Para que conste: ansiava por um dia de férias. Sozinha. Tinha uma em mente. E requeria horas seguidas por minha conta. Melhor se pudessem ser vários dias e não apenas um. Mas é o que é, um dia, e quando puder voltar a ser, será.
Senti-o levantar-se, tomar banho -- e pouco mais. Voltei a adormecer. Mas não acordei tarde. Sabia que o tempo ia ser curto para a aventura que, há tanto tempo, estava latente.
Por isso, nem me detive muito no pequeno almoço: uma banana, um dióspiro, três ou quatro amêndoas, um café.
E, depois, ala.
E, depois, ala.
Comecei pelo meu quarto. Mais concretamente pela minha mesa de cabeceira. Poupei a gaveta de cima. Ficará para segundas núpcias. As três de baixo. Depois passei para a cómoda, mais concretamente para as duas gavetas de cima, as minhas. Dois gavetões.
Antes, fui à despensa buscar o rolo dos sacos grandes pretos, daqueles quase tipo contentor.
Não me pus com aquela de as coisas me fazerem feliz. Nada disso que não sou de filosofias quando o tema é arrumações: se estão em condições, se é provável que as volte a usar, então para um lado. Se já não me serve mas ainda está em bom estado e bonito e talvez as meninas grandes lhe venham a dar uso, para outro. E se algumas são tão pequenas e justas que talvez venham a servir, um dia destes, para a menina mais pequena, para outro. O resto, num saco para dar. O que não tem préstimo para ninguém: lixo.
Nisto uma coisa me deixou verdadeiramente espantada: como já fui tão magra. Olho para algumas peças e não percebo como foi possível lá ter cabido dentro. Mas no outro dia, ao ver fotografias de há uns anos, constatei como o meu corpo se modificou. Grande parte das pessoas acha que estou bem mas eu sei que devia ter menos uns três ou quatro quilos. A verdade é que, quando casei, vestia o 36, depois de os meus filhos nascerem passei para o 38, ali pelos quarenta e tal anos, em alguns modelos, já ia no 40 e, depois da menopausa, galgou para o 42 -- e já desisti, daqui não baixa. Se vou à nutricionista e corto drasticamente calorias e mudo completamente os meus hábitos, abdicando de muito do que gosto, volto ao 40. Mas como não nasci para sofrer e tenho muita dificuldade em abdicar do que gosto, passado algum tempo já regressei ao 42. Portanto, por muito lindos que sejam os meus vestidos, as minhas saiinhas bem justinhas, as minhas blusinhas bem cintadinhas, a verdade é que já não são para mim. Portanto, bye bye e coração ao largo.
Ao fim da tarde, já tinha também dado a volta ao roupeiro do closet. Aquele roupeiro é um quebra-cabeças. Quando a minha filha saíu, deixou imensa roupa, quase toda a que usava antes de começar a trabalhar. Não consegui desfazer-me da que estava em bom estado. Com o meu filho foi a mesma coisa: deixou praticamente cá tudo. E ainda tudo cá está. Depois a roupa que foi deixando de servir também ao meu marido e que estava boa, idem. Já teve muito mais peso. Quando os miúdos vêem fotografias dele com mais cabelo, o cabelo mais preto, e mais gordo desatam a rir-se, mostram uns aos outros, alta galhofa, quase sem acreditarem que aquele quase badocha é a mesma pessoa que o esbelto grisalho que tão bem conhecem. Portanto, fatos, casacos, blusões, sobretudos, parkas, etc, tudo impecável mas grande demais. Ou seja, este roupeiro que é grande, em vez de ter serventia, está transformado num depósito de peças de utilidade duvidosa.
Retirei peça por peça, vesti cada uma das minhas, avaliei o estado, avaliei a possível reutilização.
Custou-me bastante pôr de lado a roupa dele, casacos tão bons, coisas em tão bom estado, mal empregadas. Mas não foi fazer uma dieta de engorda para dar uso àquilo, não é?
Fiquei surpreendida como blusas minhas que tinha posto de lado por terem enchumaços e por me terem ficado largas ou apertadas, nem sei, e que agora, vestindo-as, me parecem bem. Fui buscar a tesoura de costura e retirei-os. Voltei a vesti-las e foi como se me tivessem saído na rifa.
Custou-me bastante pôr de lado a roupa dele, casacos tão bons, coisas em tão bom estado, mal empregadas. Mas não foi fazer uma dieta de engorda para dar uso àquilo, não é?
Fiquei surpreendida como blusas minhas que tinha posto de lado por terem enchumaços e por me terem ficado largas ou apertadas, nem sei, e que agora, vestindo-as, me parecem bem. Fui buscar a tesoura de costura e retirei-os. Voltei a vesti-las e foi como se me tivessem saído na rifa.
No fim, havia um saco grande de coisas para o lixo onde se incluíam os enchumaços, cabides que se partiram ou que estavam meio mancos, roupa manchada pelos anos de prolongada quarentena e quatro sacos com roupa para dar. E um quinto com roupa que vou levar para o campo pois o nível de exigência lá é menor e roupa mais descontraída, solta, larga e confortável é sempre útil.
Quando o meu marido chegou, encontrou-me nesta faena. Assustou-se com aquela sacaria (e ainda nem se apercebeu do saco para levar para o campo; mas os roupeiros lá também estão a precisar de levar uma volta). Olhou para o monte de roupa dele que estava para conferir e declarou logo: lixo! Mas eu disse-lhe que, se eu tinha tido paciência para estar há bem mais de oito horas de seguida a arrumar roupa, seria incompreensível que ele não tivesse paciência nem durante um quarto de hora. Lá se esforçou. Mas não há dúvida: jamais voltará àquele peso. Deve ter pesado uns noventa quilos. É alto mas, ainda assim, agora que deve andar pelos setenta e tal (acho eu: ou será oitenta? -- não faço ideia) é que está bem.
Depois tomei um belo banho, vesti-me e fomos passear para a praia. Estava precisada de respirar e de esticar as pernas. De caminho, já levámos dois sacões para o depósito das roupas. Amanhã levamos os outros.
Estava uma noite tranquila, o mar quase silencioso, distante, a maré vazia. E a noite estrelada. Foi bom andar a passear ao fresco. Depois fomos jantar. Já não era cedo.
Contudo, quando cheguei a casa ainda fui arrumar umas coisas. Lembrei-me que o roupeiro do quarto do meu filho ainda tinha muito espaço livre. Por isso, levei para lá parte da roupa que acho que pode vir a ser do agrado das meninas crescidas. Assim, conquistei espaço no outro roupeiro.
Estava uma noite tranquila, o mar quase silencioso, distante, a maré vazia. E a noite estrelada. Foi bom andar a passear ao fresco. Depois fomos jantar. Já não era cedo.
Contudo, quando cheguei a casa ainda fui arrumar umas coisas. Lembrei-me que o roupeiro do quarto do meu filho ainda tinha muito espaço livre. Por isso, levei para lá parte da roupa que acho que pode vir a ser do agrado das meninas crescidas. Assim, conquistei espaço no outro roupeiro.
Falta-me agora a pièce de resistance: o roupeiro grande que mandei fazer no que era o quarto da minha filha e que se tansformou no meu boudoir, na minha arca dos mil tesouros, a gruta onde a princesinha mais linda gosta de se embrenhar para ir buscar coisas para se produzir.
Precisava de mais uns dias de férias assim, sozinha em casa, para poder completar a empreitada.
Ah, é verdade: para arrumar as gavetas adoptei o método da Maria Kondo. Dantes sobrepunha as peças. Agora não, agoro, dobro-as dobradinhas e ponho-as ao alto: cabe muito mais, está tudo à vista. Ficam umas gavetas mesmo bonitas, arrumadinhas de dar gosto. Uma belezura.
Ah, é verdade: para arrumar as gavetas adoptei o método da Maria Kondo. Dantes sobrepunha as peças. Agora não, agoro, dobro-as dobradinhas e ponho-as ao alto: cabe muito mais, está tudo à vista. Ficam umas gavetas mesmo bonitas, arrumadinhas de dar gosto. Uma belezura.
Finalmente: podem achar que não sou boa da cabeça -- e não vou ser eu que vou tentar convencer-vos do contrário até porque, cá para mim, são bem capazes de estar certos -- mas a verdade é que gosto de fazer este género de arrumações profundas, que implicam reorganizar os espaços. Mas, como no outro dia disse à Susana, a minha motivação para estas coisas vai apenas para roupas, sapatos ou livros (embora, no caso dos livros, não me desfaça de nenhum) mas não para peças de decoração. Não estou a ver-me a pegar nas minhas clepsidras ou caixinhas ou quadros ou molduras ou mesinhas de apoio e pô-las à venda no OLX. Mas nunca se sabe. Há pessoas que dizem que a prova de que, no passado, fizeram bem as coisas é que, se fosse hoje, voltariam a fazê-las da mesma maneira. Eu nunca disse tal coisa. Eu faria sempre as coisas de outra maneira, tentaria fazê-las melhor. Com o tempo vou aprendendo e mal fora que a aprendizagem não me servisse para nada. Portanto, com o crescente gosto que tenho pela simplicidade, quem sabe um dia não começo mesmo a seguir o exemplo da Susana?
Com isto tudo, já são três da manhã e nem vou ter tempo de responder ou agradecer os comentários (mas li-os!). Estou um bocado estafada pois passei horas a subir e a descer a mini-escada para tirar e pôr os cabides nos varões de cima, ou agachada ou de joelhos para arrumar as gavetas de baixo. E este sábado tenho que me levantar cedo pois outro dia de trabalho me espera. As minhas desculpas.
Ao som do Libertango de Astor Piazzolla dançado por dois homens, Sebastián e César, usei as fotografias do último post de Steve McCurry: Power of Gathering de onde extraio algumas assisadas citações:
This is the power of gathering: it inspires us, delightfully, to be more hopeful, more joyful, more thoughtful: in a word, more alive.
– Alice Waters
The table is a meeting place, a gathering ground, the source of sustenance and nourishment, festivity, safety, and satisfaction. A person cooking is a person giving. Even the simplest food is a gift.
– Laurie Colwin
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Ao som do Libertango de Astor Piazzolla dançado por dois homens, Sebastián e César, usei as fotografias do último post de Steve McCurry: Power of Gathering de onde extraio algumas assisadas citações:
This is the power of gathering: it inspires us, delightfully, to be more hopeful, more joyful, more thoughtful: in a word, more alive.
– Alice Waters
The table is a meeting place, a gathering ground, the source of sustenance and nourishment, festivity, safety, and satisfaction. A person cooking is a person giving. Even the simplest food is a gift.
– Laurie Colwin
NB: Obviamente as fotografias não têm a ver com o texto, estão aqui por elas próprias.
E a todos desejo um belo sábado.
Paz e amor. Saúde, sorte e dinheiro. E harmonia e beleza. Essas coisas, vocês sabem.
Ainda não ganhei coragem para fazer uma arrumação dessas. Nos últimos 4/5 anos passei do M para o XL e do 38 para o 42 ou 44. Passei duma magra, mesmo magra (que toda a vida fui) para uma gordinha. Já me conformei, apesar de ter que fazer um esforço para emagrecer um bocadinho, porque começo a ter dores de pernas. Peso 70kg. Ainda tenho caixas (contentores de plástico) cheias de roupas giras, de que não me consegui desfazer, porque ainda tinha esperança de voltar a usar. Já não vou voltar...tenho que me desfazer das coisas...😢😢😢😢😢😢😢😢😢
ResponderEliminarEnfim, haja saúde! Mas como sempre fui magra, convenci-me que o ia ser para sempre...
Parabéns pela coragem de decidir desfazer-se das coisas!
Beijinhos e continuação de boas festas, na companhia da família. Um feliz 2020, extensivo a todos os que ama:))
Um serviço que de vez em quando também faço, dar a volta às tralhas, ver o que dá para outros e o que vai direito ao lixo.
ResponderEliminarEstá aqui um tempo maravilhoso, estou ao sol, lembro-me logo das suas aguarelas do seu heaven.
Um belo fim-de-semana.
Olá Isabel,
ResponderEliminarTambém eu, também eu. Fui guardando, esperando que, com algum esforço, voltasse a caber naquelas roupinhas lindas que me assentavam tão bem quando eu era delgadinha, tamanhinho médio.
E ainda guardei algumas. Por um exemplo um vestinho preto, justinho, por cima do joelho, bem decotado, sem mangas, com umas barras de veludo elástico, igualmente preto, de lado. Gostava tanto de me ver com ele. Olho e não sei como coube nele. Tentei vestir e entrou mas não me fica bem. Alarguei de ancas, de costas, toda eu estou mais volumosa. Uma coisa que acho que é estrutural. Mantive esse vestido mas acho que não voltarei a vesti-lo. Mas deu-me pena desfazer-me dele.
Mas estou determinada nestas arrumações. Hoje à noite, depois de regressar do campo, voltei às arrumações. Não descanso enquanto não der uma volta naquilo tudo.
Boas e merecidas férias. Descanse, Isabel, para entrar tranquila e zen no novo ano e para que 2020 seja um ano maravilhoso para si,
Beijinhos.
Olá Francisco,
ResponderEliminarJá o vi de pé ao léu, estendido a apanhar banhos de sol. Bem bom. Não tive tempo para isso mas andei no meio das aguarelas e fiz um montão de fotografias no meu heaven. Quando li o seu comentário, pensei que ia escrever sobre isso e mostrar as minhas fotos, cheias de uma luz dourada que torna tudo de um colorido quente e bonito.
Mas deu-me para escrever sobre as cheias do Mondego e a esta hora (2:30 da manhã) já não me dá para começar um post novo.
Talvez amanhã.
Um abraço, Francisco-ao-sol!
Olá UJM, mas que grande azáfama! 😊 não sei como consegue ter energia para tanto, e ainda vir contar-nos a aventura (aliás, isto aplica-se a todos os posts).
ResponderEliminarMas de qualquer modo, quando terminamos uma empreitada dessas, de arrumações, sentimo-nos tão bem, não é? Mais leves, a casa até respira melhor!
Eu tenho a teoria, que nem sempre consigo pôr em prática, de que os objetos sejam eles quais forem que não nos servem um propósito nem vão servir (o propósito pode ser decoração, manter uma bibliotecazinha, a nossa, etc), estão mortos. E por isso devem sair, ir ganhar outra vida ou então irem para o lixo.
Boa continuação de arrumações.
E desejo-lhe um 2020 muito feliz, com saúde, sucessos, alegrias e muitos posts! 😊
Olá Susana,
ResponderEliminarEnergia sinto-a eu ao ler os seus posts. Energia e jovialidade. E concordo com o que diz. Depois das arrumações, sinto um prazer a olhar para as coisas reorganizadas, arrumadas, mais à larga. Respira-se melhor mesmo.
Hoje tive outro dia dos valentes. Mais uns sacos para dar. Uma alegria.
E havia de me ver agora: a tentar convencer-me a ir para a cama. Só que estar aqui a escrever, ajuda-me a descansar e, assim, mal chego à cama, caio no sono.
E agradeço-lhe muito os seus votos. Sinto-os muito sinceros. E retribuo, Susana: tudo de bom para si, que o 2020 lhe chegue de feição, à sua medida e com boas surpresas.
Um abraço, Susana.