Mas, verdade seja dita, fotografias preciosas, todos dourados sob a luz do pôr do sol, todos bem dispostos. Desta vez fiquei em algumas fotografias. A minha filha protestou, lembrou as fotografias do baptizado do mais novo que ficaram a cargo do pai e que as desfocou a todas. Sem óculos e sem tempo para focar a visão senão fogem de cena, dispara sem grandes preciosismos e a coisa tende a não ficar perfeita. Mas desta vez correu bem. 


Depois foi a separação do resto do grupo, o regresso, sempre aquela confusão que resulta da ruidosa geometria variável que ali se desencadeia: ela quer ir com a tia, outros querem ir com os primos, outros querem não sei o quê e por fim já ninguém percebe quem vai com quem nem se há banquinhos nos carros onde são precisos.

Tudo cá para casa, embora uns não directamente. Os meninos, sim, vieram logo todos.

Atirei-me aos tachos enquanto a miudagem se atirava aos banhos. Abstraio-me da confusão e penso que deve ser o que fazem os professores para não darem em malucos com o barulho. Desta vez, o mais crescido armou-se em paparazzi e andou a filmar os outros à socapa que, furiosos, gritavam, fugiam, fechavam-lhe a porta, corriam. 


Depois vieram aqui para a sala. Quando aqui vim espreitar, andavam feitos detectives. Mal me viram, disfarçaram. Percebi o que se passava. Andavam a ver se descobriam o tal livro de fotografia que um dia deixou o menino do meio completamente desorbitado. Saindo ao pai na pancada por «maminhas», nunca mais desistiu de o voltar a ver. E já falou nisso aos primos que ficaram igualmente curiosos. E a mana alinha na demanda. Mas, claro, tudo às escondidas. Zanguei-me. Não têm nada que andar a mexer e a desarrumar os livros e que desistam porque não vão encontrá-lo.  'Ai-ai-ai, ai-ai', zango-me eu, e eles já me imitam. Voltei à cozinha.

Quando aqui regressei, estava tudo ao rubro. Tinham descoberto um dos meus Pipis, não reparei se era o Diário ou o dos Sermões. Já nem me lembro se foi a minha filha que disse que não deveríamos deixar aqueles livros ali. Mas não apenas não estavam à vista como vai lá uma pessoa lembrar-se que hoje lhes ia dar para andarem a revirar os livros mais recentes. O mais velho, onze anos, rebolava-se a rir. O primo, sete anos,  tinha estado a ler e, dizia ele, 'ele leu em voz alta e eles não percebem a maior parte das palavras mas eu percebo tudo... e é tudo muito impróprio...'. E ria a bom rir. Depois perguntava: 'Mas para que é que tens aquele livro...?'. Expliquei que era um livro de humor, muito bem escrito mas não para crianças. E peguei no livro e fui escondê-lo. A ver é se agora não lhe perco o rasto.

E voltei para a cozinha. Quando cá voltei, estavam os quatro mais crescidos atrás de uma estante. Largaram precipitadamente o que tinham na mão. Fui ver. Era outro livro de fotografia e uma grande lupa. Perguntei: 'Mas de onde apareceu esta lupa?'. Juro que não fazia ideia. Ela contou que a tinha ido buscar a outra estante. Já nem de tal me lembrava. De novo, o mais crescido a rebolar-se a rir: 'Estávamos numa pesquisa perfeitamente paralela e, sem querer, descobrimos este livro'. E dobrava-se a rir. E eu disfarço mas a verdade é que acho imensa graça à forma como se expressa e ao sentido de humor que revela em tudo o que diz.

Quando eram mais bebés, tinha que tirar tudo o que era peça que se pudesse partir do seu alcance. Estou a ver que tenho que ter cuidado agora com os livros. O apelo do interdito faz-se sentir em todas as idades e a união entre eles tem muita força, descobrirão sempre qualquer coisa que os deixará ufanos e ainda mais curiosos.


Devo esclarecer que, entretanto, o meu marido e o meu filho estavam a apanhar os vidros da porta da rua que o meu filho, ao tentar desencravar a porta, fez tanta força que o partiu, e os demais crescidos estavam ou a pôr a mesa ou ao telefone noutro sítio ou na casa de banho ou não sei bem onde. Portanto, eles andavam à aventura em liberdade. Esta sala é, para eles, uma arca do tesouro e eu, se me recordar de quando tinha a idade deles, imagino a tentação que deve ser saber que há aqui um mundo fascinante por descobrir. E eles são um verdadeiro bando dos cinco.

Depois foi o jantar, a mesa cheia, e uma vez mais aconteceu o que sempre temo. Penso que estou a fazer o dobro da comida necessária mas, afinal, pouco sobrou. As doses de tudo são crescentes. Crescem e felizmente alimentam-se na devida proporção e os adultos felizmente também não se queixam de fastio. O apetite de todos enche-me de alegria. Sentam-se à mesa e comem de gosto. Quase todos se levantaram para repetir a dose. Nessas alturas a minha alegria tende para a preocupação não vá algum querer voltar a repetir e já não haver. 

E isto apesar do meu filho ter trazido uma sopa óptima, gostosa e consistente, de couves, feijão e carne. Tinham lá tido amigos ao almoço e como agora vão uns dias para fora, trouxe a sopa que sobrou.

Depois da cozinha arrumada, brincadeira na sala, todos na maior animação. Às escondidas, lutas, cantorias, imitações.


Agora a casa está silenciosa. O meu marido já dorme há um bom bocado. Disse que estava partido, que mal se podia mexer. Pudera. Como não? Jogou à bola durante mais de uma hora e vi-o a cair várias vezes, a atirar-se para evitar que a bola entrasse na baliza imaginária. Como sempre, estava de guarda-redes. Deve ser de quando jogava andebol. Ficou-lhe isso, gosta sempre de jogar à baliza. Curiosamente, dois dos meninos, na escola de futebol onde andam, também jogam à baliza. E têm jeito. A genética tem muita força, dizem.

E eu agora, enquanto escrevo, vejo a televisão e apercebo-me como o coronavírus está não apenas a arrefecer a economia como a transformar algumas cidades em cenários daqueles filmes de terror que nunca vejo. Quem diria que uma coisa destas poderia acontecer...? O mundo ameaçado por uma porcaria de um vírus. Nem na mais desvairada ficção isto poderia ser imaginado.

Bem. Vou descansar que daqui a nada o domingo já é dia e, por muito que eu goste de habitar os mistérios e os silêncios da noite, não posso depois ficar a dormir até a manhã ir alta. Portanto, fui.


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As fotografias foram feitas este sábado na praia e às duas últimas dei-lhes um banho de cor. 

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Desejo-lhe, a si que está aí desse lado, um belo dia de domingo

2 comentários:

  1. Um bom domingo
    https://www.treehugger.com/cleaning-organizing/tsundoku-practice-buying-more-books-you-can-read.html

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  2. Olá GG

    Então existe um respeitável nome japonês para definir isto de gostar de ter muitos livros, mais do que alguma vez se conseguirão ler?

    Mas há uma coisa: pelo menos para mim, embora tema não ter tempo para ler todos os livros, há a secreta esperança de o conseguir. Depois o prazer de ler não exige que se leia tudo. Às vezes basta uma página para o prazer ser imenso.

    Obrigada pela informação, GG,

    E uma boa semana!

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