Desconheço-te. Sei apenas que habitas a noite. Tal como eu, sinto que a tua respiração se adensa à medida que a luz se esvai, que os vultos se desenham, que a penumbra te envolve, que a noite avança. É uma respiração morna, suave, sentida. E, acredita, eu sinto-a aqui onde estou.
Tal como acontece comigo, pressinto que os teus passos pelas veredas mal iluminadas nada mais procuram do que o silêncio e a batida longínqua de outro coração.
Se calha os teus caminhos acontecerem à luz do dia e cruzarem-se com os meus, serás para mim um estrangeiro, alguém que também não reconhecerei. E ainda bem. Bichos esquivos como nós devem vigiar-se de longe, adivinhar-se-se apenas pelo cheiro, pelo rasto que as palavras deixam.
Conheço-as bem, as tuas palavras, as pegadas vagarosas que vais deixando pelas margens dos rios, pelos lugares que, em segredo, visitas. Disfarças-te. E eu acho bem. Também eu me disfarço, também eu me oculto. Bichos intangíveis como nós apenas querem ser pressentidos, antevistos apenas em pensamento.
Durante muito tempo nada sei de ti. É sempre assim. Não faz mal. Sei que andarás nos teus refúgios, procurando a melodia secreta dos rumores da madrugada e das palavras que ainda não encontraram o seu caminho. Mas sei que, mal cheguem as neblinas, tu terás vontade de sentir o frescor dos murmúrios e o toque de um afecto que pressagias. Sairás, então, dos labirintos em que te perdes para vires em silêncio, o bafo inquieto, pela beira do rio, pela beira da minha respiração, para atravessares o tempo e os lonjuras, para procurares um olhar que desconheces mas que sentes pousado em ti.
Vem. Estou aqui à tua espera. Em silêncio esperarei o imperceptível som dos teus passos, esperarei sentir o calor do teu bafo, esperarei ouvir o bater do teu coração. Depois, antes que perigosamente te aproximes demais, afastar-me-ei.
Sei que me compreendes: é assim que somos. A nudez ser-nos-ia insuportável pois os disfarces já se colaram à nossa pele. Somos bichos que caminham em silêncio, solitários, espreitando-se de longe, em segredo.
Mas vem na mesma. Aproxima-te. Quero sentir-te. Sinto tanto a tua falta.
Mas vem na mesma. Aproxima-te. Quero sentir-te. Sinto tanto a tua falta.
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Julie London vem aqui, de novo, para me embalar com o seu Cry me a river.
E o texto foi-me ditado pelo tigre que Nitish Madan tão maravilhosamente fotografou.
E agora vou descansar para ver se, não tarda, consigo acordar sem ter que recorrer às técnicas do Mr. Bean.
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E um dia feliz para todos
Belas fotografias de um dos mais extraordinários felinos, o tigre. Um animal magnífico!
ResponderEliminarHá uma descrição sobre o medo, de Rudyard Kipling, que um dia li (não me recordo em que livro), quando ele avista um tigre, na selva indiana, embora ainda a alguma distancia, mas onde o escritor não teria hipóteses de lhe escapar se a fera tivesse optado por dirigir-se até ele, o que não veio a suceder, que nunca mais esqueci, tão emotivo, digamos, foi aquele relato.
Uma vez, em turismo pela Índia, quando visitámos um daqueles Parques Nacionais, tivemos a oportunidade de ver um desses espantosos Felídeos, que caminhava solene e majestaticamente, mais adiante. É uma sensação estranha e muito especial avistar-se um animal daqueles, com aquele porte, sabendo bem do que é capaz, tendo em conta a sua força, agilidade e ferocidade, que possuiu.
Após diversos programas relativos à sua protecção, no Continente Asiático, sabe-se hoje que a espécie tem vindo, felizmente, a recuperar bastante o seu número.
Na Ásia é um animal mítico. E respeitado. Ao que me constou, na China, matar um tigre pode dar origem à aplicação de pena de morte.
{ Sheela na gigs & Green Men }
ResponderEliminarAs circunstâncias guiam-nos a exercer de forma diversa o mesmo dom para o ctónio, para o foco nas correntes subterrâneas que animam e unem o que, para outros, são os acasos da vida: Você, fêmea-alfa do seu clã, escrutina os efeitos desse talento; eu, macho solitário, abandono-me às suas causas. Contudo, machos & fêmeas existem para se unir, e dar fruto - Você, pragmática, não esquece o quão amargos podem ser; quanto a mim, ressolto, limito-me a evocar a doçura.
Que seria de FinalFeliz sem o frémito de FurtivaLágrima?
Olá Anónimo dos Tigres,
ResponderEliminarTentarei amanhã responder ao seu comentário pois o adiantado da hora hoje não mo permite.
Obrigada e até amanhã.
Olá Insolente Anónimo,
ResponderEliminarNão quero responder-lhe com a brevidade que o adiantado da hora impõe. Fica para amanhã, está bem?
Uma noite descansada.
Claro.
ResponderEliminarMuito obrigado.
"Sabedoria como efeito secundário da luta do ego contra a decadência."
Olá Anónimo dos Tigres,
ResponderEliminarTem razão. São animais fantásticos, certamente divindades. Ainda tenho para um dia partilhar um vídeo que há tempos me enviou sobre um magnífico felino.
Imagino a fantástica experiência ao estar perto e ver andar um desses animais que tem o porte de um deus. Deve ser de arrepiar, de fazer tocar todas as cordas da emoção... Se eu já tenho uma certa pancada com o lado extraordinário e quase extraterrestre dos felídeos, imagine-se se um dia estiver perto de algum.
E agora fiquei curiosa sobre essa cena que refere do Kipling.
Agradeço o seu testemunho. Gostei de ler o que escreveu.
Um belo sábado!
Olá Anónimo Insolente,
ResponderEliminarO que escreve surpreende-me e, por vezes, leva-me a ler várias vezes para tentar encontrar o sentido subjacente do que diz. A cartografia é uma arte e eu não a terei. Contudo, a partir do que vai dizendo e dos presentes que esconde debaixo das palavras, sinto-me tentada a ir desenhando alguns pontos num plano aberto, vago e distante. E esses pontos levam-me a caminhos nem sempre óbvios mas, quase sempre, interessantes.
Gostei dessa associação: Sheela na gigs & Green Men. Como acontece tantas vezes, não conhecia e foi com espanto e agrado que li o seu significado. Tem graça que lhe tenham ocorrido.
E deixe-me que lhe diga que, nem sei bem porquê, ao ouvir algumas das músicas e ao ter prestado atenção às palavras me senti como que comovida.
Gostava de ter inspiração para conseguir responder-lhe de uma maneira mais criativa mas não tenho, só consigo dizer as coisas de uma maneira muito directa: gostei e agradeço.
Um sábado muito bom para si.